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Contos-->Conduzindo Sonhos -- 20/05/2010 - 22:24 (Alfredo Domingos Faria da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Conduzindo sonhos

- Você gosta mais do carro do que de mim, homem! – desabafa Dulce.
A esposa sempre implicou com o “hobby” do marido. Dono de uma retífica de motores, Vicente, há muito, garimpa carros velhos e os reforma. É um trabalho minucioso. O esforço está em manter os traços originais de fábrica; praticamente, é uma restauração. Dedica-se a recuperá-los nos detalhes e as peças que faltam são procuradas em todo o Brasil. Os outros colecionadores, sabedores do interesse, dão dicas.
Orgulha-se quando apronta os veículos. Parecem filhos que vêm à vida, por isso cuida e faz questão de mantê-los impecáveis, brilhando. Alega que a lataria deve servir de espelho para pentear o cabelo.
- Devem ficar mais reluzentes do que o meu sapato – insiste.
As marcas que passaram por suas mãos foram muitas. Hoje, o Sinca Chambord, o Jeep e o Galaxie 500 estão em sua garagem, verdadeiras jóias.
Tem ciúmes dos carros. Avisa que o valor é sentimental e não estima preços para a venda. Considera ofensa alguma oferta.
Sua cidade é Campo Mourão, Paraná. Naquelas plagas, todos o conhecem.
Entre os amigos, recorda saudosista do Aero Willys 2600, preto, e do Gordini, ano 1967, vinho. As peripécias a bordo dessas preciosidades são sempre trazidas à baila. Empolga-se, relatando suas fugidas pelas estradas das redondezas, cortando os campos da soja.
Existe, porém, uma atividade paralela que lhe fornece grande satisfação. Aventura-se em alugar, entre aspas, seus carros para casamentos. Pasmem, porque ele não cobra os serviços. Daí, a razão das aspas. Ao mesmo tempo em que exibe suas belezuras, permite a outras pessoas usufruírem da novidade e do charme. Os fins de semana são quase sempre preenchidos. Acima de tudo é uma diversão! Recebe naturalmente o convite para as festas dos casórios.
Primeiro, tem a fase do preparo do carro, desde a sexta-feira bem cedo. Deixa-o estalando de novo! Chegou a usar perfume no interior, mas as noivas reclamaram da mistura das fragrâncias, pois elas chegavam cheirando mais e melhor do que flor-de-manacá.
Utiliza, principalmente, o Sinca, lindo de viver! Como ele gosta de se referir. É o “furacão vermelho”, com capota creme e pneus de banda branca, que vaza a cidade conduzindo não só as maravilhosas noivas, mas também os seus sonhos grandiosos. Aliás, o poeta já avisa que “nem o tempo nem a força bruta podem o sonho apagar”. Isto é lindo!
Ricas experiências estão no seu currículo. Seu jeito de paizão leva calma às moças, ao mesmo tempo em que as diverte. Vicente tem a seu favor ser um bom contador de histórias e ter gargalhada farta, o que faz atenuar a tensão da noiva enquanto percorre o trajeto.
Ele se desloca lentamente, escorregando pelas ruas, tirando o máximo do percurso, tal qual um cavaleiro em rodeio, que se apresenta garboso antes da contenda. É usado o artifício de deixar as luzes do carro acesas, marcando presença, alertando para a passagem. Produz um cortejo anterior ao que se passa na igreja.
Tem como alegoria instalada no carro aquela tradicional lâmpada fluorescente, que ilumina a noiva, formando um halo à sua volta, dando ares divinais.
Sucede uma troca de emoções entre o chofer e a noiva. Formam uma dupla.
Seus causos são muitos.
Relembra que em certa ocasião, ao olhar pelo espelho retrovisor interno, deparou com uma visão linda, que o emocionou. Teve a sensação de que Andréia, moça nissei, um verdadeiro bibelô, com seu vestido alvo estendido sobre a forração do banco, na cor vermelho-sangue, estivesse representando uma tela de Miró.
