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Contos-->MORTE VOLUNTÁRIA -- 17/11/2009 - 17:37 (Divina de Jesus Scarpim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Primeiro eu gostei de música. Uma das minhas três mães tinha um violão, uma flauta e uma guitarra, tocava muito bem os três instrumentos e começou a me apresentar sua música logo que nasci, aprendi a ler partituras ao mesmo tempo em que aprendia a ler e escrever a língua que falávamos e assim que consegui segurar a flauta e que meus dedos conseguiram alcançar todos os furos comecei a assoprar nela as melodias que ouvia no berço; quando meu tamanho permitiu segurar e dedilhar violão e guitarra, eu, minha mãe Luzia e meu pai Pedro formamos o trio que se revezava nos instrumentos e que todas as tardes enchia a igreja onde morávamos de música. Nos dias de festa montávamos um palco na praça e toda a cidade, depois dos trabalhos da Limpeza, vinha ouvir nossa música, dançar e brincar embalada no nosso som. Minha primeira casa foi a antiga Igreja Matriz da cidade, minhas três mães, meus três pais e a música me mostraram o mundo e me ajudaram a crescer.

Depois eu gostei de motos. Fui morar em uma fábrica e testava as motos assim que terminávamos de fabricá-las. No dia anual de venda, a família cuidava da recepção dos convidados e das vendas e eu ficava com a animação musical. No final do dia sempre tinha baile. Quando saí do meu segundo lar, foi montado em uma moto vermelha e levando meu violão muito bem preso na garupa que me despedi das pessoas para começar uma longa viagem pelo mundo. Enquanto rodava eu me perguntei algumas vezes como os Frágeis faziam isso: Eles tinham mais estradas, certo, mas não podiam passar através das coisas, se saíam da estrada por um problema qualquer acabavam batendo nas árvores e nos muros e em geral se feriam, e até morriam. Temos apenas as poucas ruas que conseguimos preservar e que estão em sua maioria dentro das cidades habitadas; conheci poucas estradas que ligavam duas cidades, sempre admirei a vontade e o esforço das duas cidades que, não importa o lugar do mundo onde estivessem, faziam sempre a Festa do Encontro: saíam, trabalhando na limpeza e reparação da estrada, ao mesmo tempo, os habitantes das duas cidades, no meio do caminho se encontravam e faziam a festa. Todas as vezes que encontrei cidades assim fiquei um tempo em uma delas para ajudar na reparação e animar a Festa do Encontro com a minha música. Em várias delas procurei famílias de músicos e fiquei alguns anos.

Viajei por todos os lugares que quis durante muitos anos, quando sentia saudade da comida que tinha à farta com minha primeira família, eu procurava uma família de plantação e ficava por uns tempos ajudando a colher todos os dias as folhas da couve, da chicória ou da alface, os frutos ou as sementes da plantação que existia desde os tempos dos frágeis. Aprendi com minha primeira família a sentir quando o fruto ou a folha vai se soltar, quando o trigo pode ser colhido, quando a raiz pode ser arrancada e aprendi a fazer muitos pratos doces e salgados e muitas bebidas, esse conhecimento me foi útil várias vezes quando por acaso eu encontrava uma ou algumas árvores ou arbustos pelo caminho, se queria e o vegetal estava pronto, colhia o fruto ou a folha e me deliciava à luz do luar ou às primeiras luzes do sol ainda não visível, às vezes com o fundo musical da água de uma corrente ou de uma cachoeira. Eu era feliz nesses tempos e pensava não sentir falta de nada até que, em uma família de plantação, conheci Camila e passamos a viajar juntos. Depois de alguns anos conhecemos Luíz, Ruan e Jane, cada um com sua moto e sua música: Jane tocava gaita, Ruan tocava violão e Luíz, o excêntrico, tocava violino. Formamos uma família de estrada, uma banda de animadores de festas e o mundo era todinho nosso.

Luíz foi o primeiro a deixar o grupo, ficou em um teatro com uma família de atores, depois passavam os anos e o grupo diminuía como era natural que acontecesse. Camila foi a última; me chamou para ficar com uma família de uma galeria, ficamos alguns anos e aprendi a pintar, nunca consegui ser muito bom mas gostava de tentar reproduzir nas telas as paisagens que via, quando essas paisagens me chamaram com força decidi voltar para a estrada, Camila preferiu ficar e voltei a viajar sozinho carregando agora, além do violão, as tintas e pincéis que tornaram meus passeios ainda mais agradáveis. Nas cidades em que parava eu vendia meus quadros, ou dava de presente para alguém que conhecia e de quem gostava com mais força. Tive companhia algumas vezes, voltei a ficar sozinho outras e muitos anos foram passando até que chegou o dia em que me descobri cansado. Na última cidade antes do deserto conheci um rapaz que ainda está com sua primeira família, ele me contou que quer viajar muito, juntar muitas lembranças e depois entrar em uma família de editores, aprender a fazer o papel e imprimir suas lembranças de viagem. Dei a ele minha moto e meu violão, ele não sabe tocar mas incluiu essa aprendizagem em seus planos. Passei algumas noites em uma galeria com uma moça que pinta cenas do mundo dos Frágeis, os quadros dela são um tanto chocantes e tristes, mas ela capta o último item da caixa de Pandora e coloca nos olhos das pessoas que retrata, por isso gostei dos quadros e dei a ela minhas tintas e meus pincéis.

Saí da cidade no meio da Festa da Limpeza e vim para o deserto me despedir da Lua. Agora estou pronto para terminar minha viagem.
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