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Poesias-->AREIAS -- 30/05/2011 - 15:19 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


 













 



 



 



 



 



 



 



 



                   



 



 



 



   a r e i a s



 



                           



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



                   francisco miguel de moura



 



 



 



 



 



 



 



 



                  A R E I A S



                           



 



                    (2ª edição, revista)



                            _____   *   ______



                              Capa: Hardi Filho



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



NOTA DA 1ª EDIÇÃO



 



         Fontes Ibiapina



         ( Da Academia Piauiense de Letras)



 



 



         Temos em mãos uma estréia. Entramos em contato com um neófito. Mas noviço que não traz em si um conteúdo monótono, insosso ou desenxabido, como sempre sói acontecer aos marinheiros de primeira viagem. Francisco Miguel de Moura (ou simplesmente CHICO MIGUEL como o tratamos na intimidade), com AREIAS, vem de transpor o portão do Parnaso de pé direito à frente.



         AREIAS. Batismo aparentemente vago para o frontispício de um livro. Por isso mesmo sugestivo. Impressiona, sobretudo, pela simplicidade do termo, emprestando, numa comunicabilidade emocionante, muito de simpatia ao leitor bem avisado. Em todo o conteúdo da obra encontra-se uma intimidade contagiante, familiarizando e irmanando, na tela da padronagem do seu pano-de-fundo – o poeta, o livro e a terra. É a lâmina de cristal da inteligência rara e lúcida de um moço refletindo a vida do homem deste chão de clima equatorial que às vezes nos martiriza com o seu chicote de fogo, mas também nos fornece calor, luz e energia para a luta na vida pela vida. Nasce da “areia branca” do Riachão que “bota banca no coração” do menino de Jenipapeiro de ontem, que dormita em estado latente, embalando-se na rede de saudade, no peito do poeta de hoje. Jenipapeiro de ontem “entre dois chapadões”, “de alma mais pura do que a branca areia”, que hoje ostenta panca de cidade com outro nome.



         E vem a adolescência. “Há romance no muro.” Há amores. O medo domina, como sempre domina mesmo o medo em todo adolescente quando ensaia os primeiros passos na iniciação dos mistérios para a perpetuação da espécie.



         Passa o adolescente. Passa o jovem sensato, caminhando para o amadurecimento. Passam amores. Idílios. Passam cânticos. Até que a realidade da vida, em suas facetas concretas, assoma numa curva da estrada da veracidade da vida. Vem o homem que sofre. O único animal do mundo que ri e chora. O animal que nasce chorando e morre chorando. Vem o homem sem pão, sem amparo, sem destino:



                “Pelos caminhos, sem nada,



                                               se nada,



                                               se anda,






















 




 



                                               se   voa,



                     pelos   caminhos   se vive,



                     se morre se tem esperança.”



         É no poema “Caminhos” onde Chico Miguel afina a lira do seu estro no diapasão da filantropia:



                   “Por eles vamos à guerra,



                    por eles voltam medalhas,



                    por eles cartas não vêm,



                    mas enganos, desenganos ...”



         É o drama da seca. A tragédia fome. A epopéia do retirante. O poema “Caminhos” é o pico culminante de AREIAS, onde o poeta, como um Ícaro, desprende as asas de sua imaginação dando azo seu sentimento humanitário. Sentimento humano também autenticado, além de em diversas passagens outras, nesta chave-de-ouro de um dos seus sonetos:



                   “Com sete pães deu mesa à multidão



                    o bom Jesus. Bendito o Cristianismo



                    que multiplica para a divisão.”






















 




 



         Mas estamos falando de um poeta. De um postulante, é verdade. Mas postulante com caracteres de titular, capaz de sentar-se a um fauteuil de cenáculo e reger, com sua batuta de veterano na arte do verso, um orquestra de musas. Estamos falando de um poeta, e nada temos de estro nas veias. Seria como se um simples garimpeiro de nossos sertões bravios, lá nos confins de Minas ou Goiás, dando votos e discutindo acerca duma oficina de lapidação da Holanda. Mas é que sentimos, como outros leitores hão de sentir, que o vate de AREIAS, num vocabulário singelo e despretensioso, sem palavras rebuscadas ou quaisquer outros pernosticismo de intelectualidade doentia, firma-se como uma personalidade entre os nossos homens de letras. Se escreve poesias rimadas e metrificadas, com traços de belle époque, pisa firme, não resta dúvida. Mas, quando escreve versos de pé-quebrado, versos brancos, soltos, segundo a poesia moderna, é maior. Vamos abusar do pleonasmo, admitindo o qualificativo grande na primeira escola, é mais grande na segunda. É o caso dos poemas: “Dedicatória”, “Areia”, “Caminhos”, “Contrastes”, “O Copo”, “Operário” e outros.



