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Contos-->A mulher que queria ser freira -- 18/04/2010 - 18:35 (josé paulo pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A mulher que queria ser freira

Berenice era aquilo que se chamava “um amor de menina”. Esperta, educada, alegre, destacando-se na escola primária pela liderança entre as colegas, promovendo brincadeiras de roda, de esconde-esconde, e muito mais sobre aquilo que seria oportuno na sua idade. Gostava de cantar e era apresentada como um trunfo pelos professores nas festas escolares, encantando os diretores, delegados de ensino e todas as autoridades que visitavam a pequena cidadezinha onde morava. Ainda muito criança já era auxiliar de catecismo, cantando todas as orações e as músicas da igreja com muita devoção.
Queria ser freira, no que era apoiada por sua mãe. Seu pai faleceu logo após seu nascimento e ela tinha uma afinidade muito grande com a mãe. Recebiam pensão do pai falecido , suficiente para levarem a vida. Tinha um irmão mais velho que vivia perturbando sua mãe por não gostar de estudar e não se interessar por uma profissão, deixando a mãe sempre apreensiva com seu futuro. Berenice era sempre a melhor aluna da classe. Quando já era adolescente foi crescendo nela o desejo de ser freira. Visitava os conventos e se dizia interessada em ser irmã de caridade o que seria uma realização na vida.
Chegou a arranjar uns namoricos, tendo mesmo se apaixonado pelo Armando, filho da professora, mas não deixou aquilo se desenvolver, demonstrando não ser essa sua vocação.
Terminado o curso primário, foi mandada para um colégio interno, passando parte da adolescência perto de pessoas formadas, ricas e, em grande parte, petulantes.
Berenice mantinha o mesmo estilo de criança, humilde, alegre, liderando nas atividades escolares. Era, até certo ponto, protegida pelas freiras do colégio, por ser muito prestimosa e sempre disposta a colaborar nas tarefas do internato. Com isso conseguiu viajar com as freiras, conhecendo outros colégios, reforçando o seu desejo de um dia ser irmã de caridade.
Quando completou 18 anos conseguiu entrar para um convento em outra cidade, para onde foi radiante, portando o uniforme de noviça.
Começou a notar inúmeras dificuldades. Via muita fofoca, injustiças, traições. Por muitas vezes era incriminada por coisas que não conhecia por ser novata, não se defendendo, percebendo claramente que era discriminada. Era agravante, nesse caso, o fato de ser moça pobre. Suas colegas eram filhas de fazendeiros, grandes comerciantes que viviam fornecendo víveres para o convento, contando com simpatia das superioras. Berenice via grande falsidade nesses atos, não se conformando em ver seu talento ser preterido por benesses dos filhos dos ricos.
Foi se revoltando, chegando mesmo a ter uma briga e pucha-cabelos com uma colega muito chata.
A revolta foi maior quando foi punida e a colega perdoada sem que ninguém procurasse saber o que houve. Um ano e meio agüentou essa situação. Passava dias e noites angustiada, chorando pelos cantos, vendo-se cada vez mais discriminada, fazendo as tarefas mais pesadas e sendo humilhada por todos. Só conversava com uma freira que era mais amiga e, por ser muito alegre, conseguia acalmá-la um pouco. Essa freira mostrou-lhe a realidade da Instituição, fazendo com que ela se desapontasse até o ponto de abandonar tudo e voltar para sua cidade.
Passou algum tempo num vazio tremendo, sem saber o que fazer da vida. Tinha aprendido corte e costura no convento e resolveu ser costureira. Deu certo. Muito habilidosa e criativa, conseguiu logo grande freguesia, chegando a não dar conta de tanta encomenda.
Após o falecimento da mãe conseguiu que seu irmão se virasse, arranjando um emprego no DER, mudando-se para outra cidade. Foi tocando a vida sozinha, freqüentando a igreja, participando de festas, sendo absolutamente integrada na comunidade.
Nunca pensou em se casar. Nem se preocupava em ser chamada de solteirona. Dizia ter muitas sobrinhas no catecismo e que casamento não lhe fazia falta.
Dona Dulce, esposa do chefe do correio, vivia dizendo que a casaria com um seu sobrinho, rapaz solteiro e bonito e que logo viria para conhecê-la. Essa conversa foi ficando sem sentido pelas repetições sem que houvesse a chegada do dito sobrinho.
Um dia ele veio. Já maduro, de regular nível cultural e de boa conversa. Era servidor da Secretaria da Educação, mas fora aposentado precocemente por problemas de saúde. Nunca disse qual era o problema e isso pouco importava para as pessoas da família.
Seu Jamil, marido de Dona Dulce, encontrou Berenice numa tarde, na pracinha da cidade e disse-lhe que, embora não tendo nada com isso e não querendo se intrometer, achava que ela deveria tomar cuidado, pois o sobrinho de sua esposa não era aquilo que poderia ser chamado de um homem direito. Berenice agradeceu e disse que não se preocupasse, pois não tinha nenhum interesse de aproximar-se dele.
Arthur era insinuante. Começou a procurar por Berenice, convidando-a para uma conversa e coisa e tal. Ela achava graça e sempre dizia que nada haveria além de amizade. Arthur falava de sua vida, tendo tido uma juventude turbulenta, casando-se muito cedo com a pessoa errada. Separou-se logo, antes que aparecessem filhos. Tinha passado por dissabores, tornando-se alcoólatra e vivendo desregradamente. Vivia doente, não tinha grande disposição para o trabalho e por isso não conseguiu progredir na carreira. Embora fosse preparado e inteligente, via pessoas menos qualificadas assumirem postos que poderiam ser seus.
Berenice ficava sensibilizada, observando ser Arthur uma pessoa carente, sofrida, necessitando de apoio. A amizade foi se consolidando. Um já necessitava do outro para uma boa conversa e companhia. Arthur parecia não ser um “mau caráter” demonstrando ser somente descuidado, alimentando uma condição de vítima por não ter conseguido tudo o que queria da vida.
Passado algum tempo aconteceu o relacionamento. Berenice, inicialmente muito assustada, parecia não acreditar naquilo que estava vendo. Demorou a sentir-se confortável e entender ser um passo natural na vida.
Já estava acostumada quando a doença de Arthur se agravou, tendo que ser lavado de volta a procura de tratamento. Ninguém sabia o que ele tinha.
O quadro clínico de Arthur ficou desesperador e ele quis rever Berenice. Um dia ela viajou para encontrá-lo. Ficou muito impressionada com seu estado. Estava muito doente. Conversaram um tempo, Arthur chorou muito, pedindo que ela o perdoasse.
Berenice ficou muito triste sentindo que seria o último encontro.
O desespero veio depois, quando soube que Arthur tinha aids. Ficou sem saber o que fazer. Foi ajudada por todos, mas jamais conseguiu acalmar-se. Pouco tempo depois se sentiu doente.
Seis meses após o falecimento de Arthur Berenice também morreu.
Teve um enterro muito concorrido, com a presença de quase todos os moradores da cidadezinha. Foi enterrada com os cânticos da igreja apresentados pelas crianças do catecismo.
Foi emocionante.


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