Usina de Letras
Usina de Letras
141 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62220 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10363)

Erótico (13569)

Frases (50616)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140801)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Contemplando as portas... -- 30/11/2000 - 23:30 (Mauro de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Contemplando as portas...


No estacionamento contemplo duas portas. Ficam a menos de cem metros uma da outra. A porta da alegria é a entrada da maternidade. A porta da tristeza é a entrada da emergência.
Na primeira porta o sol nasce, na segunda o sol se põe.
De onde estou, vejo carros e pessoas chegando e saindo. São esperanças que nascem e esperanças que findam. Há ainda os que esperam o último fio de esperança. Há os que pensam, - poderia ser pior. Na minha contemplação, vejo que a alegria e a tristeza estão sempre juntas. Até nos estacionamentos.
Cada carro que entra, vejo os rostos e diagnostico para qual porta vão seus ocupantes.
Olhos brilhantes, sorrisos descontraídos, presentes a mão, flores, muita conversa, enfim a alegria mostra a sua cara, e o destino é a porta da maternidade. Por essa porta, a alegria passa deslumbrante, vestida de festa e nem percebe quem entra pela outra porta. A satisfação é tanta, que cega a qualquer um, ver o outro lado da vida. Os felizes e os desesperados se cruzam no mesmo caminho, mas são estranhos. Parecem que não estão passando por outro ser humano. Vi uma senhora em prantos passando por um grupo de felizes. Nem as risadas nem as conversas foram interrompidas, e tampouco comentaram o desespero que passava. Foi como se aquela pobre mulher, fosse de vidro e transparente, ou melhor não existisse. Lembrei-me naquele momento do soneto de Lamartine, - "A utilidade do sofrimento - Dizei-me de bom coração, amarias a natureza, os pássaros, os bosques se não soubesses o preço da felicidade. O Homem é um aprendiz, a dor é sua mestra, e ninguém se conhece perfeitamente se não recebeu o batismo da infelicidade. Jamais, poderás beber numa tarde com um amigo em liberdade, se não souberes o valor do sofrimento." - Perguntei a mim mesmo se aquele grupo de alegria já teria passado pelo teste de Lamartine. Provavelmente já. Mas, deveriam estar tão felizes que esqueceram, ou preferiram desconhecer, para não estragar alguns segundos de alegria.
Dez dias antes, havia entrado na porta da alegria para visitar o primeiro neto de um velho amigo. Não me lembro de ter cruzado com ninguém. Na entrada, muitos jarros com flores, atendentes sorridentes, muitas vozes, choros de alegria, abraços, parabéns, era realmente uma festa. Passei pelo vidro do berçário e vi, avós corujas, pais corujas, tios, primos. É aquele ! falava um - O meu neto é o mais rosado - Veja que coisa linda!
No interior do berçário enfermeiras, traziam os recém-nascidos até bem perto do vidro. - oh ! que lindo! - deixa ver ! - amontoavam-se em torno do vidro onde uma criança era mostrada. - Segui até o apartamento de meu amigo. Ao entrar, garrafas de whisky, champanhe, salgadinhos e até bolinhas de festa. Muita gente comemorando, falando, brincando e até a pobre primeira mãe, esboçava um sorriso amarelo, demonstrando claramente o cansaço daquela festa. Feita a visita de praxe, me retirei, prometendo que compareceria a festa do batizado. Ao passar pela porta da alegria, na volta para o estacionamento, encontrei outro grupo que chegava, mas deveria ser para outra festa. Ali a alegria deve rolar o dia todo. Já era noitinha, dirige-me para o estacionamento. No caminho também não me lembro se vi alguém.
Hoje me pergunto: Será que também fiquei contaminado pela alegria e não vi ou não quis ver os passantes da porta da tristeza ? Hoje é diferente, vou entrar na porta da tristeza. Um velho amigo e amigo velho, que me viu nascer, me batizou e casou a mim e a meu pai, estava lá. Logo quando entrei, lembrei-me da Casa dos Médicis em Florença, onde tinha a sala das quatro estações da vida. Quatro estátuas em mármore esculpidas por Michelangelo ou Da Vinci, dispostas nos quatro pontos cardeais. Na abóbada, clarabóias deixavam que a luz do sol penetrasse de forma que quando nascia, iluminava a estátua de uma criança. Ao meio dia um adolescente. As três da tarde um adulto e ao se pór um velho. Lembro-me que no dia que lá estive, fiquei abismado com o sentimento do artista ao comparar um dia, com a vida inteira de um ser humano. O exemplo é perfeito, mas só nos damos conta disso, quando vivemos na vida real. - Na entrada as atendentes não sorriam, os circunstantes apresentavam rostos de tristeza e desespero. Falavam baixo. Até o segurança parecia viver aquele ar carregado da desgraça. Na recepção da UTI, alguns choravam baixinho, outros enxugavam os olhos. Todos ali tinham esperanças de uma boa notícia, mas todos sabiam que poucos seriam contemplados. Fui um dos contemplados, não com uma boa notícia, mas com fio de esperança de que o sol ainda não havia se posto para o meu velho amigo.
Após uma meia hora de silencio, já que não havia parentes, me retirei da sala e dirigi-me de volta a porta da tristeza para seguir para o estacionamento. Durante o percurso observei os passantes novamente. Os dois primeiros que cruzaram por mim, estava claro que iriam para onde eu havia saído. Logo adiante encontrei dois casais que conversavam animadamente. Esses provavelmente, estavam chegando ou voltando da porta da alegria.
A caminho de casa, concluí que nossa vida é repleta de portas. Portas que se fecham para a caridade e se abrem para o egoísmo. Portas que se abrem para os amigos do poder, e se fecham para os excluídos. Portas que se abrem para os donos da lei, mas se fecham para fazer justiça. Portas que se abrem para os políticos corruptos, mas se fecham para sua punição. Portas que se fecham para o amor, mas estão abertas para o ódio. Portas que se fecham para caridade, mas se abrem para ostentação. Portas que se fecham para os humildes, mas se abrem para os orgulhosos. Portas que se fecham para pagar, mas se abrem para receber. Portas que se fecham para os famintos, mas se abrem para o desperdício. Portas que se abrem para riqueza, mas se fecham para a pobreza. Portas que se fecham para o bem, mas vivem abertas para o mal.
Enfim, para cada adjetivo ou substantivos poderemos abrir ou fechar portas, porque as chaves estão na nossa consciência e no nosso estado de espírito. A porta da tristeza é a única que está sempre aberta para todos, só não sabemos o dia e hora que passaremos por ela. Por isso, quando passarmos pela porta da alegria, nunca nos esqueçamos de dedicar alguns segundos para aqueles que estão passando pela porta da tristeza. Um gesto de carinho, um aceno, ou até o silêncio, pode aumentar em muito a nossa alegria e diminuir em muito a tristeza dos desesperados.

Mauro de Oliveira
30/11/2000
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui