Capa: Hardi Filho
( Da Academia Piauiense de Letras)
Temos em mãos uma estréia. Entramos em contato com um neófito. Mas noviço que não traz em si um conteúdo monótono, insosso ou desenxabido, como sempre sói acontecer aos marinheiros de primeira viagem. Francisco Miguel de Moura (ou simplesmente CHICO MIGUEL como o tratamos na intimidade), com AREIAS, vem de transpor o portão do Parnaso de pé direito à frente.
AREIAS. Batismo aparentemente vago para o frontispício de um livro. Por isso mesmo sugestivo. Impressiona, sobretudo, pela simplicidade do termo, emprestando, numa comunicabilidade emocionante, muito de simpatia ao leitor bem avisado. Em todo o conteúdo da obra encontra-se uma intimidade contagiante, familiarizando e irmanando, na tela da padronagem do seu pano-de-fundo – o poeta, o livro e a terra. É a lâmina de cristal da inteligência rara e lúcida de um moço refletindo a vida do homem deste chão de clima equatorial que às vezes nos martiriza com o seu chicote de fogo, mas também nos fornece calor, luz e energia para a luta na vida pela vida. Nasce da “areia branca” do Riachão que “bota banca no coração” do menino de Jenipapeiro de ontem, que dormita em estado latente, embalando-se na rede de saudade, no peito do poeta de hoje. Jenipapeiro de ontem “entre dois chapadões”, “de alma mais pura do que a branca areia”, que hoje ostenta panca de cidade com outro nome.
E vem a adolescência. “Há romance no muro.” Há amores. O medo domina, como sempre domina mesmo o medo em todo adolescente quando ensaia os primeiros passos na iniciação dos mistérios para a perpetuação da espécie.
Passa o adolescente. Passa o jovem sensato, caminhando para o amadurecimento. Passam amores. Idílios. Passam cânticos. Até que a realidade da vida, em suas facetas concretas, assoma numa curva da estrada da veracidade da vida. Vem o homem que sofre. O único animal do mundo que ri e chora. O animal que nasce chorando e morre chorando. Vem o homem sem pão, sem amparo, sem destino:
“Pelos caminhos, sem nada,
se nada,
se anda,
pelos caminhos se vive,
se morre se tem esperança.”
É no poema “Caminhos” onde Chico Miguel afina a lira do seu estro no diapasão da filantropia:
“Por eles vamos à guerra,
por eles voltam medalhas,
por eles cartas não vêm,
É o drama da seca. A tragédia fome. A epopéia do retirante. O poema “Caminhos” é o pico culminante de AREIAS, onde o poeta, como um Ícaro, desprende as asas de sua imaginação dando azo seu sentimento humanitário. Sentimento humano também autenticado, além de em diversas passagens outras, nesta chave-de-ouro de um dos seus sonetos:
“Com sete pães deu mesa à multidão
o bom Jesus. Bendito o Cristianismo
que multiplica para a divisão.”
Mas estamos falando de um poeta. De um postulante, é verdade. Mas postulante com caracteres de titular, capaz de sentar-se a um fauteuil de cenáculo e reger, com sua batuta de veterano na arte do verso, um orquestra de musas. Estamos falando de um poeta, e nada temos de estro nas veias. Seria como se um simples garimpeiro de nossos sertões bravios, lá nos confins de Minas ou Goiás, dando votos e discutindo acerca duma oficina de lapidação da Holanda. Mas é que sentimos, como outros leitores hão de sentir, que o vate de AREIAS, num vocabulário singelo e despretensioso, sem palavras rebuscadas ou quaisquer outros pernosticismo de intelectualidade doentia, firma-se como uma personalidade entre os nossos homens de letras. Se escreve poesias rimadas e metrificadas, com traços de belle époque, pisa firme, não resta dúvida. Mas, quando escreve versos de pé-quebrado, versos brancos, soltos, segundo a poesia moderna, é maior. Vamos abusar do pleonasmo, admitindo o qualificativo grande na primeira escola, é mais grande na segunda. É o caso dos poemas: “Dedicatória”, “Areia”, “Caminhos”, “Contrastes”, “O Copo”, “Operário” e outros.
