Detalhes
maria da graça alemida
Durante o velório do papai, prostrada, entre um soluço e outro, eu não podia deixar de ouvir a conversa de duas tias idosas. A mais velha, Maria do Carmo, a tia Nê, como todos a chamavam, contava à cunhada Josa do acidente que o filho sofrera tempos atrás. Dizia com a intensidade que julgava fosse um cochicho:XIUIUXIUXIUXIUXIU, mas, da cama onde me recostara, bem que eu podia ouvir tudo e entender.
Nos dias de tragédia, fantasmas de outras tragédias não faltam...
Detalhista, tia Nê, iniciou a narrativa do infausto dia, logo pelas primeiras horas. Narrou o ritual do café da manhã do filho, disse do banho, da leitura do jornal. Contou do almoço, da saída da tarde... Já quase vinte horas do dia do acidente e nada da tal ocorrência...
Quando Nê se preparava para relatar os detalhes do jantar do rapaz, Josa, que desde o início da prosa a ouvia em silêncio, enfim, impaciente, com o dedinho gordo em riste, diz sem ao menos disfarçar o tom:
- E de repente, Nê?!
Não aguentei, entre os soluços, gargalhei forte... tal qual forte era minha dor naquele dia.
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