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Contos-->O libertador -- 10/04/2010 - 09:38 (Mauro de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O libertador




O júri era aguardado por milhares de sertanejos, alguns por simpatia com o réu, outros por ódio e alguns por curiosidade. Ao redor do fórum os alto-falantes transmitiam o evento, pessoas se aglomeravam na praça para ouvir o maior julgamento de todos os tempos.
O réu Jair Tenório de Brito, mais conhecido como Melk Libertador havia chegado com um enorme sistema de segurança, dois soldados a frente com carabinas modelo 1942 e mais dois na retaguarda armados de cartucheiras. Da cadeia para o fórum não chegava a 500 metros e durante o percurso o acusado ora fora apupado, ora ovacionado.
Melk era um homem de estatura média, moreno claro, magro e tinha um olhar de lince que incomodava aqueles que o encaravam. Fora preso na zona da cidade depois de uma carraspana onde o álcool fizera com que se tornasse mais valente do que realmente era. Gostou de Acidonia, conhecida por “Cida Sete Pecados” em razão de arrasar na cama os fogosos freqüentadores. Estava ela com o Delegado, quando alguém soprara nos ouvidos de Melk as qualidades da rapariga. Cheio dos quequé, Melk foi até a mesa do Delegado Jerônimo e disse que queria Cida para ele. O delegado levantou-se, pois a mão no coldre para sacar o revolver. Antes que a mão chegasse ao cabo da arma, Melk já havia transpassado seu coração com um punhal de 10 polegadas. O corre-corre foi grande. Melk arrastou Cida para o quarto, e levou com ele uma trouxa e o punhal ensangüentado. Antes de fechar a porta disse: podem avisar a policia que o delegado esticou as canelas, mas não me incomodem até eu experimentar os sete pecados da Cida.
Com duas horas chegou uma guarnição de Arcoverde com 30 soldados chefiados por um Capitão chamado João Batista. Entrou no recinto, chegou à porta do quarto onde estava Melk e disse: Aqui quem fala é o Capitão João Batista! O senhor está preso por ter assassinado o Delegado da cidade. Entregue-se, jogue as armas e saia de mãos para cima. – Nesse momento ouviu-se a voz de Melk: O nome do Capitão é João Batista? – è sim senhor, gritou o Capitão. – Mais isso é nome de santo e por isso eu vou enviar o senhor para o céu. Ouviram-se três tiros cujas balas atravessaram a porta e atingiram o Capitão, na testa, no coração e nas genitálias. A soldadesca ao ver o capitão estendido no chão correu da sala e se abrigou na frente da pensão. Em seguida Melk abriu a porta e disse: Foi como pensei, o santo estava justamente no lugar para disparar o meu Papo Amarelo, pena que tenha arrancado os ovos dele, mas santo não precisa disso lá no céu. Fechou a porta amarrou e amordaçou Cida. Subiu no guarda roupa afastou as telhas e saiu pela parte de traz do quarto. Espiou embaixo não viu ninguém. Desceu cautelosamente pela parede, pulou o muro e pegou a Rua paralela onde não havia ninguém. Dali pegou os matos e foi embora para Sertania. A zona ficava cerca 15 km. da cidade em arruado esquisito. Por ser mais discreto algumas autoridades gostavam de ali freqüentar. Logo, logo, a noticia chegou ao Centro de Sertania e foram mandados reforços para região. Ao amanhecer uma volante de soldados e um cabo encontraram Melk dormindo e roncando com a cabeça em cima do saco. Com muito cuidado se aproximaram e rapidamente o amarraram atando suas mãos e pés com cordas. Melk quando acordou viu que não tinha mais nada o que fazer. Calado estava, calado ficou. - Vamos, levante-se, você está preso! Ande! – Melk olhou para os soldados e disse: Vou não. Vocês vão me carregar até a cadeia porque ainda estou morrendo de sono. – Não houve acordo. Então o Cabo mandou que os soldados amarrassem outra corda por baixo dos dois braços de Melk e o arrastassem até a beira da estrada. Depois a única viatura da cidade levou o criminoso até a cadeia. O processo rolou rápido porque os políticos que eram seus clientes desapareceram. O Advogado era um Defensor Público, nomeado pela Prefeitura e responsável por 90% dos processos da cidade. Não podia dar atenção durante as audiências e deixou quase tudo para ser resolvido no dia do julgamento. Conseguiu duas testemunhas de defesa, que na verdade eram apenas admiradores da lenda do Melk Libertador. Diziam que só matava gente ruim, ladrão e por vingança. Para o sertanejo a vingança, o olho por olho era uma demonstração de coragem e heroísmo.