         A você, Chico Miguel, os nossos parabéns e a nossa satisfação. Poesia não é apenas rima, nem métrica. Poesia é essência, é espontaneidade. “Verso é com a cabeça que se escreve, mas poesias se faz é com o coração.”



 



Teresina, 18.12.1965















 

 












 




 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 





AREIAS



 



poemas



de francisco miguel de moura



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



                                      Á minha cidade natal



                                      – Francisco Santos – como



                                      expressão do meu amor telúrico.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 






















 




 



        



 



 



 



 



 



DEDICATÓRIA



 



 



         A meus pais,



         a minha esposa,



         a meus filhos,



         a meus amigos,



 



                            minha vida,



                            meu amor,



                            minhas esperanças,



                            minha compreensão,



 



         ofereço, consagro, dedico



         de todo o coração.



 



 



 



 



 



 















 

 












 




 



 



 





         AREIAS



 



         A aranha na teia,



         a vida na telha,



         a vida na fome:



         – vê que coisa feia !



 



         A areia branca



         de tua infância



         te “bota banca”



         no coração...



 



         O menino na areia:



         – “Que coisa feia”!



         a mãe lhe ralhou,



         o pai lhe relhou,



         ele se enrolou:



         Rolou-se, ralou-se,



         caiu: pó, areia...



 



         Vinha a “papa-ceia”,



         vinha a lua cheia,



         e o menino deitado,






















 




 



         deitado na areia



         branca, fina, feia.



         Depois: peia ! peia !



 



         Mareia, careia,



         infância de areia,



         molhada de sangue,



         de suor e sangue.



                  



 



         Não deixes que a areia



         branca da infância



         enferruge e coma



         tua coragem.



 



         Como a aranha tece,



         tece a tua teia.



        



        



 



 






















 




 



PROCURA...



 



                   I



Estrela não é poesia.



Lua não é mais poesia.



Romance não é poesia.



Há muitos adjetivos



sumariamente arquivados.



 



O poema ficou prosa.



E tem vergonha de ser



escrito em qualquer lugar.



Mas há romance no muro,



à noite, quando a mocinha



ainda beija, ainda abraça,



ainda esconde o namorado.



E Deus em todo lugar !



 



Escuro.



Alguém salta o muro,



vai beijar, vai abraçar,



na areia vai se deitar



e vai muita coisa mais !






















 




 



Só Deus sabe, só Deus sabe.



A negrinha salta o muro.



O negrinho salta o muro.



A luz não pode saltá-lo.



 



Amanhece escriturado



com palavras que viveu



e não pode pronunciar:



– O muro desta cidade.



E Deus em todo lugar.



 



Há tanto nome escondido



na vida modernamente !



Só Deus sabe, só Deus sabe.



 



 



 



 



 



 



 



                   II

Encosta o lápis na orelha,



descansa poeta, descansa,



que teu dia chegará:



– Decifrarás inscrições



da noite, a medo, sem fé



(com esperança somente).






















 




 



Decifrarás nas sentinas



sentenças condenatórias,



decifrarás muito mais.



 



Que ouças (não ouçam)



pensamento claro,



pensamento mudo,



pensamento torto.



Plantas nova ressurreição



Do verso e das ações não contempladas.



 



Esta será tua



(olha o lápis na orelha)



canção muda e morta.



 



Poema ? Que importa !



Mais escultural



do que o céu do teu chão.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 















 

 












 




 



 



 



 



 



 



 



 



 



 





QUERENÇAS



 



 



Quero ter a vaidade dos caminhos:



– dão passagem mas pouco dão abrigo.



Quero ter o orgulho do tufão,



quero ter a tristeza do jazigo.



 



Quero sentir da tarde a lassidão



e a solidão da noite no deserto,



das pobrezinhas flores – o perfume,



como as nuvens – ficar no céu aberto.



