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Contos-->PAZ DO SENHOR -- 03/03/2010 - 15:31 (Ricardo Jorge Araújo Sousa Peres) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Santo é o Senhor...

Ele caminhou pela rua... Vinha calmo. Não era um divagar. Tinha um objetivo, mas era um caminhar aparente abstrato. Seus olhos tinham aspecto cansado. Ele pensava em anjos de olhos azuis... Anjinhos nus perfeitos, de cabelos loiros e olhos azuis, singelos. Seus olhos arderam, sentiu mais e mais essa sensação... Queria tocar os anjos, sentir a pele imaculada daqueles seres impossíveis ao toque. Tocou sua pele... Era uma pele muito parda, uma pele suja. Tocou o próprio braço, sentiu o odor de suor, uma certa podridão que emanava do espírito para pele transbordando pelos poros.
Saiu do transe momentâneo, ouviu uma buzina de moto... Um homem, uma mulher, e um anjo.

"Te quero em meus braços, anjinho de sublime amor... Te quero em meus braços pelo amor do Senhor"

Sentiu uma reciprocidade, num olhar furtivo... O anjo que ali passara de súbito lhe dera dimensão de um céu de profundo azul... Será que ele poderia chegar ali? E se batesse ás portas do céu e lhe corressem a folha corrida de atrocidades?

- Vergonha... Vergonha... Sem vergonha... Louco!

Pensamentos confusos, pensamentos diversos em sua mente, puro conflito que se materializava ali naquele momento num caminhar um pouco mais acelerado. Será que ele estava se denunciando? O que havia de mal em pensar em anjinhos? Isso o estava redimindo, ele tinha uma certeza que se corrompia sempre que pensava em si como realmente era... Um neguinho sujo, um presidiário, um fugitivo, um est...

"Não, porra! Não, eu não sou isso!"

Mas era sim, ele sabia disso, imensamente infeliz consigo mesmo. Mesmo que negasse... E se não negasse? Se assumiria bem pior do que era realmente. Matava, matava anjos para libertar seus demônios. Eram muitos demônios... Seu pai, seu irmão, sua mãe, todos eram demônios. Ele era um tipo de demônio e quando queria, emanava poder... Um poder violento de olhos vermelhos de rosto transfigurado, sem emoção. Ele parecia não se emocionar, as supostas lágrimas eram gotas de suor, salgadas, rolando da testa, seguindo na direção das fossas lacrimas, adentrando nas mucosas dos olhos, ardendo... "Maldito suor, filho da puta"!
Chegou ao cruzamento... Do outro lado estava Deus... Um combate... Sentia seu corpo leve, mas se arrastava... Nenhuma motivação sincera passo-a-passo seguia no caminho, nenhuma motivação. Tinha que chegar a algum lugar. "Dispensar a mercadoria", vender o esquema que estava em sua mão... Aquilo tava esquentando muito. Sentiu que não estava com pressa agora... Seus olhos cansados, seu corpo cansado... Precisava sentir-se divino, disputar com Deus, macular algum anjo.
Onde estava o anjo que ele tinha visto na avenida há poucos minutos atrás? O único anjo ali que tinha lhe chamado a atenção?
Ele havia visto alguns por ali... Correndo, pulando, gritando... Seu estomago remoeu, sentiu-se mal. Havia uma farmácia ali pertinho, bastava atravessar a avenida. Pegou uma diagonal, não chamou a atenção. Pagou um cigarro no churrasquinho do cruzamento, era um derby... Tirou uma nota de cinco. O dono da banca pós-se a rir...
"Tem carteira não... Só retalho vai querer?"
"Me dá um churrasco só... Volto já" Desceu o canteiro central, entrou na farmácia, contou os passos... Dezesseis passos... Cansaço... Ainda tinha que andar muito... Conjunto Ceará, Genibau, porra... Era só um fudido... Ele queria um anjo. Ele queria libertar seus demônios.
Pediu um sonrizal, pagou um real, pegou no caixa, sem olhar para o carinha que estava por lá. Sempre que olhava para os caras e as meninas que ficavam ali atrás, se sentia forte demais, um senhor dominador. Evitou, ele queria chegar em casa... Se algo pudesse lhe tirar de seu objetivo, teria que ser muito mais que um caixa cheio de dinheiro.
O que estava em sua mente, era algo mais singelo. Era um anjo lindo, de olhos verdes, tinha os cabelos cor de ouro, não era um anjo despido, mas ele poderia despir... Teve um leve tremor nas mãos suficientemente visível. Disfarçou... Foi pegar o churrasquinho, pagou... Desceu à calçada, o churrasco estava com um gosto estranho, cuspiu o pedaço que havia tirado do espeto. Não tava com o estomago legal. Jogou no chão, limpou a mão, a boca ele limpou com um pedaço de pano que tinha dentro do bolso. Respirou e viu a casa de Deus. Uma casa de combate, cheio de gente porca. Ele se sentiu um porco. Foi se juntar aos porcos... Adentrou no chiqueiro. Uma dessas mulheres cheias de badulaques da igreja se esbarrou com ele na entrada da Igreja.
"Desculpe"! - Ela disse. Ele não se importou, tentou passar pela multidão e desistiu, ficou na porta da entrada. A missa estava pelo meio. Ouvia o padre falando. O Microfone deixava a voz do padre estranha, mas ele ouvia bem o falatório. Um dia quis ser padre. Via os padres como almas gentis, homens sábios que ele tinha que respeitar. Mas sabia que em si guardava um demônio e tinha que libertar... Ali o Demônio estava se revoltando. Queria devorar um anjo. Sair de dentro dele.
O padre iniciou um cântico bem conhecido. Padre Zezinho... Ele adorava aquela música, mas não seu Demônio... Cada vez mais protuberante, mais revoltado, mais agressivo... Ainda contido.