O delegado levantou a ficha de Melk em vários estados nordestinos e descobriu que ele matava gente dede os 16 anos e era acusado de 83 mortes sem contar as duas de Sertania. Estava com 40 anos e era natural de São Raimundo Nonato, cidade do sertão central do Piauí. Seu pai era armeiro, conhecido como um homem de pontaria em armas de fogo, embora fosse incapaz de atirar num passarinho. Jairzinho era como chamava o filho. Não sabia ele que o seu filho aprendia a arte de atirar observando ele testar as armas que o pai consertava. Começou com um bodoque, matando passarinho e como vítima humana o Padre Simeão vigário da cidade. Achava que o Padre não devia usar batina. Dizia que aquilo era saia preta de viúva e vigiava todos os passos do Vigário. Subia nas arvores e quando o padre passava usava o bodoque para meter pedra entre as pernas do pobre. Um dia o vigário flagrou Melk matando um passarinho e fez queixa a Seu Antão das estripulias do seu filho com o bodoque. Seu Antão o colocou no castigo durante um mês sem sair de casa, além de lhe quebrar o bodoque. Ameaçou se visse ele novamente com atiradeira na mão lhe trancava num quarto e só sairia para ir para o banheiro.
Por conta da proibição, resolveu matar passarinhos de estimação nas casas da vizinhança. Quando alguém dizia que tinha um curió, galo de campina, sabiá ou canário, arranjava um jeito de meter a mão na gaiola tirar o passarinho torcer o pescoço. Depois recolocava a ave morta na gaiola. E assim ele dizia que está libertando o passarinho. Que ele não veria mais a seca, não sentira fome nem sede e não ficava chorando preso nas gaiolas. Aos poucos a cidade toda estava falando que estava dando uma doença nos passarinhos que morria da noite para o dia. Quase todo apaixonado pelo canto dos pássaros engaiolados haviam perdido pelo menos um com a tal doença.
Um dia, há sempre um dia, Melk foi pego torcendo o pescoço de um sabiá de estimação. Tinha na época 12 anos.O dono do sabiá pegou Melk pela orelha e levou até Seu Antão. O pai morto de vergonha perdeu as estribeiras e deu uma surra de corda no filho na frente do reclamante. Jairzinho disse que fazia isso para libertar o passarinho do sofrimento de está preso e chorando.
Na época existia na praça uma televisão da Prefeitura para o povo assistir as novelas e os programas que lá chegavam através de uma repetidora. A novela da época era Gabriela e nela tinha um Coronel matador chamado Melk Tavares. Por conta disso, Jairzinho começo a ser chamado de Melk Libertador. O apelido pegou e ele até gostava.
Seu Antão coitado morria de desgosto, já que, seu único filho era exemplo de galhofa e ruindade na cidade. O pessoal falava que ele era tão ruim que matou a mãe no dia do parto. Seu Antão ficava sabendo das gracinhas e aos poucos foi perdendo a saúde. Acabou morrendo quando Jairzinho completou 15 anos. Como não tinha parentes, um Coronel de nome Jesualdo, muito amigo de Seu Antão, pegou Jairzinho e levou para sua fazenda em Buriti dos Lopes.
O Coronel não tinha filhos e diziam na cidade que ele perdera um ovo numa briga de faca quando tinha 17 anos. Diziam que embora perdendo um ovo ainda matasse seus dois desafetos com 32 facadas. Ninguém sabe se é lenda ou verdade, mas depois de homem feito assumiu a Fazenda Graúna logo que seu pai faleceu. Meteu-se na política e em briga de terra matando mais quatro pessoas e foi levado a júri duas vezes e duas vezes absolvido.