 



Quero ter emoções de amor secreto,



sentir como se sente uma paixão,



pra cantar glórias e chorar amores.



 



Quero viver do ideal concreto,



quero arrancar de mim o coração,



incapaz de conter todas as dores.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



À MINHA VILA



 



 



Entre dois chapadões – terra bendita,



de alma mais pura do que a branca areia,



terra que ouviu, de minha mãe contrita,



rezas a Deus, logo depois da ceia...



 



És tão humilde e pequenina aldeia



que, pela vida, em nosso peito habita.



Qual semente daquele que semeia,



és semente do amor – terra bendita !



 



Tens sol, calor e é frio o teu luar,



a gigantesca sombra do juazeiro,



da carnaubeira – o quente farfalhar.



 



Vê-se, em roda à capela, o casario



como a adorá-la... Ó meu Jenipapeiro!...



De frente: o vale, o lajeado, o rio.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



RELÓGIO



 



Relógio de meu avô,



que foi de meu bisavô,



que era de meu trisavô,



antigo e empoeirado,



na parede a badalar,



matas teu tempo, meu tempo,



badalando, badalando...



Meu tempo mal começou !



 



Matas segundo a segundo,



dias, horas, meses, anos.



Vejo-te nas agonias



de quem procura vencer



o tempo com galhardia,



vendo tantos desenganos.



 



Para que serves, relógio



da parede do solar?



Badalando, badalando,



vais acordar a criança.



– Deixa a criança viver



sem pensar na tua história



e menos no teu mister.



 



Mata o tempo, caladinho,



que ninguém vai-te quebrar.



Não precisamos de ti,



sentinela inconsciente,



teu barulho impertinente



quer o tempo triturar.



 



Relógio de meu avô,



que foi de meu bisavô,



que era de meu trisavô,



mata teu tempo, calado.



Embala todos os netos:



eles querem libertar-se



na ignorância do tempo.



Deixa que o tempo se vá !...



 



Relógio de meu avô,



que foi de meu bisavô,



que era de meu trisavô,



vejo-te nas agonias



de quem procura vencer



seu tempo com galhardia,



vendo os nossos desenganos...



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



CROMO



 



 



Sertão seco, de taipa uma casinha,



E o pobretão campônio no batente.



Lá no terreiro, cada qual contente,



Três crianças cantando a cirandinha.



 



A mãe sustém nos braços um lactente



E à rede embala uma outra criancinha



Que já fala  “mamãe”,  já engatinha.



Corre a vida feliz com a pobre gente.



 



Vai a mulher rezando a Ave-Maria.



E o sertanejo assopra as baforadas



De um cigarrão de palha. Finda o dia.



 



Desponta a lua pelo céu tão cheia



Que o bom matuto, pernas estiradas,



Dorme o sono do justo em branca areia.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



CAMINHOS















 

 












 



 




 



 





                   I



Não dizem donde vêm



nem pra onde vão.



Os caminhos são mudos,



Não sabem se vêm ou se vão.



 



São brancos, inocentes.



Levam a Roma



(há sempre a cidade grande



                                    onde



se cruzam todos os caminhos



e descaminhos),



levam ao céu,



ao inferno,



ao limbo



ao longo passeio de férias,






















 




 



às retiradas e às romarias.



 



Os caminhos são a mais bela,



                            a mais pura,



                            a mais santa,



                            a mais antiga,



                            a mais fácil



                            forma de fuga.



                            (ou de abnegação ?)



Pelos caminhos, sem nada,



                             se nada,



                             se anda,



                             e se voa.



Pelos caminhos se vive,



se morre e se tem esperança.



 



Levam joões (ficam marias)



levam nuvem, levam chuva,



levam fomes, levam vidas



montadas em “paus-de-arara”:



– tudo a caminho do sul.



 



Por eles vamos à guerra,



por eles voltam medalhas,



por eles cartas não vêm






















 




 



mas enganos, desenganos.



 



                   II



Ter como certa a morte no caminho



é a glória dos que não se cansam,



dos operários do bem e do amor,



dos que nunca pararam



no tropeço da dor.



 



Assim eu penso, assim eu penso, mas...



Quantos tropeços pelos meus caminhos !



Quantos caem nas pedras dos caminhos !



