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cronicas-->Velhos,Mulheres e Crianças -- 16/08/2006 - 12:23 (Humberto Fernandes Valente) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VELHOS, MULHERES E CRIANÇAS

Não necessariamente nessa mesma ordem, acho que 1ª vez que escutei isso foi em algum filme, seriado, novela ou sei lá. O sentido lembro bem: preferência . De que? Se não estiver errado ou minha memória me traindo, era algum caso de incêndio, desastre, naufrágio ou outra desgraça qualquer.
A verdade é que em tempos modernos, ou melhor, dizendo, atuais, sempre associei isso a termos politicamente corretos como: idosos pessoas com dificuldade de locomoção, mulheres gestantes e menores de idade. A gente vive esbarrando com essas expressões em ónibus, vagões de metró, filas de banco, caixas de supermercado e em uma ou outra dezena de lugares ou situações. Sem falar nas leis: estatuto do idoso, estatuto da criança e do adolescente e por aí vai...
Reconheço que por vezes me pego pensando alto, que isso é lei demais, preferência demais. É muita minoria, as vezes até maioria, com direitos especiais. Qualquer dia vão criar alguma deferência especial aos carecas: falo aí em causa própria , mas do jeito que vai, vamos acabar tendo direito a desconto na compra de bonés, chapéus ou outra coisa qualquer que disfarce nossa deficiência capilar.
Feito esse "pequeno" desabafo ou reclamação incontida volto a razão de ser dessas "mal traçadas linhas". O vóo estava lotado, novidade! Sempre achamos que nosso vóo tá lotado. Vai ver que é alguma forma de encontrarmos desculpas para nosso medo de voar, mesmo que não admitamos. Afinal temos poucas notícias de aviões que caíram vazios.
Faço o check-in, como sempre atrasado. E os lugares estão separados. 17b e 20b. Confesso que não entendo essa configuração de bancos das aeronaves, nunca sei o que é janela, corredor e o pior: meio. Já no "finger" expliquei pro meu do meio (nota do autor para os leitores desconhecidos: tenho três filhos) que os assentos eram separados por três fileiras. Ainda que contido notei seu desespero por não sentar ao meu lado, mas como "bom exemplo de pai responsável" prometi de pronto tentar resolver o problema com a primeira aeromoça, desculpe, comissária de bordo, que encontrasse. Feito isso, na entrada da cabine em meio aqueles sorrisos amarelos de simpatia profissional, adentramos o corredor do avião e aí pude verificar que eram 03 poltronas de cada lado e o inevitável: "b" era no meio.
Ninguém merece, com "b" ninguém troca, no meio ninguém quer sentar ainda mais sozinho. Sentamos, ele na 17 e eu na 20. O avião vai enchendo e eu educado, paciente ou talvez, por aparentemente não ter medo de avião, aguardo a solução prometida pela comissária, pensando que afinal uma hora e quarenta e cinco minutos não é tanto tempo assim e que meu filho não precisa ter "medo". Afinal avião é seguro e ele já vai fazer 13 anos.
Contudo ele não pensa assim. Vejo sua cabecinha e seus cabelos lisos balançando e olhando para trás incessantemente me "cobrando" a solução. Na 3ª ou 4ª vez, vejo nos seus olhos não a cobrança, mas um pedido de segurança que admito, por mais natural que pareça ser, não sabia que tinha para ele.
Nesse instante esqueço minha timidez e começo a procurar pelo primeiro uniforme que pudesse me ajudar. Só então me dou conta dos comentários do passageiro do meu lado direito que percebendo a situação concorda comigo e diz que meio é muito ruim de trocar. Como solução me sugere que o garoto sente na 21b do outro lado do corredor, assim já estaria bem mais perto de mim, o pai.
De pronto faço sinal para o moleque, que a essa altura já estava em pé no corredor e tenho por um instante a sensação que fiz pelo menos alguma coisa de concreto pelo "problema". Mas exatamente aí a vida me surpreende e como de costume em gestos simples. O passageiro da 22c (corredor) levanta e me diz que troca comigo. Apesar do vóo lotado, além da 21b a 22b também estava vazia. Afinal, diz ele: "filho tem que viajar ao lado do pai". Procuro agradecer penhoradamente, mas escuto um "não por isso" que poucas vezes me soou tão sincero, profundo ou me calou tanto.
Acomodados todos, literalmente, o vóo decola, a vida toma seu rumo e eu me dou conta que talvez devesse haver uma lei exigindo que filhos viajassem ao lado de seus pais. Pego-me aí em contradição. Mais uma lei? Afinal meu problema foi resolvido sem elas. O rg 2332 atinge sua altitude e velocidade de cruzeiro e, em meio a uma página e outra do livro que leio, continuo com minhas reflexões, contradições e sentimentos diversos. O que faz os seres humanos serem tão diferentes ou indiferentes entre si. Um desconhecido ao meu lado tentou me ajudar, mas um estranho "longe" de mim trouxe-me a serenidade.
Em 30 pequenos longos minutos meu filho já dormia com a cabeça em meu ombro e seu braço envolto ao meu, sereno e tranquilo. Eu? Desconcertado por não poder agradecer a um gesto simples, "legal" e espontàneo de alguém que não conheço, nunca vi ou verei de novo, mas que não esquecerei, mesmo sem ter fixado a imagem do seu rosto. Pois mesmo sem saber ou sem querer, esse "passageiro" me mostrou na prática que um gesto vale mais do que mil palavras ou leis. Que valioso é o nosso sentimento descompromissado, é a delicadeza dos nossos pequenos gestos, é a felicidade das pequenas coisas.
Depois de desembaralhar tudo isso, dormi com a cabeça sobre meu filho. Tranquilo e feliz.

abril/2006

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