No dia em que Melk fez 16 anos, a casa grande de seu padrinho Coronel Jesualdo foi visitada por quatro desafetos. Melk ouviu a discussão na sala, pegou o Papo Amarelo e protegido por uma coluna disparou quatro tiros certeiros. Os quatro visitantes caíram mortos cada um com o tiro na testa. O Coronel não tinha intenção de liquidar seus inimigos, mas elogiou o afilhado pelo feito e disse que ia arrumar os cadáveres na sala para que a polícia achasse que foi uma legítima defesa. Colocou os revolveres de cada um nas mãos e descarregou contra paredes diferentes da sala. Como Melk era menor não respondeu a júri ainda criou fama de valente.
Aos o incidente o Coronel resolveu tirar a certidão de nascimento do afilhado e colocou seu nome de família “Tenório de Brito”, passando Jairzinho de Seu Antão para Jair Tenório de Brito.
Certa vez o Coronel perguntou a Melk se ele não sentia a morte dos seus quatro inimigos. Melk respondeu: Meu padrinho, eu não matei ninguém, eu libertei as almas dele para outra vida, sem trabalho sem cansaço e sem preocupação desse mundo infame. O Coronel logo percebeu os dotes de seu afilhado e começou a arranjar “serviços” em outras cidades e estados. Esses “serviços” eram feitos de favor ou em agradecimento aos amigos do Coronel e para dar vazão ao instinto de “libertação” de Melk. Além disso, ele havia sido jurado de morte em Buriti e as ausências prolongadas esfriavam os seus inimigos.
Quando Melk fez 22 anos já carregava nas costas mais de 20 “libertações”. Nessa época estava em Serra Talhada para fazer um “serviço”, quando fez amizade com um pequeno construtor chamado Paulo Diniz, mais conhecido como Paulo das Casas. O novo amigo morava no Alto do Bom Jesus, em uma casa muito boa em rua calçada e uma vista muito bonita da cidade.
Nas visitas de Melk a casa de Paulo Diniz, encontrou certa vez uma morena de cabelos longos e finos, nariz afilado e lábios grossos e muito sensuais. Chamava-se Maria Madalena, tinha 17 anos e morava na mesma Rua de Paulo Diniz. A família dela e de Paulo se davam muito bem. Melhor ainda Paulo Diniz que com seus olhos azuis era considerado um galã na redondeza. Por conta da fama conseguiu seduzir Madalena e tinha uma vida dupla sem que ninguém soubesse. Quando soube do interesse de Melk por Madalena, tratou de acomodar a situação no sentido de que os dois se casassem. Melk apaixonado entrou na conversa de Paulo e pediu ao padrinho dinheiro para montar casa em Serra Talhada aonde iria se casar. Logo acertou com Paulo Diniz para construir uma casa próxima a sua já que ele viajava muito e queria que “Leninha “, era assim que ele a chamava, ficasse protegida nas suas ausências. Tomou Paulo Diniz e sua esposa Elizabete como padrinho de casamento e este presenteou o noivo com toda mobília da casa.
No dia em que completou 23 anos Jair Tenório de Brito casou-se na presença de muitos convidados inclusive de seu padrinho que veio de Buriti para festança. A lua de mel foi em Arcoverde onde o Coronel tinha grande parte de sua família.
Depois da lua de mel, ele foi a Buriti e pediu ao padrinho que arranjasse “serviços” pagos já que agora tinha uma mulher para dar de comer e logo viriam os filhos ele nada tinha. O Coronel começo então arranjar “serviços de libertação” em outros estados fora do Piauí e Pernambuco. Normalmente era encomenda de políticos de governador a vereador de cidade pequena.
Melk passava um mês com Leninha e dois meses fora. Enquanto ele fazia as “libertações”, Leninha fornicava com Paulo Diniz, agora sem nenhum cuidado para não engravidar. O fato é que após uma viagem quando Melk chegou teve a grata noticia de que Leninha estava grávida de dois meses. Em sua cabeça não passou nenhuma desconfiança. Deu uma festa de arromba para comemorar a chegada do rebento. Até o padrinho fez a viagem de Buriti até Serra Talhada para participar. Como tinha ganho muito dinheiro na venda das “boiadas” (era assim que o pessoal do bairro pensava que ele vivia), resolveu esperar a mulher descansar até partir para outro trabalho.
Antes que o filho nascesse tomou logo como Padrinhos Paulo Diniz e Dona Elisabete, mais conhecida como dona Betinha.