A você, Chico Miguel, os nossos parabéns e a nossa satisfação. Poesia não é apenas rima, nem métrica. Poesia é essência, é espontaneidade. “Verso é com a cabeça que se escreve, mas poesias se faz é com o coração.”
Teresina, 18.12.1965
AREIAS
poemas
de francisco miguel de moura
Á minha cidade natal
– Francisco Santos – como
expressão do meu amor telúrico.
DEDICATÓRIA
A meus pais,
a minha esposa,
a meus filhos,
a meus amigos,
Do verso e das ações não contempladas.
Esta será tua
(olha o lápis na orelha)
canção muda e morta.
Poema ? Que importa !
Mais escultural
do que o céu do teu chão.
QUERENÇAS
Quero ter a vaidade dos caminhos:
– dão passagem mas pouco dão abrigo.
Quero ter o orgulho do tufão,
quero ter a tristeza do jazigo.
Quero sentir da tarde a lassidão
e a solidão da noite no deserto,
das pobrezinhas flores – o perfume,
como as nuvens – ficar no céu aberto.
Quero ter emoções de amor secreto,
sentir como se sente uma paixão,
pra cantar glórias e chorar amores.
Quero viver do ideal concreto,
quero arrancar de mim o coração,
incapaz de conter todas as dores.
À MINHA VILA
Entre dois chapadões – terra bendita,
de alma mais pura do que a branca areia,
terra que ouviu, de minha mãe contrita,
rezas a Deus, logo depois da ceia...
És tão humilde e pequenina aldeia
que, pela vida, em nosso peito habita.
Qual semente daquele que semeia,
és semente do amor – terra bendita !
Tens sol, calor e é frio o teu luar,
a gigantesca sombra do juazeiro,
da carnaubeira – o quente farfalhar.
Vê-se, em roda à capela, o casario
como a adorá-la... Ó meu Jenipapeiro!...
De frente: o vale, o lajeado, o rio.
RELÓGIO
Relógio de meu avô,
que foi de meu bisavô,
que era de meu trisavô,
antigo e empoeirado,
na parede a badalar,
matas teu tempo, meu tempo,
badalando, badalando...
Meu tempo mal começou !
Matas segundo a segundo,
dias, horas, meses, anos.
Vejo-te nas agonias
de quem procura vencer
o tempo com galhardia,
vendo tantos desenganos.
Para que serves, relógio
da parede do solar?
Badalando, badalando,
vais acordar a criança.
– Deixa a criança viver
sem pensar na tua história
e menos no teu mister.
Mata o tempo, caladinho,
que ninguém vai-te quebrar.
Não precisamos de ti,
sentinela inconsciente,
teu barulho impertinente
quer o tempo triturar.
Relógio de meu avô,
que foi de meu bisavô,
que era de meu trisavô,
mata teu tempo, calado.
Embala todos os netos:
eles querem libertar-se
na ignorância do tempo.
Deixa que o tempo se vá !...
Relógio de meu avô,
que foi de meu bisavô,
que era de meu trisavô,
vejo-te nas agonias
de quem procura vencer
seu tempo com galhardia,
vendo os nossos desenganos...
CROMO
Sertão seco, de taipa uma casinha,
E o pobretão campônio no batente.
Lá no terreiro, cada qual contente,
Três crianças cantando a cirandinha.
A mãe sustém nos braços um lactente
E à rede embala uma outra criancinha
Que já fala “mamãe”, já engatinha.
Corre a vida feliz com a pobre gente.
Vai a mulher rezando a Ave-Maria.
E o sertanejo assopra as baforadas
De um cigarrão de palha. Finda o dia.
Desponta a lua pelo céu tão cheia
Que o bom matuto, pernas estiradas,
Dorme o sono do justo em branca areia.
CAMINHOS
I
Não dizem donde vêm
nem pra onde vão.
Os caminhos são mudos,
Não sabem se vêm ou se vão.
