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Artigos-->Com-paixão, de Leonardo Boff -- 17/01/2003 - 10:15 (Michel Pinheiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos








Com-paixão







Leonardo Boff - Teólogo







Publicado no jornal O POVO, dia 17 de janeiro de 2003









Muitos estranharam que nessa coluna tivesse escrito que sem compaixão (no sentido budista) não se combate a fome . Por que no sentido budista ? Sim, porque compaixão, no sentido comum, possui uma conotação despreciativa: é ter somente peninha, sentimento que rebaixa o outro, pois nele vê apenas a fome de pão e não também a fome de beleza.



Poderíamos entender a compaixão no sentido do cristianismo originário, sentido altamente positivo, que é ter miseri-cór-dia, vale dizer, um coração (cor) capaz de sentir os míseros e sair de si para socorrê-los. Atitude que a própria palavra com-paixão sugere: ter paixão com o outro, sofrer com ele, alegrar-se com ele, andar o caminho com ele. Mas essa acepção não vingou. Predominou aquela moralista e menor de quem olha de cima para baixo e descarrega uma esmola na mão do sofredor.



Diferente, entretanto, é a concepção budista de com-paixão. Ela tem a ver com questão básica donde nasce o budismo: qual o caminho que nos liberta do sofrimento? A resposta de Buda é: Pela com-paixão, pela infinita com-paixão". Na atualização do Dalai Lama: Ajude os outros sempre que puder e se não puder, jamais prejudique os outros (O Dalai Lama Fala de Jesus, Fisus 1999, pg. 214). Como se vê, nisso Buda coincide com Jesus.



A grande com-paixão (karuna em chinês) implica duas atitudes: desapego de todas as coisas e cuidado para com todas as coisas. Pelo desapego renunciamos à posse delas e aprendemos a respeitá-las em sua alteridade e diferença. Pelo cuidado nos aproximamos das coisas para entrar em comunhão com elas, responsabilizar-nos pelo bem estar delas e socorrê-las no sofrimento. Eis um comportamento solidário que nada tem a ver com a pena e a mera assistência. Para o budista o nível de desapego revela o grau de liberdade e maturidade que possuo. E o nível de cuidado, o quanto de benevolência e responsabilidade tenho para com todas as coisas. A com-paixão engloba as duas dimensões. Exige, pois, liberdade, altruísmo e amor.



A com-paixão não conhece limites. O ideal budista é o bodhisattva, aquela pessoa que leva tão longe o ideal da com-paixão que se dispõe a renunciar ao nirvana e mesmo aceita passar por um número infinito de vidas só para poder ajudar os outros em seu sofrimento. Esse altruísmo se expressou na oração do bodhisattva: Enquanto durar o tempo, persistir o espaço e houver pessoas que sofrem, quero eu também durar até libertá-las do sofrimento . A cultura tibetana expressa esse ideal através da figura de Buda dos mil braços e dos mil olhos. Com eles pode, com-passivo, atender a um número ilimitado de pessoas.



A partir desta compreensão, podemos entender que sem com-paixão não se combate eficazmente a fome. Importa acolher o pobre como é, como um sofredor. E simultaneamente cuidar dele como a um co-igual.



A com-paixão no sentido budista nos ensina também como deve ser nossa relação para com a natureza: primeiro, respeitá-la em sua alteridade, depois, cuidar dela. Só então usá-la, na justa medida, para o nosso proveito.



À guerra infinita da demência atual, devemos opor a com-paixão infinita da sapiência budista. Utopia? Sim, mas é a maneira melhor de mostrarmos a nossa verdadeira humanidade, feita de com-paixão e de cuidado.



Leonardo Boff é teólogo e escritor









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