O menino nasceu nove meses contados da ultima estada de Melk em casa. Era macho e quando a enfermeira avisou, Melk abraçou-se com o compadre e disse; O nome dele será Paulo da Silva Tenório de Brito. Após uma meia hora a enfermeira apareceu com menino lourinho de olhos azuis que nem o padrinho. Puxou a meu avô disse Melk. Era galego tinha os olhos azuis e também ao padrinho que é da mesma raça. Paulo Diniz suspirou aliviado. Por essa ele não esperava, Leninha morena, Jair moreno, como sairia um galego dos olhos azuis como ele e Betinha. Como não havia desconfianças de parte a parte, e o medico disse que ele poderia ter herdado genes dos avós ninguém percebeu a maracutaia. Ninguém vírgula, Dona Betinha ficou altamente desconfiada e comentou seriamente com o marido. Paulo defendeu-se dizendo que Leninha era mesmo que uma filha para ele e que ela acabasse com essa conversa de querer colocar chifre em cabeça de cavalo.
Logo após o resguardo Paulo voltou à carga com encontros de amor com Leninha com a desculpa de ir ver Paulinho seu afilhado. Dois meses depois da saída de Melk, Leninha apareceu grávida novamente. Dona Betinha disse ironicamente a Paulo: Se for menina o corno do seu compadre vai colocar o nome de Elisabete. – Betinha! Betinha! Acabe com essas brincadeiras porque as paredes tem ouvidos e se isso ganhar rua eu não sei o que pode acontecer. – Brincadeira não! A lavadeira daqui de casa disse que a da casa da vagabunda já viu vocês aos beijos e abraços em cima da cama no quarto do casal. Em mim você nunca fez um filho, mas na mulher dos outros é como caldo de cana com pão doce.
Quando Melk voltou e teve a noticia, não ficou tão encantado. Antes de partir tinha respeitado o resguardo e não se lembrava de ter trepado nenhuma vez com Leninha. Fez uma cara de alegria disfarçada e disse que dessa vez não poderia esperar pelo nascimento porque tinha muita “boiada” pra levar e estava com pouco dinheiro.
Depois do jantar foi visitar o compadre e o chamou para uma conversa particular: Compadre, você tem vigiado a Leninha? – Por quê?- respondeu Paulo Diniz. – Olhe compadre estou desconfiado desse bucho de Leninha. Esse filho não é meu. Quando viajei ainda que eu me lembre não tinha dado nenhuma. Como é que essa mulher embuchou? – Você deve está enganado compadre, não é possível que você tivesse viajado sem deixar sua marca. Alem disso eu conheço essa menina desde que nasceu, a carreguei no colo e acompanhei toda sua vida de estudante até o seu casamento. Na família dela só tem mulher direita, é uma família honrada, tire isso da cabeça meu compadre! – Não se esqueça que eu e Betinha estamos cuidando da sua família como se fosse a nossa. Se houvesse qualquer deslize nós saberíamos logo. Sua mulher é uma santa.
Melk passou um mês assuntando aqui e ali e não descobriu nada. Na cama Leninha continuava a mesma, fogosa, “quentuda” e amorosa. Aos poucos na sua cabeça foi desaparecendo as desconfianças ao tempo em que brincava com Paulinho que já engatinhava e sorria para todos que o visitavam. Viajou com a cabeça menos preocupada e mais tranqüila porque o compadre Paulo prometeu ficar na vigília.
A freguesia das “libertações” aumentava a cada dia. Foi até São Paulo de avião para “libertar” um chinês que estava atrapalhando o serviço de contrabando do grande chefe da Rua 25 de março. Esse trabalho lhe rendeu em dólar e voltou em 1ª classe até o Recife, onde encontrou um carro zerinho em seu nome com motorista, a sua disposição. Passou dois meses em Recife, aprendeu a dirigir e tirou a habilitação. Agora era homem completo, tinha identidade, cpf e habilitação.
Voltou direto para Buriti dos Lopes no seu Opala, para conversar com padrinho e prestar conta dos serviços de “libertação” encomendados: foram dois prefeitos, cinco vereadores, quatro deputados, oito desafetos de políticos e o china em São Paulo. A romaria lhe rendeu 200 milhões de cruzeiros e um carro novinho estalando.