 



                   III



Sede livres, caminhos, para todos,



atravessando oásis ou desertos,



ruas, linhas de ferro ou de arreia.



Sois pão e água dos que nada têm.



Bendigo-vos, amigos meus,



pelos enganos dos que vos trilharam.



 



                   IV



Vai, amigo, à tua luta,



leva à frente



o sol dos teus anseios – eis a vida.



E a tua sombra deixa para trás,



a descansar nas pedras dos caminhos.



 



Que até as sombras caem nos caminhos,



por testemunho vão deixando cruzes.















 

 












 




 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 





ESPERA-ESFERA



 



Esperar... A virtude não se altera.



Esperando se perde, mas se alcança.



Se a vida toda é círculo de espera,



não fiquemos aquém de uma esperança.



 



Eis a forma cabal: tanto se avança



quanto mais se esperar. Ah, quem nos dera !



E nessa rítmica e terrível dança



compomos,  recompomos nossa esfera.



 



Não cantemos perdidas esperanças.



Esses desgastes ficam nas andanças



das estrelas – excêntricas e feras.



 



Alma sedenta, em que te desalteras?



Mourejando no amor, por tantas eras



cultiva o bem e espera as esperanças.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



CANÇÃO DO VENTO



 



Quero ir à casa do vento,



ver tudo quanto ele faz



quando sai de madrugada.



(Ah, meu tempo de menino,



o vento leva e não traz !...)



 



Ver se toma o desjejum,



se escova os dentes, se veste



seu agasalho, se ouve



o relógio despertador.



(Está zunindo demais !...)



 



Se veste uma roupa nova



no feriado ou domingo.



(Vento das minhas idéias,



tal como as águas dos rios,



levas tudo para o mar:



– o mar do meu coração !)



 



Parece que cada dia



olha o tempo na parede.






















 




 



Parece que cada dia



O vento não é o mesmo:



– vem limpo, de roupa nova.



(Se vem da serra – serrano,



marítimo – se vem do oceano,



do norte – é o parnaibano,



ardente de sol e sal).



 



Peca contra a castidade,



jogando, de supetão,



areia em todos os olhos.



(E vai levantando saias,



naquela agoniação !)



 



O vento dança demais.



Dança até “rock-and-roll”.



Toma cachaça da boa,



pra virar um redemunho.



Dizem ser alma penada



que ali por perto passou



e deu de pagar as penas.



 



Saias bonitas ao vento !



Miséria ! Areia nos olhos.















 

 












 




 



 





Eu não acredito, não,



que o vento seja tão mau.



 



Sonhei tanto ser o vento,



penetrar qualquer lugar,



até mesmo o pensamento.



Beijar quem muito quisesse,



sem ter que pedir licença



à mulher de Putifar,



à filha de São Joaquim,



nem a Deus nem a ninguém.



 



Quero ir à casa do vento,



quero cidade do vento.



Quero ir à rua do vento...



(Qual é o número da casa ?)



 



Peço-te, ó vento qualquer,



não te fiques amuado:



– Pode dar em calmaria



que, segundo nossa história,



foi a causa principal



da descoberta/Brasil.



 



(Ah, meu tempo de menino,



que o vento não trouxe mais !...)



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



MILAGRE DA DIVISÃO



 



 



 



A burguesia é tonta de ganância,



somando, multiplica bens de terra.



Dá, egoisticamente, em abundância,



à traça. E tudo em podridão encerra.



 



Fico a cismar no tempo do Messias,



na multidão faminta de justiça,



vendo o Cristo trazer melhores dias,



vergastando o orgulho e a vã cobiça.



 



E hoje arrenego a quem, pelo egoísmo,



lança o mundo em miséria e confusão



e espezinha de Deus o catecismo.



 



O bom Jesus deu mesa à multidão



com sete pães. Bendito qualquer “ismo”



que multiplique e faça  a divisão.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



PROBLEMA DA DOR



 



 



 



Quero dizer à minha dor: Bendita,



vem consolar-me pela vida ! Embora



minha alma queira confirmar, aflita,



a confusão da  primitiva hora.



 



Dor sublimada, chegará teu dia?



A grande página universal escrita



nas belas artes, teu clamor desfia.



Toda a matéria torturada grita.



 



Falo da dor que se tornou profana,



cá neste abismo de paixão humana,



em desespero, por se ver descrida.