São brancos, inocentes.
Levam a Roma
(há sempre a cidade grande
onde
se cruzam todos os caminhos
e descaminhos),
levam ao céu,
ao inferno,
ao limbo
ao longo passeio de férias,
às retiradas e às romarias.
Os caminhos são a mais bela,
a mais pura,
a mais santa,
a mais antiga,
a mais fácil
forma de fuga.
(ou de abnegação ?)
e se voa.
Pelos caminhos se vive,
se morre e se tem esperança.
Levam joões (ficam marias)
levam nuvem, levam chuva,
levam fomes, levam vidas
montadas em “paus-de-arara”:
– tudo a caminho do sul.
Por eles vamos à guerra,
por eles voltam medalhas,
por eles cartas não vêm
mas enganos, desenganos.
II
Ter como certa a morte no caminho
é a glória dos que não se cansam,
dos operários do bem e do amor,
dos que nunca pararam
no tropeço da dor.
Assim eu penso, assim eu penso, mas...
Quantos tropeços pelos meus caminhos !
Quantos caem nas pedras dos caminhos !
III
Sede livres, caminhos, para todos,
atravessando oásis ou desertos,
ruas, linhas de ferro ou de arreia.
Sois pão e água dos que nada têm.
Bendigo-vos, amigos meus,
pelos enganos dos que vos trilharam.
IV
Vai, amigo, à tua luta,
leva à frente
o sol dos teus anseios – eis a vida.
E a tua sombra deixa para trás,
a descansar nas pedras dos caminhos.
Que até as sombras caem nos caminhos,
por testemunho vão deixando cruzes.
ESPERA-ESFERA
Esperar... A virtude não se altera.
Esperando se perde, mas se alcança.
Se a vida toda é círculo de espera,
não fiquemos aquém de uma esperança.
Eis a forma cabal: tanto se avança
quanto mais se esperar. Ah, quem nos dera !
E nessa rítmica e terrível dança
que não é “chuva de resignação”,
vem da lira de Deus que se arrebenta.
Essa chuva engravida, com certeza,
a semente do amor no coração...
Abre-se em flor e fruto a Natureza.
PARÓDIA A CAMÕES
(Referência às revisões salariais da classe
trabalhadora, em 1965)
Quantos anos de escravo “jó” servia
o patrão só por simples bagatela;
mas servindo ao patrão, servia a “ela”,
enquanto o preço do feijão subia.
Os dias vinham, a esperança ia,
porque a fome era maior do que ela;
mas o patrão, mais duro, com cautela,
em lugar de aumentar, nem prometia.
Vendo o triste operário que com enganos
lhe era negada a “revisão”, embora
muito justa quisera, e merecida,
continua a servir... (mais quantos anos?)
dizendo: Só quisera que não fora
para a morte o “aumento”, mas pra vida.
CANTAR AREIA
(Paródia a Olavo Bilac, soneto “Ouvir Estrelas”)
Ora (dirá) cantar areia ! Alerto-o
de que perdeu o senso. Digo, entanto,
que areia ou barro, já de nós tão perto,
tonto ! comia, em pequenino, tanto !...
E muitas vezes fico a pensar quanto,
fazendo mal, me conservou desperto
de que dela fui feito por encanto
e hei de voltar a sê-la... Como é certo?!
Dirá que sou amalucado. E eu digo
que nunca um verso teve mais sentido
do que quando se pode tê-la ao pés.
Se nem isto acertei cantar, não ligo:
Coloco a areia que couber no ouvido
e vendo o livro por qualquer “mil-réis.”
MANIFESTAÇÕES DA CRÍTICA
RENOVAÇÃO INTELECTUAL
Pafúncio d’Almaviva*
Pelas publicações que tenho lido ultimamente, consta-me que a Capital do Piauí vem sendo sacudida por uma plêiade de gente nova que deseja, numa prova inequívoca de auto-afirmação, transformar o panorama intelectual da “Cidade Verde”.
Entre essa gente estão Hardi Filho, J. Miguel de Matos, Francisco Miguel de Moura e outros nomes que no momento me fogem à memória.