"Um grande amigo meu
Que a sua fé perdeu...
No dia de Natal me procurou."

De olhos abertos caminhou pela casa de paredes velhas, por onde a luz mal entrava. Um cômodo, uma cama velha, um fogão, duas redes. Deitou na cama. A vizinha continuava a cantar... Ela poderia até mesmo ficar sem cantar, o Padre estava preso no rádio, quando ele quisesse poderia fazer o troco tocar a musica de novo.
Um homem entrou pela casa... Moreno, magro. Tinha mais força, era mais velho. Sentiu as costas ardendo... “Levanta seu fidiputa”! Queria chorar. Calou-se...

“Contou-me a sua vida
Tão cheia de incertezas
Com tanta honestidade
Que me fez chorar”

Aquilo já tinha acontecido... Repetia-se quando a mãe saia de casa. Sempre... Sempre e sempre. Não sentia mais dor. Sentia ódio.

“Ódio é um demônio maldito... E eu o tenho dentro de mim”
(A voz se fez ser ouvida, ecoou pelos seus órgãos, chegou aos seus miolos... Era bem nítida em seus ouvidos).

Veio o cheiro de cachaça acre, azedo...

“E a lágrima teimosa caindo no meu rosto
Lavou meu preconceito de cristão”.

O peso... Uma estocada. Suas entranhas doíam. Outro peso, outra estocada.
- Cuzinho gostoso o seu, você e meu anjinho. Você ama o papai”?
- Amo... Muito!
A sanha continua imbatível... Outra estocada... Mais rápida mais profunda... O resto de sol se apagou. Então ele viu.
Um anjo veio em sua direção. Estava nu, era de um quadro do colégio, cabelos loiros, olhos azuis. Veio até ele.

“Sempre que quiser fugir eu lhe darei minhas asas”!

Inesperadamente, arrancou suas asas e desabou. Veio se arrastando e sangrando, com seu rosto belo e barroco que foi se tornando monstruoso a cada agonizante passo marcado por manchas sanguinolentas. Sua boca se abriu... Havia hálito de podridão profana emanou dali. Sua pele outrora corada, agora era de uma alva doentia e cadavérica. Em suas mãos as asas pingavam sangue. O anjo quando finalmente parou de se arrastar, tomado de suas réstias de vigor, cravou as asas nas costas do menino.

“Deus... Como dói... Por que”?

Irmãos oremos...
Ele Acordou... Mas estava de olhos abertos. Sonhara, tinhas mares de lágrimas em seus olhos. Não era um sonho, era um pesadelo reincidente.
O mesmo anjo, as asas, o terror... O Banquete de carne, a redenção através dos seus malditos demônios que eram exorcizados através dos anjos que ele desejava de forma insana. Ele nunca conseguia aprisionar um anjo. Eles criavam asas. No derradeiro momento, na hora do gozo, suas mãos se tornavam mais agressivas. Sufocantes... Garras de demônio...

“Pai Nosso que estás nos céu”...
(Ritual)

Algo o ofuscou... Não era o sonho vivo ali, era o próprio anjo, fulgurante de olhos azuis, numa pele de criança totalmente humana. Ela passou por ali... Ele a seguiu.
Mas anjos não tinham sexo, não cheiravam a rosas, não tinham batom... O Demônio estava ali, nele, desperto, pedia para sair, quase um berro, ecoando em sua mente.
“Me deixa em paz por favor”! Sussurrou... Teve cuidado. Parou no carrinho de pipocas.
“Quanto custa”? – Pagou o pipoqueiro com uma nota de dois reais... Foram dois saquinhos. Anjos gostam de pipocas com manteiga... Eles gostam sim, depois refrigerantes... O Demônio sugeriu, era um demônio sábio.

“Santificado seja o Vosso Nome...
Venha Vós ao Vosso “Reino”

A língua dos anjos era eficaz, sorvetes, pipoca, doces, bombons, refrigerantes. Algo mais eficaz seria um sorriso... Estava ficando cada vez mais difícil conseguir arrancar as asas dos anjos e devorá-los.

“Lembra do último?... Que Desgraça... Eles te pegaram! Você não conseguiu arrancar aquelas asas sujas”.

- Quer pipoca? – Ela sorriu. Algumas crianças por ali, brincavam. Ela sorriu.
Seu corpo tremia. Sentia algo acumulando por dentro... Vai ser bom... Pensamentos vinham como um jorro... Ela era todo ansiedade.
- Quero... – Olhos brilhantes cor, azul... Era seu anjo. Ele cuidou de tudo, olhava para os lados.
- Qual sua idade?
- Cinco...
- Tenho uma filha de cinco anos... Quer brincar com ela?
- Quero...
Ela era simpática, linda... Arrancaria as suas asas com carinho.
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