 



Não se descrevem os desvão da alma,



quando ela aspira, fervorosa, à palma



de eternizar-se – eternizando a vida.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



DÚVIDA



 



 



Oh mistério ! Não creio... Sou obtuso.



É, muitas vezes me recuso a crer



que se tenha nascido pra morrer.



Será determinismo o que recuso ?



 



A própria vida às vezes eu acuso,



porque me faz gozar, me faz sofrer...



E é mais triste que possa parecer



o sofrer do inocente... Estou confuso !



 



Se Deus existe, tudo me faz crer



que seu orgulho sádico é tão forte



que só nos cria para o seu prazer.



 



Mas outras vezes penso d’outra sorte:



– Um velho Deus, coitado, a padecer,



arrependido por ter feito a morte.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 






















 




 



PERDIDA ESPERANÇA



 



 



 



Perdi o trem das minhas esperanças,



sem pressentir perder real transporte



deste abismo de vida... E já sem norte,



chego a pensar perigos e vinganças.



 



Corpo e alma,  meus pratos na balança,



quais sinetes fatídicos da morte:



O que me deram pra marcar a sorte,



desde os meus verdes tempos de criança.



 



E houve caminhos, descaminhos... Forte,



eu não fui forte ! E carreguei distâncias.



E a ternura de mãe foi meu suporte.



 



Ah se os meus restos encontrassem paz !



Fariam tudo para ser mortais,



ferindo a evolução das substâncias.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



DIVAGAÇÕES SOBRE O AMOR



 



 



 



O erro de Adão: amar. Algum desvelo



Eva mostrou? A isto não se alude.



Sansão, no amor, a força cresce... O pêlo,



Dalila corta-o com solicitude.



 



Jacó serviu como pastor sete anos,



dizendo que outros tantos serviria



porque amava. Não teve desenganos ?



Quem foi grande no amor: Raquel ou Lia ?



 



Naquela noite, da fogueira à luz,



Pedro negou e não ficou malquisto.



De Tomé a descrença me seduz.



 



No amor eu creio. Só não tenho visto



a Virgem-Mãe chorando aos pés da Cruz,



nem Madalena aos pés de Jesus Cristo.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



FILOSOFIA DO TRIVIAL



                  



 



 



Acendido o cigarro, o fumo passa



a alongar-se pro alto, com desdém.



Outro cigarro acende-se e a fumaça



voa do peito... Vai procurar quem?



 



Porque tão longe em cinza se consome,



voltamos a pensar outra desgraça,



outra tristeza que não sei do nome.



E a nossa vida esvai-se e se adelgaça !



 



Por um momento cresce e se avoluma,



por um momento cria a dor das crenças,



por um momento se transforma em bruma.



 



Pensando bem (ou mal), a vida passa:



Um punhado de crenças e descrenças,



um minuto, um cigarro, uma fumaça !...



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 






















 




 



C’ EST FINI



 



 



 



Eis a negra batendo à minha porta.



Saí pensando que o correio fosse.



– Passa-me, por favor, teu passaporte,



vamos partir... Já chega de matéria !



 



Pensei num filme de Carlitos, disse-lhe:



– Muito bom dia, a seu dispor, senhora !



Com a cara mais feia deste mundo,



estende o braço, me apontando o chão.



 



O olhar feria o fundo do meu ser:



Como um longa-metragem, apareciam



o filho, o livro, a árvore plantada...



 



E um seguro de vida na parede,



a receita do médico à cabeceira,



meus desejos ficando... E eu partia !



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



CONTRASTES



 



A menina negra



da cidade grande



foi morta por branco



na rua preta.



 



Corre-corre de gente na rua



jogando livros (os estudantes)



jogando tanta coisa (o povo)



nos policiais.



 



Muita gente se misturou com cassetetes



e com bombas de gás.



Uma flor morreu



porque era preta.



 



Preto no preto:



– flor pretinha no asfalto !



Ninguém sabe depois.



 



Mandaram lavar com soda cáustica






















 




 



o sangue vermelho da menina preta,



coalhado no preto asfalto.



 



Faltou sangue vermelho



da menina preta



no hospital.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 






















 




 



O COPO



 



A poesia rústica do copo,



o homem simples vai,



pela manhã que vem,



brindar à solidão



de sua alma esmagada



ao peso da desgraça



da pobreza amém.