Certamente esses moços não vêm sendo olhados com bons olhos pelos intelectuais da cúpula dominante. Isso, para mim, não é novidade. Pelo contrário: é coisa muito normal, normalíssima mesmo.
Entretanto, há um pormenor a salientar: ninguém ignora que o futuro pertence à mocidade; que os valores velhos cederão, mais cedo ou mais tarde, o seu lugar aos valores novos e assim por diante, numa sucessão infinita.
A prova disto aí está: livros às mancheias, publicados ou em elaboração, ou mesmo em planejamento. Só de Hardi Filho teremos “Quero”, “Gruta Iluminada” e “Poemas do Sono Ausente”, títulos ainda não definitivos, mas cujo material está quase totalmente pronto.
CHICO MIGUEL deu-nos recentemente “AREIAS”, voluminho que não faz feio aonde chegue. Não fosse a intercalação de algumas paródias e acrósticos (espécies de gosto já superado), teríamos uma obra quase perfeita. E assim por diante.
A meu ver, a essa moçada está faltando apenas o espírito de congregação, pois é sabido que todos vêm lutando isoladamente, na velha base do “cada um por si e Deus por todos.”
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça: no dia em que os grupinhos de moços fundar um jornaleco, terão aí o início da luta. A mocidade que hoje teima por um cantinho ao sol está em fase de maturação, e entre ela há muitos valores e gente de muita fé e talento.
Isto, ao invés de ser um mal, será um bem, uma vez que irá despertar o espírito dormido do povo. E quem muito lucrará com essa surda batalha intelectual será o próprio Estado, que verá reflorescer a sua cultura cujo eco chegará aos mais distantes rincões do país. Assim, saberão outros povos que o Piauí acordou para a cultura. Dessa luta poderá sair (que ninguém duvide) a criação de novas Faculdades ou escolas superiores.
(Publicado no jornal “O Dia”, Teresina-PI, 13 de janeiro de 1967)
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*Pafúncio d’Almaviva é pseudônimo de Francisco Pacelli Vasconcelos, cearense, contista e crítico, residente em Parnaíba – PI.
LIRAS SINFÔNICAS
Herculano Moraes*
Aqui estamos nós para lhes apresentar outro poeta das harpas piauienses. Outro jovem que orna a poesia do Piauí com produções extraordinárias, encantadoras. Trata-se desta vez do festejado autor de “AREIAS”, opúsculo lançado no mercado da curiosidade do povo de nossa terra, nos primeiros meses deste ano de 1966, de grandes e espetaculares lançamentos literários. Francisco Miguel de Moura, ou Chico Miguel, porque assim o chamamos na intimidade, veio ao mundo no dia 16 de junho de 1933. É filho de Miguel Borges de Moura e D. Josefa Maria de Sousa. Seu primário, alicerce indelével do primeiro passo, foi feito com seu próprio pai, que mantinha uma escola particular, depois passando a publica, municipal, em 1941. Nosso focalizado nasceu no povoado Jenipapeiro, pertencente, àquela época, ao município de Picos, deste Estado. Em 1960, o povoado onde nasceu o nosso poeta foi elevado a cidade, com a denominação de Francisco Santos.
Por motivos vários, entre os quais se sobreleva a situação financeira de seus pais, teve que deixar de estudar, voltando somente depois de completar 20 anos, matriculando-se em 1954, no Ginásio Municipal Picoense. Em 1956 fez o concurso de Auxiliar do Banco do Brasil e foi aprovado.
Já funcionário do Banco do Brasil, tendo sido aprovado com boa classificação em concurso realizado em Picos, primeiramente, e depois em Fortaleza – CE, quando passou a integrar o quadro de Escriturários do Banco do Brasil, servindo na Agência de Picos, continuou seus estudos no Ginásio referido e depois na Escola Técnica de Comércio de Picos, hoje pertencente à Associação Comercial daquela cidade, único estabelecimento de ensino médio existente naquela época.
