Ele é preto. Tem a pele uniformemente preta, o corpo esguio e os olhos tristes. Seu sorriso é brilhante, mostra os dentes claros como teclas de piano e a sonoridade cristalina das músicas da natureza, pena que esse sorriso seja raro.
Ele é lindo!
Sempre foi lindo, desde o dia em que nasceu, pequenino e forte, em uma casa humilde de um bairro humilde na periferia de uma cidade grande dominada pela força do dinheiro, da moeda fria que não julga. A cidade, com seu concreto e suas árvores magras, é habitada por homens que se julgam predestinados à superioridade pela cor da pele. E a pele deles é branca, não branca como a folha de papel onde cabe a poesia, mas branca como a mentira da omissão, que engana até mesmo olhos que não são daltônicos.
E pelo orgulho infundado, pela irracionalidade mal disfarçada, eles não podem ver a beleza dessa pele preta, não conseguem ouvir a sonoridade desse sorriso, e foram eles que plantaram a tristeza nesses olhos.
Desde muito pequeno ele ouviu dizer de si mesmo que é preto, que é feio, que é sujo. Desde muito pequeno ele foi muitas e muitas vezes convidado sem nenhuma gentileza a “se pôr no seu lugar”, e muito cedo o fizeram entender que seu lugar era sempre o de baixo.
Apostando uma corrida injusta ele vem de lá de trás, de onde traz a força que é minada pela injustiça, a inteligência que é abafada pela necessidade, a coragem que é suplantada pela opressão.
E é assim que ele vai crescendo e sendo lindo, de uma beleza envergonhada, que se desconhece, que não se vê no espelho porque não há olhos que a espelhem como real.
Um dia ele passa pela rua empurrando uma carriola de pedreiro, o peito sem camisa veste-se de suor e o hábito da humildade faz com que mantenha a cabeça baixa.
Quisera, ah, quanto quisera! que esse homem tivesse um filho preto e lindo como ele, e que esse filho pudesse ter o direito que roubaram do seu pai: o direito de ser desde sempre olhado, tratado, pensado, visto, como gente...
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