 



Bateu na mulher,



brigou com o amigo,



discutiu com o patrão,



perdeu o trabalho:



– Vai para o copo,



único amigo que o fará sonhar



e esquecer



e perdoar



a vida que passa rondando



pelo fundo dos olhos bons.



 



Não o condenem por isto.



É um santo desconhecido.



Sua vida não lhe vale



Consolação.






















 




 



        



         Também o copo



– entornado e consciente –



sem esperança de chorar



a última lágrima do dia



antes do poente,



preferiu suicidar-se



sub-repticiamente.



Sua vida não lhe vale.



Consolação



 



..................................................



Eu quero também beber poesia



no copo da imaginação,



todo santíssimo dia.



Quero ficar tonto no chão,



acreditar no mundo,



no movimento.



Na vida.



Essa vida que não me vale



Consolação.



 















 

 












 




 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 





RECADO A PAPAI NOEL



(De uma criança pobre)



 



Vou te pedir, pai,



um presentinho.



Não te assustes, hem ?



É tão pequenino



como eras nos braços



de tua senhora, mãe.



 



Quando esperam ricos



presentes nos sapatos,



os meninos de ricos,



nas noites de Natal,



por teu senhor, pai,



por tua senhora, mãe,



traz-lhes seus brinquedos



(alta noite os traz),



há procura cedo.



 



Para os pobres meninos






















 




 



de sapatos pobres



ou de pé no chão,



não !



Eles sabem que és



um papai de ilusão.



Mesmo que recebam,



não te louvarão:



– Não sabem brincar



com presentes ricos.



 



Os meninos ricos



de belos sonhos louros,



de leitos fofos,



de sapatinhos macios,



tem tanta certeza



do seu presentão.



Pode ser fatal



uma decepção.



 



         ...



Eu, por mim, te digo,



contente ficaria



de ver os presentes



ricos, de meninos



ricos, em sapatos



ricos, macios e novos,



entre meus sorrisos



livres e amarelos



e as grades de ferro



dos seus grandes jardins.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 






















 




 



O OPERÁRIO



 



 



Faz da vida o ganha-pão:



– este cava a sepultura,



aquele constrói o berço;



este forja uma enxada,



aquele o campo semeia;



este forma o sindicato,



aquele é caixa no banco;



este fabrica o rosário,



aquele faz o canhão...



(Faz da vida o ganha-pão)



Aquele bebe cachaça,



este não bebe cachaça;



este é triste e solteirão,



com muitas cruzes no sangue,



no bolso nenhum tostão;



aquele fabrica filhos



e ganha salário mínimo,



e morre de inanição.






















 




 



Faz da vida o ganha-pão



o pobre trabalhador,



enquanto o quer o patrão.



Faz da vida o ganha-pão!...



Mas o pão é quem lhe ganha.



 



Onde está a sua vida?



Onde fica o seu futuro?



Filharada, humilhação,



doenças, briga em família



e “mincha” aposentação.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



VISÃO DO RIO PARNAÍBA



(Com o perdão de Da Costa e Silva, o maior dos poetas piauienses).



 



Parnaíba, te vejo intensamente,



na dor de “velho monge” resignado,



a dar vida, prendido na corrente,



a derramar-te  longe, e fatigado.



 



No rijo dorso levas, noite e dia,



lendas, canoas, barcos, pescadores.



E em cada braço, a verde ramaria



enfeitada de rendas e de cores.



 



Sem bordão, sem rosário, sem vaidade,



desafias o sol, a areia ardente,



abraçando cidade e mais cidade.



 



Nessa faina, ora calma, ora inquieta,



humildemente, carismaticamente,



cantas do canto que cantou o poeta.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 






















 




 



CANTO DO AMOR SINCERO



 



 



Geograficamente meia,



mas  anda de pé no chão.



 



Entre Maranhão e Ceará



está sepultado o Piauí,



na sede e na fome,



apesar da SUDENE.



 



Da Costa e Silva, o poeta



da saudade e do seu rio,



e da terra de Mafrense:



– nada mais que se ouça e pense.



 



Nossas boiadas e carnaubais,



babaçuais, frutas do mato






















-




 



(caju, piqui, tucum, buriti



e tantas mais)



que ficam no mato.