Face à sua inteligência e aos seus conhecimentos, foi transferido para o interior do Estado da Bahia – cidade de Itambé – para assumir as funções de Chefe de Serviço da Carteira Agrícola, onde bem desempenhou suas funções. Entretanto, por motivo de doença em si, em seus familiares aqui (pai, mãe e sogro), não pôde continuar naquelas funções como era sua vontade. Foi transferido para Teresina, por solicitação sua, onde voltou novamente à condição de simples escriturário.
Casado com D. Maria Mécia Moraes Araújo Moura, três rebentos alegram o seu lar: Franklin, Laudimiro e Francisco Júnior. Acha que, entre os que concorrem (ou almejam) a uma cadeira na Imortalidade de nossa Academia de Letras, o escritor J. Miguel de Matos é um dos mais credenciados, não esquecendo o mérito dos demais.
Sua poesia, na maioria das vezes, focaliza a própria vida: Seu labutar incessante e quotidiano, suas desgraças e seus martírios, suas lágrimas e suas dores. Seu poema “O Copo” é uma afirmativa do que dissemos:
“A poesia rústica do copo,
o homem simples vai,
pela manhã que vem,
de sua alma esmagada
ao peso da desgraça,
da pobreza amém.
Bateu na mulher,
Noutras vezes, tateia no mundo da infância passada, e a saudade lhe invade o espírito. Inspira-se. As figuras se embaralham na sua mente. E sua cidadezinha, e berço do seu berço, aparece qual um milagre na noite de sublime inspiração:
“Entre dois chapadões – terra bendita,
de alma mais pura do que a branca areia,
terra que ouviu de minha mãe, contrita,
rezas a Deus logo depois da ceia:
És tão humilde e pequenina aldeia
que, pela vida, em nosso peito habita.
Qual semente daquele que semeia,
És semente do amor – Terra Bendita!”
Chico Miguel é um homem simples. Tem maneira toda sua, toda especial de tratar com suas amizades. Poeta primoroso, seus trabalhos têm beleza e arte, não artifício. Moderno, em todos os sentidos, ultrapassou as barreiras do parnasianismo e do simbolismo como escolas, e trouxe, para os apreciadores da Poesia, um estilo novo e diferente para este Piauí, que ainda não havia conhecido o verdadeiro sentido da poesia moderna. Não porque todos sejamos ignorantes no assunto, mas porque as classes que nos deviam orientar no caminho da moderna literatura divorciam-se da juventude, e deixam-na à mercê de alienações. Chico Miguel é diferente: – Intrépido e audacioso, lutou, venceu, realizou-se.
(Lido no programa radiofônico “LIRAS SINFÔNICAS”, Rádio Pioneira de Teresina, em 10 de maio de 1967, das 9,30 às 10 horas). Autoria e locução de Herculano Moraes).
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*Herculano Moraes poeta e jornalista, membro do Círculo Literário Piauiense (CLIP).
COMENTANDO
Samuel Filho*
Alguns dias atrás, li o 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, de autoria de J. Miguel de Matos, recentemente lançado em nossa Capital. A leitura que fiz da referida antologia poética teve como único objetivo – apesar de o autor desta coluna não ser crítico literário – chegar a uma conclusão de qual um dos poetas mais talentosos ali existente. Portanto, a minha preocupação capital foi, única e exclusivamente, ler com atenção e, às vezes, reler as poesias dos vates que compõem o 2º tomo de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, impossibilitado, por conseguinte, de fazer um juízo da obra de J. Miguel de Matos. No entanto, qualquer pessoa interessada pelo progresso das letras em nosso Estado, – onde existe a carência de ajuda dos nossos poderes públicos aos homens que se dedicam à literatura, – tem um mérito a dar ao autor de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, por o mesmo ter sido o único que teve a patriótica iniciativa de reunir a maioria dos brilhantes poetas piauienses do passado e do presente em três volumes (o 1º e o 2º já lançados e o 3º a ser lançado futuramente). Nada mais posso dizer sobre ele.