Outra história, que incansavelmente relata, é a de Verinha “Tsunami”, apelido dado pelos seus dotes físicos. É costume da turma falar brincando, porém como elogio, que quando ela passa derruba o que tem pela frente, tamanha é a sua beleza, comparando-a à famosa onda devastadora. É uma “deusa”!
Pois bem, o noivo Rubão, na véspera do casório, sobe ao telhado para ajeitar a antena parabólica da casa onde iriam morar. Cai e morre. O enterro foi no exato dia marcado para o casamento. A casa ficou intocável. Fechada.
Verinha nunca mais namorou.
Passaram-se quatro anos, até que Hildemário a encontra, e se encanta. Tudo partindo dele. A recíproca nunca foi a mesma. Mas apesar disso, da falta de animação, Verinha aceita a união. Vai ver, cansada da solidão, querendo espantar a lembrança do falecido e fugir da fama de “encalhada”.
Contratados os serviços do Vicente.
No dia do casamento, o motorista foi mandado seguir para a Estrada do Sossego. Lá no cafundó, longe que só. Sentido completamente oposto ao da cerimônia. Vicente sabia que encontraria umas poucas casas e o cemitério. Ficou intrigado, mas obedeceu.
Ela solicitou parar justamente em frente ao cemitério. Desceu do carro e foi ao encontro de Rubão em seu jazigo. A cauda do vestido arrastava no chão de terra e o sapato de salto cambaleava entre as pedrinhas do caminho. Isto não a importunou. Não teve o zelo de toda noiva para entrar impecável na igreja. Não dispensou ao vestido o valor devido. Levava o véu enrolado, descuidado.
Tomou o caminho do túmulo de forma automatizada, sem sentir o que estava fazendo. Então, quase de joelhos, abaixou-se e passou a dar ciência do casamento. Abraçou o jazigo, dizendo:
- Você, como é enxerido, já deve saber de tudo, Rubão. Não importa... Eu mesma vim contar. Não posso casar sem antes pedir a sua aprovação.
Chorou. Chorou muito. Rezou tantas ave-marias e tantos pais-nossos!
Cabisbaixa, voltou ao carro e indicou a direção da igreja.
Chegou à porta da matriz. Saiu. Encaminhou-se vagarosamente para o altar. Parou poucos passos depois. Deu meia volta e saiu correndo, fugindo do casamento, refugiando-se no carro.
Sentiu em si o impedimento, partindo da “conversa” com Rubão. Queria aceitar que não deveria casar. E pronto! Finalmente agiu consoante com a vontade.
Rogou ao motorista que rapidamente deixasse o local. A lua de mel seria cumprida em Bariloche, embora sem o Rubão. Esse aprontou até no descanso derradeiro...
De outra vez, Vicente acompanhou a severa crise de asma de uma de suas noivas. Agiu com brevidade em busca de socorro. Foi parar na Casa de Saúde. Durante o atendimento médico, preocupou-se em avisar o que estava acontecendo. As pessoas aguardavam aflitas na igreja. Houve espanto, mas compreensão. Com a recuperação, o susto foi aliviado. Finalmente, o casamento aconteceu, para felicidade geral.
Não são apenas estas as histórias. O repertório é vasto: emprestou cinto para pai de noivo; cedeu sua gravata preta para um dos padrinhos; buscou na farmácia remédio para convidado pinguço; apanhou padre atrasado em casa; e apartou, na igreja, briga de ex-namorado ciumento com noivo enraivecido. Não sei mais o que adicionar... Verdadeiramente, não precisa de acréscimo diante das muitas evidências da contribuição generosa e participativa.
Vicente vive de deixar fluir a existência nas latarias brilhantes dos seus carros e nos véus e sonhos das noivas, que são suas cúmplices. Por que não rodopiar feliz pelos salões das passageiras ilustres, embalado pela cerveja servida nas bandejas molhadas de espuma? Espuma que se assemelha à vida: passageira, escorregadia, ora densa, ora fugaz.
No sentido positivo, o nosso colecionador e motorista é um “bon vivant”. Exibe suas raridades e ajuda a realizar sonhos, não se furtando a dançar, comer e bebericar.

Alfredo Domingos Faria da Costa
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