Riacho sem pontes, rios sem barragens,



veredas poeirentas, lamaçais,



apesar  do DNER e da PETROBRÁS.



        



O Brasil de tamanco e de chapéu



         de palha.



         Terra do boi ! Foi, foi !...



         “O meu boi morreu. Que será de mim?”



 



         Na Academia Brasileira de Letras?



                            Félix Pacheco.



         Apesar do DNOCS – o sertão seco.



 



         À direita – “ o velho monge”,



         à esquerda – os Cariris,



         ao norte – a Pedra do Sal,



         ao sul – um dedinho de Goiás



                   (onde o Tocantins).



                                ...



         Bumba-meu-boi está lá no livro,



         mas inda temos reisado.



         (“Boi, boi, vamos vadiar...



           ei dim... ei dá...



           Do boi, a chandanca



           é do Chico Tampa;



           do boi, a gaiteira



           é da mulher solteira.



           Do boi, o patim,






















 




 



           este é só pra mim...”)



 



           Era brincadeira



           pela noite inteira



           em toda a ribeira.



           Agora, do boi, só resta



           a caveira.



           Não é brincadeira....



                              NÃO É BRINCADEIRA!...



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 






















 




 



         PAQUETÁ



 



 



         Já foste à ilha de Paquetá?



         – Vi muita coisa que não se diz:



         praia chamada dos Namorados,



         pedra chamada da Moreninha.



 



         O cemitério (pois me disseram):



         Será bem doce morar ali,



         vendo os turistas e as charretes.



         Vestida, a morte, de alegre assim,



         ante meus olhos, nunca tivera.



 



         Será que a lua de Paquetá



         não põe na ilha certo maná?



 



         Pra mim, a ilha de Paquetá



         foi como um sono dentro do sonho...



         Já nem me lembro se estive lá.



        



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



RIO QUATROCENTÃO



 



 



Coração descabeçado,



Guanabara – guaraná.



 



Copacabana, o salão,



Praia que desce da serra,



areia que vem do mar.



Tem a sereia da terra,



tem sereias de outras terras



e as sereias do mar.



 



Ó mar, lavai as morenas,



mas bem morenas deixai !



 



Rio de roupa por dentro,



rio de carne por fora,



Rio de janeiro a julho,



de  agosto a dezembro, enfim,



és um só Rio de todos,



neste Brasil sem confins.



 



Eu te podia louvar, hem,






















 




 



num soneto ou num hai-kai.



 



Mas o rei fica em Brasília...



Oh, que besteira !... Lá vai !



 



Lavai, ó mar, as pequenas,



mas bem gostosas deixai !



 



Há um Cristo em Corcovado,



querendo nos perdoar



(as besteiras e os pecados)



ou, quem sabe, agradecer-te



o tudo que podes dar:



– O sal das tuas morenas,



o coração do teu povo,



o mangue, a favela, o morro...



Guanabara – guaraná...



 



Teus pecados são de santa,



menina – moça faceira !...



Lavados pelos teus sambas,



lavados pelos teus risos,



teus pecados carnavais



são águas que vão na onda



e voltam purificadas.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



POEMA PARA MARIA



 



 



                   1



Foi numa tarde de maio.



A brisa mansa varria



a verde, agreste campina.



O riacho murmurava



por trás das folhas de moita



o nome de quem já vinha:



– Anunciava Maria



nos arrepios da tarde.



 



O botão queria flor.



Murmúrios do morro em frente.



Ia o vale esmorecendo



até a sombra arrasadora



do monte. O sol se caindo.



 



Tarde de maio e de flor.



O tempo morria... e ria...



A noite plantando estrelas



no negro corpo infinito



do firmamento e do mundo,






















 




 



enquanto a lua não vinha...



 



Esperava-se por ela.



Não por duas, três Marias,



mas pela Maria única,



virgem de vida e de tudo,



Maria que não seria



nem minha nem de ninguém.



 



                   2



Vem outra noite... De prata.



A brisa varrendo a terra



e as folhas se conversando.



Nem por longe acreditavam



que o temporal chegaria.



Por encanto, a natureza



toda em festa aparecera



pra receber uma filha.



 



Como é doce uma ilusão !



E é doce pra fenecer.