Li minuciosamente as poesias de todos os poetas incluídos naquela antologia. É inegável dizer-se que o Piauí teve e tem muitos valores, nas artes literárias, que se pode considerar como a lídima expressão do estro propriamente dito. Na minha leitura tive a oportunidade de conhecer diversos vates até então por mim desconhecidos, senhores de um coração sensível, exuberante, dos mais belos sentimentos humanos, semelhante a uma fonte inesgotável de águas cristalinas. Enfim, pode-se dizer com orgulho que o Piauí é berço de grandes vocações poéticas, que abordaram os mais variados temas, portadores das diversas mensagens: uns cantavam as próprias mágoas e queixas, e outros, o amor, a paixão, o sexo, a paz, a natureza, a bondade e as injustiças sociais, projetando-se brilhantemente no classicismo, no romantismo, no parnasianismo, no simbolismo e no modernismo.
Nós sabemos que o gosto varia, bem como as opiniões em torno de um determinado assunto. Partindo deste princípio, quero dizer que dos poetas que integram o 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, Francisco Miguel de Moura é um autêntico filho das musas, talvez, senão o mais talentoso que figura naquela antologia poética. Para o leitor ter uma idéia das poesias do autor de “AREIAS”, transcrevo aqui, da obra de J. Miguel de Matos, alguns versos de um poema do poeta:
“Quem já viu uma pedra chorar?
“Eu já vi uma pedra chorando...
A pedra chorava a todos os jumentos adernados
de ancoretas pesadas às costas;
chorava às pobres lavadeiras das roupas sujas
de homens que querem ser limpos
ao menos na roupa.”
Como o leitor viu – estes versos do poema “O pranto da pedra”, o qual não transcrevo na íntegra por exigüidade de espaço, é um canto de quem sente à flor da pele o procedimento corrupto dos grupos privilegiados que se beneficiam do trabalho honrado da grande maioria injustiçada. A mensagem social é uma das mais fortes características da poesia de Francisco Miguel de Moura, que sente profundamente o desequilíbrio social entre as classes, tornando-se como um autêntico poeta que é, um porta-voz das angústias coletivas.
Na poesia de Francisco Miguel de Moura há outros traços, porém o poeta se sobressai naquele. Além do mais, a sua poesia é moderna, livre dos ditames superados das escolas passadas, original, de estilo simples, espontânea. Estas são as qualidades de um dos mais talentosos poetas que estão biografados no 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”.
(Publicado no jornal “O Dominical”, Teresina, 7 de março de 1968).
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*Samuel Filho é jornalista piauiense e comentarista literário.
Do poeta Francisco Miguel de Moura, da cidade de Teresina, Estado do Piauí, recebemos o livro de versos de sua lavra denominado “Areias”.
Com muito prazer entramos em contato, através desse livro, com a alma sensível de Francisco Miguel de Moura, o poeta que, com ritmos agradáveis, transmite as suas emoções pelas palavras inspiradas da poesia.
E pela música e pela sentimentalidade dos seus versos, ele nos fala da infância, da sua vida, dos pobres campônios, do sertão seco, dos enganos, dos desenganos, das guerras, das medalhas, do sofrimento, dos infortúnios da seca, das tragédias da fome, do sofrimento dos retirantes, enfim, ele nos fala da vida com os seus contrastes chocantes para a sua personalidade emotiva.
O livro “Areias” reafirma que o Brasil tem, de fato, poetas em todos os seus rincões e que é seu autor - coração que vibra diante das alegrias e tristezas do mundo, e se expande em versos de delicada emoção.
Entre vários poemas do livro, de significativa poesia, escolhemos, para mostrar aos leitores, o soneto “Espera – Esfera”, que nos diz das virtudes do amor e da bondade do poeta Francisco Miguel de Moura:
Esperar... A virtude não se altera.
Esperando se perde mas se alcança.
Se a vida toda é círculo de espera,
não fiquemos aquém de uma esperança.
Eis a forma cabal: tanto se avança
quanto mais se esperar.Ah, quem me dera!
