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Contos-->ENXAME DE CARINHO -- 16/01/2010 - 05:00 (Vera Linden) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ENXAME DE CARINHO

.....a minha vida com ele foi sempre assim...um enxame de carinho..


Ele sempre gostou da minha pele. Acariciava meus braços, minhas mãos, contornava com seus dedos macios a curva de meus cotovelos e subia delicadamente até os ombros, onde parava para beijá-los. Era um ritual delicioso, sempre que nos encontrávamos, todas as tardes, após o trabalho. Aqueles instantes preciosos, somente nossos. Tantos suspiros e carícias, trocas de carinhos e agrados, que acabavam invariavelmente, em nossa confortável e antiga cama vitoriana.

Quem poderia imaginar que o sisudo juiz Crane era um homem assim, tão amoroso ? Este homem existia só para mim. Eu suspirava orgulhosa, divertida e feliz. Sabia que ele não gostava de minha presença em seu escritório e, eu respeitava solenemente o seu desejo, embora ele nunca tivesse tocado no assunto. De minha parte, era a discreta Sra. Crane, a professora de Literatura e inglês, do Colégio das Irmãs de Santa Terezinha e também da Escola Estadual. Minhas turmas eram dos pré-vestibulandos, moças e rapazes comprometidos com os estudos e, com boas notas para ingressarem na melhor universidade de sua próspera região do Vale dos Encantos.

Belas videiras e o cheiro agradável do mel de flor de laranjeira espalhavam seus doces perfumes, por nossas limpíssimas e encantadoras ruas e avenidas.
"- Respiramos, saudavelmente o nosso progresso!" Era a frase predileta de nosso folclórico prefeito, Dr. Vitorino Zaccaro. Suas palavras davam lugar a um sorriso iluminado entre suas róseas bochechas. Afirmava que era prefeito por falta de ter o que fazer, não havia doenças, epidemias ou qualquer vírus que sobrevivesse aquele ar puro. Bom vinho, bom mel, bom oxigênio e....adeus doenças. Como médico, ele certamente morreria de fome, onde arranjaria pacientes? E, ainda tínhamos a nossa água milagrosa do rio Sonoro, assim chamado pelo som de suas cachoeira e dos enxames de abelhas a colher o néctar das flores das laranjeiras em suas margens.

Crane me conhecera em Saint Paul D`avres, na França, no belo outono de 1978. Recém formado em direito, viera fazer doutorado em Sorbonne através de uma bolsa de estudos, que ganhara por mérito próprio, graças a sua dedicação aos estudos. Com o seu francês perfeito, logo arranjara trabalho. Nas férias, reunia todas as suas economias de meses e viajava pelo interior da França, Inglaterra, Suiça e Alemanha, os seus países prediletos. De minha parte, economizara dois anos, sem sequer comprar um botão, como dizia tia Mina, que me presenteara com mais alguns dólares, presente de formatura. Minha fantástica família: Meu pai, funcionário público; minha mãe, uma hábil costureira; meus dois queridos irmãos, meus tios e primas, meus padrinhos e madrinhas, desde o início de minha faculdade, criaram um fundo que investido em poupança no Banco do Estado, dera origem a uma "pequena fortuna" a ser usada por mim, ao meu bel prazer. Eu escolhi fazer uma viagem de estudos para a Europa. Inglaterra, para aperfeiçoar o meu inglês e estudar sua magnífica literatura.

A família Crane tinha posses, o que me assustou a princípio. Mas, meu amado era um homem educado, sensível e gentil. Ele nunca deixou que me sentisse uma pobretona ou uma alpinista social, especialista em golpes do baú. Dizia que eu era afortunada, rica por minhas ideias, ideais e atitudes. Sua família de origem inglesa, apreciada minhas maneiras educadas e discretas. Portanto, nossa união foi completamente abençoada por nossas famílias.

Voltamos, quase simultaneamente, ao Brasil. Já tinha meu emprego garantido com as Irmãs, minhas antigas professoras, fiz um concurso público para o Estado, que na época renumerava muito bem os seus mestres e a vida
profissional seguia feliz e gratificante. Meu coração disparava toda vez que pensava no jovem, belo e introspectivo Dr. Crane. Será que ele iria me procurar ? Não havíamos feito promessas. O tempo resolveria tudo.

Em uma bela tarde de primavera, minha cidadezinha organizada e discreta, recebeu a visita do advogado louro e elegante em suas roupas esportivas, em seu belo carro azul importado. Eram 18 horas e 15 minutos, meu horário sagrado de chegar em casa, relaxar, regar meu jardim, ir para a minha rede ler a correspondência, saborear mais um livro de Conan Doyle, Poe ou Christie. Mas, neste dia tudo foi novo e diferente. A porta da frente estava aberta, vozes e risadas me surpreenderam. Ao entrar papai e mamãe me receberam com sorrisos e lágrimas. Eu fora, oficialmente pedida em casamento. Crane também estava visivelmente emocionado. Beijou minhas mãos e perguntou:
- Quer me tornar o homem mais feliz do universo? Para ele, sempre tão contido e formal, estar ali em frente a toda minha família e fazer aquela pergunta, fora quase um ato heróico. Respondi um sim quase inaudível e bem gaguejado. Santo Deus! Era emoção demais para um fim de tarde! O noivado fora naquele mesmo dia e o casamento dentro de um mês. Ele queria seguir a magistratura. Já era promotor e arranjara vaga em nossa cidade. Compramos uma linda casa. Tínhamos tudo, mas principalmente tínhamos um ao outro.

Não tivemos filhos, mas sempre amamos e apoiamos muito os sobrinhos, filhos de primos e tínhamos uma coleção de afilhados e afilhadas, jamais faltou o riso e a alegria de crianças em nossa casa.

Os anos passaram generosamente, para nós dois. Tínhamos mais de sessenta anos e pensávamos, não exatamente em aposentadoria, mas em trabalhar por prazer, apenas meio turno e....o resto seria somente pura vadiagem, ele dizia divertido, com aquela luz especial em seus lindos olhos verdes. Porém, em uma tarde chuvosa a campainha da frente tocou nervosamente, era meu irmão mais novo. Fred estava nervoso, com lágrimas nos olhos, logo ele....tão durão. Apenas balbuciou: " - Crane..." Eu entendi tudo. Crane se fora. O homem da minha vida fora tirado de mim.
Um homem que vendia saúde, não aparentava a idade que tinha. Na saída do banco, um assalto, uma bala perdida e um juiz justo, magnânimo, honesto, competente teve a sua vida ceifada. A cidade chorou comigo. Por muitos meses fui um robô, fazia tudo automaticamente, sem sentimentos, mas aos poucos fui recuperando a minha sanidade, a minha vida. Esta é a melhor maneira de homenagear aquele a quem amei, amo , amarei sempre.

Hoje, nesta bela tarde de primavera, às 18 horas e 15 minutos fui até a lavanderia da casa recolher as roupas, pela janela entrou um enxame de abelhas e elas pousaram em meus braços, em minhas mãos, nos cotovelos, nos ombros....eu fechei os olhos e senti as mãos dele em mim. Não senti medo das abelhas, apenas aquela carícia gostosa e uma felicidade consoladora, preciosa. Eu nunca estarei só, Crane estará sempre comigo.


Conto de Vera Linden - verão de 2010 - Janeiro

São Leopoldo - RS
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