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Contos-->O DONO DO SOL -- 16/02/2010 - 16:06 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Lá pros confins da Serra dos Martírios, ao norte de Goiás, vivia um velho lavrador, que nem a sua idade sabia, num casebre de sapé.
Viúvo, sem filhos, morava sozinho com seu vira-lata, Zé Pilintra, como ele o chamava.
Desaprendera a contar o tempo. Não tinha noção dos dias da semana nem do ano em que estava vivendo.
Também não tinha idéia do valor do dinheiro, pois não possuía nenhum. Todas as mercadorias eram negociadas com os vizinhos, na forma de troca.
Roupas e botinas eram tão antigas que deveriam ter pertencido a alguém da família.
O velho homem cuidava da roça de mandioca, feijão, abóbora e diversos legumes.
Água não faltava nas nascentes e pequenas cachoeiras.
Uma vaquinha leiteira fornecia o leite e, de vez em quando, ele curava uma forma de queijo.
Galos e galinhas que povoavam o terreiro alimentavam-se dos tenros milhos vindos do milharal.
No pequeno chiqueiro havia sempre leitões para a banha e a lingüiça defumada na fumaceira do velho fogão a lenha.
O ancião levantava de madrugada, ao primeiro cantar do galo. Ainda no escuro começava a sua lida, que interrompia às dez da manhã, quando, então, voltava para a casa e preparava o almoço.
Depois de comer, deitava na rede e dormitava até as duas da tarde.
Voltava aos seus afazeres até pressentir que as sombras começavam a se alongar ao seu redor.
Calma e lentamente o velho dirigia-se à centenária figueira no meio do pasto e, embaixo da sua copa, sentava-se em um banco tosco, feito por ele mesmo.
Todos os dias em que não chovia, ele lá ficava, sentado, e se quedava com a sua filosofia – ele era o dono do sol!
Tudo ele calculava pelo sol!
E em seu primitivismo inventou um simples relógio para marcar o tempo.
Não tinha ciência de que há milhares de anos as grandes civilizações andinas, hoje desaparecidas, como os incas, maias e astecas, já usavam tais instrumentos de exatidão. Os famosos relógios de sol.
Pela posição das sombras ele sabia a hora de ir almoçar, de voltar ao serviço e, principalmente, a hora de ir para a figueira.
Sentado, apreciava o cair do sol no horizonte, deixando as sombras cada vez mais extensas e escuras.
O velho não sabia ler nem escrever. Mas a exatidão dos seus simples bosquejos em relação à luz e à sombra era inacreditável.
Às vezes, ficava de costas para o sol, abria os braços em forma de cruz e observava a figura projetada no chão, formando o desenho de Cristo crucificado.
Nesses momentos ele rezava as orações que sabia, pedindo a Deus para que nunca mandasse o sol embora, pois este lhe pertencia.
E continuava assim até a cruz desaparecer na noite, quando, contente por mais um dia de sol, retornava ao casebre.
Acendia o lampião a querosene, comia as sobras do almoço, pegava a velha viola e ia para a rede meditar e dedilhar algumas modinhas tristes do seu tempo de rapaz.
Colocava a viola no chão e ficava olhando a lua.
O velho não gostava muito das luas.
No seu entender, cada quarto de lua era uma lua diferente.
Uma grande e cheia, outra, menor e redonda. E havia aquela meia metade de queijo, como ele dizia.
A que ele mais gostava era da cheia.
Naquelas noites de lua cheia, claras como o dia, ele pegava sua espingarda cartucheira e ia caçar coelhos e raposas que roubavam o milho.
Nessas divagações, as estrelas e luas eram filhas do sol.
Quando o brilhante astro se punha atrás das montanhas, na certa estava indo descansar, jantar e dormir até o dia seguinte.
Suas filhas tomavam conta da noite.
Durante as tempestades acompanhadas de raios e trovões, sem dúvida era a ira do sol brigando com suas filhas desobedientes.
O velho não tinha o sol como um deus, mas sim como um idolatrado companheiro que regia toda a sua vida, plantações e criações. Por isso era seu e de mais ninguém!
O lavrador era sábio, convicto de seus pensamentos, assim era feliz e não sabia!
O tempo passou com o planeta Terra fazendo o seu ciclo de translação e rotação em volta ao sol, mecanismo do universo que o velho não sabia que existia.
Certo dia, não eram três horas da tarde, segundo seus cálculos, sem saber a razão ele resolveu sentar-se em seu banco, debaixo da figueira.
Pela primeira vez sentiu aquela estranha vontade e começou a olhar em direção ao sol.
Ficou meio assustado, pois considerando-se o tempo em que estava lá, as sombras deveriam estar em outras posições.
Mas nada se mexia.
Olhou ao redor e não reconheceu o lugar onde vivia.
Passaram-se horas e horas e o sol continuava no mesmo lugar.
Cansado daquele marasmo, o velho resolveu ir até o sol e perguntar o que estava acontecendo.
Levantou-se com disposição incomum e começou a caminhar em passos largos em direção ao sol.
Andou léguas e mais léguas pelas campinas verdes, azuis e violáceas e nada de se aproximar do astro-rei.
De repente começou a escurecer.
Ficou noite e, no lugar do sol, surgiu uma estrela bem grande, de um azul jamais visto.
Só pode ser a filha mais velha do sol, concluiu o velho!
Pensando nessas conjecturas, continuou caminhando na escuridão em direção à estrela.
Amanheceu outro dia e sol lá estava, radiante, à sua espera.
Sem mostrar cansaço, o velho continuou a caminhada com os mesmos passos determinados.
Enquanto isso, lá no sítio, os poucos vizinhos estranharam a falta de fumaça na chaminé. E, por mais que procurassem, não encontraram o velho, trabalhando na roça.
Resolveram verificar o que estava acontecendo.
Chamaram pelo seu nome e nem o cachorro respondeu.
Foi quando escutaram latidos vindos da figueira.
Correram até lá e depararam com o ancião morto, estendido junto ao banco.
Zé Pilintra estava de guarda, afastando alguns corvos que sobrevoavam o local.
Comovidos, os vizinhos rezaram alguns padre-nossos e ave-marias, abriram uma cova rasa sob a figueira e enterraram o velho lavrador.
Bateram bem a terra e jogaram diversas pedras em cima do túmulo.
Por último, serraram dois grandes galhos da figueira e fizeram uma cruz, que fincaram na cabeceira do falecido.
Todas as tardes, no crepúsculo, a sombra estendida da cruz projeta-se em cima do banco onde sentava o velho sonhador.
E o dono sol continua e continuará eternamente percorrendo o espaço sideral, em busca de um lugar em seu próprio sol.

Roberto Stavale
São Paulo, fevereiro de 2010. -
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