No alpendre da casa grande ao cair da tarde, lembrou-se da velha dúvida da 2ª-gravidez de Leninha. Chamou o padrinho para um canto e contou tudo tim-tim por tim-tim. O Coronel homem de experiência sobre chiframentos de logo perguntou: – O seu Paulo Diniz é homem de sua confiança mesmo? Pelo que eu pude conversar com ele, a mulher dele tem a barriga seca. Mulher que não emprenha, nunca é boa de cama. Quem sabe Seu Paulo num ta suprindo a sua falta fazendo filho na mulher alheia. Por isso só casei uma vez, com nove meses Candinha morreu de parto e levou com ela o meu herdeiro. Daquela data em diante nunca mais quis casar. Quando tenho precisão meto a chibata nas menina safada daqui da fazenda ou vou para zona de Amarante ou Regeneração. Por isso Jairzinho fique de olho nesse Seu Paulo, quando o seu segundo filho nascer. Se for galego do olho azul aperte o homem que o filho é dele. Essa conversa de que seu avô era galego do olho azul pode ter acontecido com o primeiro, mas dois é a mesma coisa dois raios cair no mesmo lugar.
Melk passou mais três meses fazendo “libertação” pela redondeza e depois já perto de completar os nove meses, seguiu para Serra Talhada, mas acampou em Salgueiro. A noite pegava o carro e disfarçado ia até Serra, ficava catimbando perto da sua casa. Antes que o sol nascesse voltava para Salgueiro na moita. Um dia quando ia chegando viu uma movimentação na sua casa. As luzes acesas e o carro do compadre Paulo na porta. Logo saiu Leninha, comadre Betinha, Paulo Diniz e a mãe de Leninha. Percebeu que ela estava indo para maternidade. Voltou até o carro e seguiu a comitiva que ia com Leninha. Deixou passar uma hora e entrou na maternidade. Encontrou O compadre e a comadre discutindo. Quando viram Melk se aproximar calaram a boca e se dirigiram para ele dando parabéns pela linda filha que havia nascido. D. Betinha disse logo: Compadre Jair sua filha é linda, é a cara do Paulinho, galeguinha dos olhos azuis. Melk estremeceu. Controlou-se, mas em sua cabeça já estava tudo planejado. Assim que Leninha voltasse da maternidade, ia para Ouricuri preparar a casa e a mulher para tomar conta dos filhos que embora não fosse dele, não ia deixar naquele lugar para todo mundo galhofar com eles.
Quando Leninha voltou da maternidade, esperou mais um dia e disse que tinha que ir a Recife resolver uns negócios. Pegou o carro foi para Ouricuri e lá fez o convite a Mimosa uma menina da zona dos olhos azuis que diziam as outras, era apaixonada por ele. Sempre que viajava passava por lá e mantinha um romance com ela. Deixava uma boa grana e livre para trabalhar com outros até que ele voltasse novamente.
Mimosa conhecia Melk pelo nome de João Eleutério. Nas horas de amor de lhe chamava de Joãozinho. Quando ele chegou pela manhã em Ouricuri ficou curiosa por ter voltado tão cedo. Não fazia nem um mês e ele já estava lá de novo. Melk explicou que ficara viúvo e precisava de uma mulher para cuidar dos filhos. Um tinha um ano e a menina oito dias, já que a mãe morrera no parto. Saiu com Mimosa a procura de um sítio bem afastado e que tivesse uma boa casa e água mesmo na seca. Mimosa levou a um corretor na cidade e este disse ter o local ideal para ele.
O sitio tinha 10 he. Duas casas de morador e uma muito boa toda cercada de terraços. O único defeito é que não tinha energia. Isso não é problema eu compro um gerador e a noite se liga até a hora de dormir. Compro geladeira a gás e os móveis boto tudo novo e Mimosa vai escolher lá em Salgueiro. Foi ao cartório passou a escritura no me de Mimosa e seguiu para Salgueiro com ela para comprar os móveis e eletrodomésticos tudo a base da bateria. Voltou com um caminhão cheio. Tudo novo, do bom e melhor. Trouxe o eletricista para ligar o gerador fazer instalação, um pedreiro, pintor e carpinteiro, pagando a preço de ouro para deixar tudo montadinho e bonitinho em dez dias inclusive água encanada da cacimba para um tanque de vinte mil litros que tinha num morrinho atrás da casa. A bomba levaria água a noite para o tanque grande e de lá descia para casa por gravidade. Tudo automático. O motor ligava de seis horas e parava desligando uma chave dentro de casa. Alem disso tinha um sistema de cata-vento e bateria que mantinha as luzes acesas depois do motor desligar.
