No consultório lotado ela dizia ter matado três. Gargalhadas sucediam-se e ali estava ressuscitado o último dos mortos: um velho marido de pijama vinho. Na espera cruel pelo atendimento médico, a mulher gordinha de pele clara tremulava nas risadas e prosseguia nas peripécias: "- Isso mesmo!... matei três!... o último foi o do pijama...".
O homem sentado à frente, debilitado pela idade, percebeu com retardo o teor de brincadeira. Assim que o fez, deu início à sua catarse: perdera a mulher há alguns anos e lamentou estar tão sozinho. "- Casa de novo, vai ser melhor pro senhor!" - bradou a clientela toda que se amontoava meio a guarda-chuvas e sacolas nos estreitos sofás do corredor. Cada vez mais contagiante, o clima convidava à alegria solidária. As estampas da blusinha de Claudete, a bem-humorada viúva das três perdas conjugais, destacavam-se no volume do seio farto. Florzinhas amarelas e azuis pareciam criar vida ao balanço das risadas. Era feliz nos seus setenta anos, casada agora com um homem bem mais novo, e aconselhava ao senhor tristonho que arrumasse uma companheira, no que contava com a aquiescência dos que ali se encontravam.
A conversa prosseguia...Depoimentos de variadas experiências, as gargalhadas ecoavam no consultório exíguo e superlotado. "- Agora...se o senhor se casar, só não me faça uma coisa: usar pijama o dia todo!...não há mulher que resista!". E prosseguiu dizendo que o último dos seus maridos não tirava um pijama vinho. Ela dizia: "- Póxa!...tira isso aí que não aguento mais...você tem tanta roupa!". E ele nada!...Quando o velho morreu, pediram a roupa pra ser trocada e ela disse: "- Ah, não!...O homem vai assim mesmo!...Adorava tanto o pijama vinho que é com ele que vai seguir pra eternidade!".
Os clientes, acotovelados e suados devido à inexistência de um ar-condicionado, a essa altura nem se incomodavam mais em esperar pelo médico de expressão cansada, visível desànimo trajando um jaleco azul. Haviam sido projetados para um teatro amplo, de tapetes espessos e temperatura fresca, no qual prestigiavam uma comediante renomada e talentosa. E eram tantas as risadas que as mazelas agregadas foram postergadas, aliviadas pela alegria e humor que a mulher generosamente distribuía.
No velho viúvo, a expressão triste já havia sido substituída por um sorriso matreiro, quase infantil. Já pensava na sugestão de arranjar uma companheira, ainda que só pra não deixar a sua pensão pro governo. "- É até uma caridade que o senhor faz!" - ria/dizia Claudete...". Um rapaz negro, de beleza espontànea, ainda arriscou: "- Por que vocês não se casam?", ao que ela respondeu: " -Ih, não gosto de velho não...comigo só garotão!... E dirigindo-se ao velho, perguntou: "- Mas o senhor ainda tem ferramenta em casa, né?". E o povo do consultório se acabava de tanto rir. Não era só pelo teor da conversa, mas pelo tempero único, carinhoso e cómico da mulher. E o velho respondeu com riso frouxo, provavelmente o primeiro que havia dado em anos de solidão: "- Já nem sei mais, minha filha!... nem sei mais!..."
Após muitas horas de espera não percebidas, a atendente anunciou a vez de Claudete ser atendida. Ela então se levantou, ultrapassou a barreira do excesso de gargalhadas e, não sem antes recolher uma quantidade absurda de envelopes e sacolas, dirigiu-se à sala de atendimento. Foi quando aquela gente sentiu um vazio no peito, um "não-sei-o que-falar mais", um constrangimento...E tentaram soltar uma ou outra piadinha, forçar novamente a descontração, mas não deu...Claudete era chama e sem ela a magnífica interação se apagara. O iluminado palco anterior voltara a ser a sala mediocremente decorada, os corpos tornaram a suar devido ao calor, as solas de sapatos reconheceram a ceràmica dura do piso.
E todos os que ali estavam chegaram à brilhante conclusão, embora não tenham dividido isso ente si, de que os maridos da Claudete morriam de pura e gloriosa felicidade!