AMENIDADES
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(Fernando Pessoa. "Tabacaria")
Profundidade nas análises, textos preciosos, cogitações e teses brilhantes, amplidão e agudeza filosófica. Tantos estudiosos, tão capazes e cultos, esclarecem, ensinam, orientam, fortalecem ou derrubam convicções, e até se elevam como referenciais. Alguns até me confundem...
E me pergunto, quando me cobram complexas elucubrações: por que aspirar ao Olimpo das cabeças coroadas pelo talento e pelo saber? Por necessidade de afirmação, de mostrar cultura -que não tenho e poucos na realidade têm--; para obter imerecida reverência?
Não seria uma chatura se fóssemos todos geniais? Haveria harmonia ou desarmonia? Temo o gênio que pode levar a certezas ilusórias e à s radicalizações. E onde ficaria a beleza da diversidade, a diversidade que é condição humana, que está em toda a natureza? Não é melhor conhecer e admitir os meus limites, sem renúncia à apreciação dos maiores; mas também visitar a imensa maioria dos excluídos --de tudo excluídos, aliás? E de me revoltar e condoer com a miséria?
Por que a montanha inacessível ou a planície rasa? Algumas montanhas, de tão altas, estão envoltas por nuvens permanentes; algumas planícies, de tão baixas, são cobertas pelos charcos. Também, nem a inveja nem a passividade me alimentam. Da colina avista-se a montanha e a planura. Declaro que nada sei; mas a visão das estrelas me faz sonhar. É uma visão privilegiada, que alimenta o desejo de galgar alguns degraus no colosso. Afinal, o mundo está tão conturbado e triste, a humanidade tão sofrida, que as inocentes amenidades que procuro não os prejudicará.
A vida ensinou-me a desconfiar das nuvens e do charco; o senso crítico a evitar o distanciamento e o frio da montanha, e os pàntanos (ou a secura e o calor) da planície. Sem choro, fico na minha pequena colina -- amena, porém responsável. Porque fazer chorar é fácil; mas conseguir um sorriso é felicidade
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