Melk esperou que tudo ficasse pronto. Foi varias vezes a Salgueiro comprar roupa de cama, fralda e apetrechos para menino novo. Encheu a despensa de comida muito leite para a menina e ainda comprou quatro cabras de leite. Contratou duas empregadas e arranjou um capanga conhecido seu para morar no sítio. Zé Miguel veio com a mulher e dois filhos de quatro e cinco anos. Deixou com ele dois rifles 44 e muita munição.
Depois de tudo pronto, chamou Mimosa e disse: a casa é sua o sítio é seu as empregadas são para lhe servir e de hoje em diante você é só minha mulher. Não vai haver casamento, nem festa. Não me pergunte quando eu volto nem o que faço. Assim que meus filhos chegarem eu ficarei uns dias e depois vou partir novamente. Zé Miguel é de toda minha confiança e está aqui para lhe dá segurança. A mulher dele vai ajudar você por que tem experiência no assunto. Tome esses pacotes de dinheiro e gaste no que for necessário. Não me procure nem fale no meu nome a ninguém.
Depois pegou o carro e viajou para Serra Talhada. Chegou em casa pegou os dois filhos nos braços e levou para outro quarto. Chamou Leninha e disse: Vou libertar sua alma desse corpo de vagabunda. Pegou uma corda e passou no seu pescoço e a enforcou. Ela não teve nem tempo de gritar. Saiu do quarto, trancou a porta e foi almoçar na casa de Paulo Diniz. Depois do almoço chamou os compadres para um quarto de hospede que ficava perto da sala de visita para uma conversa particular. – Puxou a pistola 44 do bocó e disse: Compadre traidor, comadre vagabunda. Fiquem caladinhos não quero ouvir um pio. Não adianta negar que a vagabunda da Leninha já me confessou. A comadre sabia das traições desse safado e nunca teve coragem de reagir. E você compadre safado, comia Leninha antes que eu casasse com ela! – Fale! Seja macho pelo menos uma vez na vida!- Compadre Jair tenha piedade de mim esse pobre que nunca se conteve diante de uma mulher. Tudo que você disse é verdade, mas não nos faça mal que eu garanto nunca mais nem olhar para sua mulher. – Para aumentar seu sofrimento cabra safado, primeiro eu vou libertar essa vaca velha diante de seus olhos: apontou a 44 e desferiu um tiro na testa de Dona Betinha – Quanto a Leninha, você vai mais ver ela, e nem ela você. A alma dela eu já liberei daquele corpo nojento e agora é sua vez. – Outro tiro no meio da testa e o Paulo Diniz foi “libertado”.
Antes que alguém chegasse foi embora para sua casa, pegou os dois filhos e se mandou para Ouricuri.

Os anos se passaram e Melk continuou no trabalho de “libertações”. O dinheiro do serviço gastava a larga em grandes farras e de três em três meses voltava para Ouricuri para ver os rebentos liberar o fogo de Mimosa que lhe era fiel como um cachorro a seu dono. Apesar de ter um carro e motorista a disposição nunca saiu do sítio até Joãozinho desaparecer por mais de dois anos e o dinheiro acabar.
Quando Paulo completou 15 anos, Maria das Dores nome que ele deu a filha, estava com 14 e ainda pagã. Era um espetáculo de garota. A essas alturas Melk registrou a filha em nome de Zé Miguel e Mimosa, e teve que explicar a mulher as razões do registro. Em outras palavras abriu o jogo a respeito do crime. Disse que vivia comprando e vendendo gado e mais carregava nas costas a morte do compadre e da mulher, daí a razão de ter mudado de nome e ter escolhido aquele lugar e para criar os filhos juntamente com Mimosa. Já Zé Miguel sabia de tudo porque uma vez o ajudou a fugir após uma “libertação”, já que ele também tinha cometido alguns homicídios.