E nessa rítmica e terrível dança
esses desgastes ficam nas andanças
das estrelas – excêntricas e feras.
Alma sedenta, em que te desalteras?
Mourejando no amor de tantas eras,
cultiva o bem e espera as esperanças.
Obrigado, caro poeta, pela gentil oferta do seu livro “Areias”, outra valiosa obra para a minha estante de livros de amigos.
(Publicado em “A TRIBUNA”, de Taubaté-SP, 25 de setembro de 1970).
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* Inocêncio Candelária é jornalista e poeta, fazendo publicar seu artigo acima também no “Diário de Mogi”- SP, 15 de junho de 1971.
AREIAS – POESIAS E COMUNICAÇÃO
Pedro Marques*
O livro de poesias “AREIAS”, de autoria de Francisco Miguel de Moura, contém notáveis particularidades e virtuais semelhanças. Ele, em alguns poemas, de pensamento em pensamento, desce e arranca de si mesmo o passado pessoal vivido, exteriorizando-o no presente. Essa constante procura de alguma coisa nas entrelinhas percorre todos os versos como um recurso rítmico exaltante; e, deste modo, oferecendo novo sentido às palavras no texto das conotações verbais, como se fosse um inusitado desejo do poeta de enxergar o invisível; essa tendência expressional toma conta de tudo, infiltrando-se no íntimo delicado das idéias.
Há poetas que falam das coisas com os olhos do espírito enfiados no oculto e no mistério; por tal razão subjetiva aquilo que parece uma coisa é outra muito diferente. As palavras expressam ou representam apenas aparências; na realidade do contexto, elas simbolizam pontos de referência cujo sentido traduz aquilo que não pode ser expresso, o indizível, mas aquilo que é apenas sentido.
Neste ponto, sentimos nos versos de Francisco Miguel de Moura uma louvável influência de Carlos Drummond de Andrade. Especialmente quando há motivação de comunicar a paisagem subjetiva que comove o coração, mas não se pode traduzir por palavras e nem se pode compreender.
Outra influência observada nos poemas de “AREIAS” é a meticulosidade fina cujo traço se adelgaça pela natureza expressional de uma sintaxe bem ajustada à realidade percepcionada onde sempre fica registrada a mensagem autêntica de um poeta vocacionado. Esse tipo concepcional é a razão última da técnica lírica de nosso genial Da Costa e Silva. Recurso que até certo ponto é uma característica clássica. Constitui uma forte razão do poema objetivo que atinge a verdade pelo natural e pelo simples.
O livro “AREIAS” coloca-se entre as melhores coisas que se divulgaram no Piauí, em poesia.
Com tais considerações, leva-nos a acreditar no poema que, usando diferentes fontes, conseguirá realizar-se obra digna da melhor referência crítica. Demais, convém salientar, nesta altura, que ele usou tais recursos com oportunidade inegável e talento, não se deleitando no prosaísmo prejudicial. O sentido poético das imagens cresce e desce na medida em que o poema atinge o auge de significação, onde as palavras se apresentam carregadas de mistério, cheias de vigor, numa infinita sensibilidade da vida.
No sentido material o poeta usou o meio ambiental para encontrar o elemento isolado. Essa estética mais de precisão visual da mecânica sintática conduziu-o a uma precisão lógica que ultrapassou o limite da poesia. Falou no “orgulho do tufão”, na vaidade dos caminhos” e “na tristeza do jazigo”, frases que correlacionadas no texto do poema têm sentido poético, mas fora dele oferecem em si uma frouxidão metafórica, liricamente dominada pela força de um homem espiritualmente maturado pela verdade da vida.
Possui uma especial força comunicativa, fazendo-nos vagar o pensamento por diversas direções, umas perceptíveis, outras apenas sentidas.
(Publicado no jornal “O ESTADO”, Teresina, 30 de agosto de 1971)
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*Pedro Marques é contista dos melhores de sua geração e escreve também notas de crítica literária.
ÍNDICE
(Pelo primeiro verso de cada poema)
A meus pais .........................................................
A aranha na teia ..................................................