A ÚLTIMA MÃE
Querida amiga, estou convencido de que o afeto e o desejo do ser
humano é o motor central do mundo e de tudo. É o que todos, sobretudo
eu, que depois da morte de minha mãe numa carência sem tamanho de
companhia. Aqui estou em mais um dia de frio em São Paulo. Aqui estou
em mais um dia de desespero neste "apartamento" de uma única janela e
nenhuma saída. Não minto, amiga, as vezes penso matar-me.
Mas não vamos por ai.
O que me move a escrever-te hoje é uma linda história de amor,
profunda e patética, como todas. Nessa, quebrei todas as barreiras da
decência e da indecência. Imagina você uma moça branca, de cabelos um
tanto crespos e lábios carnudos que me despertam desejos loucos,
abissais. Esta moça, que nunca conheci pessoalmente senão pela rede e
no entanto desenvolvi um sentimento absurdo, ao ponto de chamá-la de
Ratinha, porque ela lembra de longe esses pequenos mamíferos do
esgoto. Não chegamos a ver-nos porque por várias vezes, na boca de
isso acontecer, um acaso, uma birra, um imprevisto adiava nosso
encontro. Lembro que as vezes costumava ligar embriagado para a casa
dela e pedia ela em casamento, chamando a mãe dela de sogra.
Tivemos desentendimentos e cheguei a tirá-la dos meus contatos de toda
ordem. Falamos quase dois anos no telefone e ficamos nisso.
A voz dela conheço bem. Também fico imaginando seus pés míúdos.
Patético, amiga, patético. (Vou parar um pouco de escrever para tomar
um café.)
A voz dela conheço bem. Também fico imaginando seus pés míúdos.
Patético, amiga, patético. (Vou parar um pouco de escrever para tomar
um café.)
 um café.) Esses arroubos me custam, amiga. me custam, eu sei. Você, como estudante de psicologia, deve saber o abismo das carências. O caso é que de tantos encontros e desencontros, nossa Ratinha acabou num carnaval indo parar nos braços de um sujeito que chamo de açougueiro. Não sei porque, não consigo respeitá-lo. Há qualquer coisa nele que não me convence que ele seja o amor da vida dela.
Talvez seja ciúmes, sei lá. De todo modo, o mundo não é honesto e me permito essa pequena desonestidade. Eu raptaria a Ratinha, se tivesse meios, mesmo que ela não tenha sido muito generosa comigo. Já contagiei outras com meu amor e ela também não me resistiria numa ilha. Agora, amiga, acredito que você vai gostar, a obra prima do meu desespero. A marca do Freud, como você gosta de dizer. Eu adotei nas minhas fantasias a Ratinha como uma espécie de mãe, mãe erótica,É isso, amiga. Arranjei assim uma outra mãe, completa de tudo, e esse é um dos motivos que não pulo agora ajanela desse apartamento miserável, desse país miserável, desse mundo miserável. Tudo que tenho é uma mãe. Essa... T R, Novembro 2012. entenda.
A própria marca do Freud, como você gosta de dizer. Fico bem assim
quando a solidão me estressa, imaginando que ela me dá o seio, quando
eu puxo sua blusa, deitado em seu colo; imagino isso com uma riqueza
de detalhes e sensações
simplesmente maravilhosa e impressionante. Entrego-me com a ternura toda
e todos os meus desejos secretos e nem me importo se me erotizo. Ás
vezes, assim adormeço. Permito-me amá-la dentro de mim, nem que seja
porque ela não me ama, talvez seja vingança. E viro com ela um só,
como no genesis.
| 