Os meninos estudavam em o Ouricuri. Todo dia Zé Miguel ia levar e trazer de volta.
Quando Melk fez 38 anos os pedidos de “libertação” foram diminuindo, o preço baixando, porque tinha muita gente nessa labuta. Além disso, a alcunha dele, Melk Libertador, tornou-se muito popular e seu rosto vez por outra aprecia nos jornais, por conta principalmente das Libertações de Paulo Diniz, D. Betinha e Leninha. A família de Paulo Diniz era de Sertânia, gente de posse ficou durante anos procurando Jair e isso foi a sorte de Melk. Uma vez um dos irmãos de Paulo de Diniz foi a procura dele para pegar o assassino do irmão, o tal do Jair Tenório de Brito que diziam ser parente dos Brito de Arcoverde, outra família de cabra valente.
Melk viu que o cerco estava se fechando e que já não podia ganhar o dinheiro que ganhava antes. Resolveu ir até Buriti visitar o padrinho. Chegou no dia e na hora do enterro. È costume no Piauí a pessoa ser enterrada onde morre. O velho Coronel Jesualdo estava sendo enterrado em baixo de um pé de Piqui, onde havia caído morto de um enfarte fulminante. Assistiu os funerais do padrinho e depois ainda conversou com os herdeiros colaterais para saber se ele havia deixado alguma coisa para ele. Segundo um sobrinho, ele estava falido. As duas fazendas hipotecadas no Banco do Brasil e não tinha mais nem uma centena de reses.
Melk voltou desorientado, seu grande corretor de “libertações” tinha se “libertado”. Procurar aqueles amigos do coronel a quem prestou serviço era um perigo. Poderia ser “libertado” sem saber de onde veio a bala. Com pouco serviço, não voltava para casa. Não queria chegar de mãos vazia. Assim perambulou por dois anos fazendo serviço de amador para ganhar vinte mil cruzeiros, dinheiro que mal dava para pagar a comida, a gasolina e a munição. Vendeu o carro e passou a andar de ônibus. Estava desesperado quando passou por Sertania em viagem para Recife. Saltou do ônibus e resolveu procurar a família de Paulo Diniz para oferecer seus préstimos para pegar Jair.
Antes de ir a cidade preferiu ir para zona, porque lá era o lugar onde se sabia das coisas. Dos donos da cidade, das autoridades e todas as informações necessárias para o que ele tinha em mente. Iria matar um colega “libertador” e deixar seus documentos nas roupas dele. Devido a cachaça que tomou aconteceu a desgraça. Agora estava preso, identificado e no meio dos seus mais ferozes inimigos.
O Juiz Jose Clovis Carvalho, entrou na sala do júri e todos se levantaram. Melk, sentado estava, sentado ficou. Dr. Clovis sentou-se e logo perguntou? Como é seu nome? – Melk. - Não estou perguntando sua alcunha! – Sua o que doutor? – Apelido, respondeu Dr. Clovis. E em seguida – Diga seu nome de batismo! – Jair de Seu Antão até 16 anos. Jair Tenório de Brito até me casar. João Eleutério da Silva até a policia me pegar. – Satisfeito Doutor! – O Senhor me trate com respeito, porque também será acusado de desacato a autoridade. - Entendido! Sr. Jair Tenório de Brito! – Sim senhor.
O senhor tem advogado? - tenho sim senhor. É aquele amarelinho ali no canto.
O senhor se acha culpado ou inocente pela morte do Delegado Jerônimo, e do Capitão João Batista? – Inocente – respondeu Melk.
As provas dos autos estão dizendo o contrário. – Vou perguntar novamente: O senhor matou com um punhal o Delegado Jerônimo e deu três tiros de rifle 44 no Capitão João Batista, tiros esses que lhe causaram a morte? Responda clara e pausadamente.
– Doutor Juiz o problema é que o senhor confunde morte com Libertação. Eu nunca matei ninguém, eu libertei as almas dos corpos que estão cheio de maldade e pecado desse mundo.
- Então eu vou lhe perguntar no seu entendimento: O senhor libertou O Delegado Jerônimo com um punhal e o Capitão João Batista com três tiros?
– Libertei, sim senhor.
