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Cronicas-->VIA CONCEIÇÃO -- 29/08/2006 - 12:47 (DANIEL CARRANO ALBUQUERQUE) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VIA CONCEIÇÃO

O trocador adverte com ar responsável:
_Via Conceição! Via Conceição!
Entendo que se trata da observação de que aquela linha correrá por dentro, passando pela localidade de Conceição e alongando o caminho entre Magé e Piabetá, que habitualmente se faz pela Rio-Teresópolis. Sem muito tempo para decidir e já no topo dos degraus, pondero que perderei, de qualquer maneira, algum tempo na espera de outro carro e assim prossigo, adentrando o veículo. Poucos minutos após, o ónibus deixa a via principal para pegar uma estradinha de calçamento rústico que beira um rio estreito. Casas ribeirinhas enfileiram-se no trajeto sinuoso que a estrada faz copiando o do córrego. A viagem não dexa de ser aprazível uma vez que a margem oposta é formada por elevações cobertas por vegetação graúda, o que empresta, pela sua sombra, um frescor agradável e confortável num dia quente. Mas impressionam-me aquelas casinhas que, curioso, não constituem nenhuma novidade para mim mas, extranhamente, prendem minha atenção pela primeira vez induzindo-me a reflexões. São de tipo comum, de alvenaria, muitas sem o emboço, as telhas velhas, negras de limo, as janelas de madeira ordinária mas reforçadas com grades. O quintal vermelho e úmido, um tanque pequeno, com panelas e vasilhames ao relento. Gaiolas com passarinhos, algumas galinhas e vez por outra um vira-latas magro e preguiçoso. Numa das janelas, um idoso observa a passagem do coletivo, em companhia de um gato aconchegado sobre a mureta torta e mal acabada ao lado. O rio ao fundo, muito próximo, as águas turvas, naturalmente imprestáveis, sem vida, mero condutor de despojos. Penso nos dias de cheia, impossível não invadir os barracos. Imagino idosos expostos, à noite, àquele ambiente úmido e crianças diarréicas e catarrentas alongando as filas dos dispensários públicos de atendimento médico.
E começam as paradas, numerosas, demoradas, pacientes, em que surgem os escolares, alegres, ruidosos como um trinado de passarinhos em revoada. Admiro com simpatia suas silhuetas frágeis, porém ágeis, com suas mochilas e a ingênua pretensão de ordem revelada nos uniformes simples, seus cabelinhos ralos, a baixa estatura dominante, a pele sem viço, coberta com sutis manchas brancas. Não diria serem vítimas de fome, mas certamente, de desnutrição. Emocionam-me seus ares de esperança, por enquanto não podada. Logo adiante, um ¨outdor¨ com a figura trivial e decadente do candidato sorridente, compondo com justa precisão com a igrejinha evangélica erguida no lado oposto, em sua polêmica influência na vida dos que observo. Inseridos entre os chalés, em intervalos regulares, algumas ¨biroscas¨, as pingas e os copos em desordem sobre o balcão, umas e outras com mesas de sinuca e aparelhos velhos de som. E a ociosidade presente na figura de jóvens apalermados. De quando em quando, exibe-se uma plantação modesta, contrastando com o abandono ao redor. Parece projeto de algum programa governamental, destinado a ser exibido nas margens da via mas em evidente desproporção com a área de terra e a quantidade de mão de obra não aproveitada.
É um minúsculo ponto de um grande Brasil. De um grande Brasil pobre e miserável. Escondido nos desvios. Uma amostra quase invisível. Ou visível mas propositalmente ignorada. Símbolo de nossa desfaçatez sob a qual crescemos doutrinados a evitar ou a encarar como algo natural até nos darmos conta de que trata-se de uma aberração que parece incurável e portanto infinita.

Maio de 2006
Daniel Carrano Albuquerque
e-mail: notdam@bol.com.br
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