– O senhor tinha motivo para fazer essas libertações? –Tinha, sim senhor.
– Diga quais os motivos.
– Primeiro o Delegado Jerônimo estava com uma mulher de nome Cida dos sete pecados, eu pedi a ele para mim. Ele ia puxar um revolver para atirar em mim. Ai eu senti que tava na hora da libertação dele e meti-lhe o punhal. – Depois veio o santo Capitão João Batista pedindo para me render, entregar meu meio de vida e colocar as mãos na cabeça. Quando senti que ele estava na minha frente do outro lado da porta vi que chegou a hora da libertação dele. Soltei três tirinho na vertical e ele se foi. Se eu coloco as mãos na cabeça o meu chifre fura, se eu entrego meu 44, meus dois galeguinho dos olho azul morria de fome.
– O senhor tem filhos? -Tenho, sim senhor. -
- Eles estão com a mãe? Não senhor. – A mãe dele era uma morena bonita do cabelo fino e dos olhos preto.
– Que estória é essa de filho galego dos olhos azuis se o pai e a mãe são morenos
– Agora o senhor já começou a entender
– Onde está sua mulher e seu compadre?
-Libertei os dois e a mulher do compadre logo que nasceu minha galeguinha.
- O senhor sabe que é acusado de 83 mortes, alias “libertações”, fora os crimes cometidos aqui em Sertania?
- Doutor Juiz eu nunca fiz conta disso, mais acho que só libertei umas cinqüenta e pouco almas.
- Quer dizer que o senhor confessa friamente que matou por dinheiro mais de cinqüenta pessoas?
- Doutor pela ultima vez eu nunca matei ninguém. Eu não mato, eu liberto! Eu sou um LIBERTADOR!
Durante a acusação o Promotor e o advogado contratado pela família Diniz, Dr. Boris Trindade desfiaram um rosário de todos os crimes cometidos por Melk. Não havia nem necessidade de tanta coisa. Melk já estava condenado desde o dia que fora preso. Os jurados eram todos os amigos dos Diniz, o defensor público não tinha o menor interesse em defendê-lo, por isso eram favas contadas.
Dr. Clovis voltou com os jurados da sala secreta e deu a sentença. Trinta dois anos por cada morte totalizando 64 anos em regime fechado a ser cumprida na Penitenciaria de segurança máxima Barreto Campelo em Itamaracá, ficando a disposição das comarcas onde respondia pelos seus crimes no estado e fora dele.
- O réu tem alguma coisa a declarar? – Perguntou Dr. Clovis ao encerrar a leitura da sentença.
- Tenho, sim senhor. Quero agradecer ao senhor e ao júri ter aumentado a minha “libertação” para mais de cem anos. Nunca pensei que fosse viver tanto!
Melk saiu do júri acompanhado por uma guarnição dos soldados de Arcoverde direto para Itamaracá. No meio do caminho a viatura virou. Melk e um soldado de nome Jose Vieira Neto não tiveram um arranhão, enquanto que os demais morreram na hora.Para saírem da viatura que começava pegar fogo seria necessário que soltasse as algemas de Melk, mas o soldado José Vieira não tinha as chaves. – E agora seu Jair o que é que a gente faz? – o amigo só tem uma saída, atirar no meio da corrente que une você a mim. Como sua outra mão está presa embaixo do banco, eu mesmo vou fazer o serviço. – Melk tirou o revolver de Jose Vieira e atirou no meio das correntes, a bala separou os dois mais ficou enterrada na perna de Jose Vieira. – Melk saiu pela janela porque a viatura estava de cabeça para baixo. Depois puxou Jose Viera para fora e disse: “Nenhum soldado merece ser “libertado” pelo fogo, já que todos vão para o inferno. Como os outros já foi “libertados”, vou lhe matar assim que o fogaréu aumentar” – Quando o fogo subiu, Melk encostou o revolver na testa de Jose Viera e disse: “ Vai doer não meu filho, e logo você está nas graças do senhor.- Deu um tiro e Jose Viera caiu morto. Puxou o Sargento que tinha a chave das algemas, tirou-as. Depois de arranca-las do pulso, recolheu mais dois revolveres e ganhou os matos.Nunca mais ninguém soube do Melk Libertador.

Mauro de Oliveira
10/04/2010

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