 



Bogarim, tulipa e rosa,



camélia, dália, açucena,



o jardim e a jardineira






















 




 



em procissão de primeira,



conferiram forma e cor



em nossa Maria – flor.



Do perfume se esqueceram.



Psiu ! não lembrem, favor.



 



                   ...



Daí por diante, outras flores



nomearam outras vidas,



com Maria misturando-se,



e se tornando queridas:



Maria Rosa, Rosemary,



Adália, Lis, Margarida.



 



                   3



Vem outra tarde de maio,



tarde bela. Tarde ia



deitando-se a primavera



no campo branco de carne



da mais formosa Maria.



E no corpo engraçadinho



nasceram duas maçãs



que seu peito repartia



(frutas do quintal vizinho,






















 




 



que eu olhava, olhava, ó...



e ficava olhando... ando...



como quem quer). Bem queria.



 



Lembro a tarde que extasia.



Foi tarde quente em Maria,



campo de transformação.



Maria se enamorou?



sentiu, ouviu ou falou?



beijou, abraçou, dançou?



(Fico na minha ilusão...)



Mas, o choro de Maria?!



 



         ...



Tarde feia, ó tarde triste!



Sem nenhuma explicação.



Foi a tarde-fim (de agosto),



tarde que levou Maria..



Tão cedo! Como se foi!...



 



4



         Agora as tardes de maio



         (não devo lembrar agosto),



         para mim, são tardes que



         têm cheiro de Maria,






















 




 



         não sei da razão, do quê.



         Se Maria não foi minha...



        



         Toda mulher que entrevejo



         tem a alma de Maria,



         tem o corpo de Maria,



         tem o cheiro de Maria



         e tem de Maria o jeito.



 



         Maria que não morreu...



 



         Por que a fonte secou?



         por que o mato murchou?



         por que o sol se turvou?



         por que a brisa calou-se?



         por que a lua enlouqueceu?



        



         :::



         Embora o mundo desabe,



         embora a vida se acabe,



         embora tudo se acabe,



         Maria em mim não se acaba...



         Maria é mais do que tudo:






















 




 



         – Princípio de eternidade.



 



 



 



 



 



 



 



RETRATO 



        



 



Seus cabelos ondulados,



da cor da noite – pretinhos,



são apenas cabelinhos



de menina – cacheados.



        



         ( Cada cacho vale um conto,



                     cada fio vale um cruzado).



 



Seus olhitos redondinhos,



faiscantes e profundos,



me parecem doutros mundos...



Que verdade, tão verdinhos !



                  



(Os olhos dessa menina



                     são meninas dos meus olhos).



 



Ela é criança inocente,



com gosto de fruta verde,



ela é menina somente.



Não sabe no amor falar,



mas no olhar se pressente



que procura ser e amar.



                  



(Ela é menina-semente,



                     que procura ser e amar).



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



AMOR BUCÓLICO



 



 



Por que não falas quando a mata chora



em doces gotas de cristal fluente?



Por que não cantas? Vem, amor, cá fora,



ver a beleza, indefinidamente...



 



Por  que não ris  ao riso desta aurora,



regozijante e num calor mais quente?



Caem bênçãos do céu, na terra, agora,



depois da treva desta  noite ingente.



 



Já estou saindo. Vem, serás bem-vinda,



escuta o boi mugir, zoar o inseto,



vem contemplar nossa manhã mais linda.



 



Vem à janela do jardim... Abri-a



para que o sol, entrando em nosso teto,



complete a glória deste novo dia.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



        



GEOMETRIA DO DESAMOR



 



         Daqui da minha estrada penhascosa



         vejo-te andar em via apetecida.



         Vou buscando pousada e pão-de-vida,



         vais semeando espinho em cada rosa.



 



         No teu mostrar, te escondes, cavilosa.



         Hei de conter a fera adormecida?



         Teu disfarçado orgulho não convida



         à minha pobre estrada dolorosa.



 



         Vais destruindo aquilo que procuro,



         nem és Julieta nem eu sou Romeu...



         E o nosso amor – passado sem futuro !



 



         Se este meu ser não te achará jamais,



         nem, com certeza, hás de encontrar o meu:



          – Somos dois pólos em frieza iguais.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



AMOR À MINUTA



 



 



Saí, saíste só,  nos encontramos



num mesmo ponto não determinado.



Foi num lugar feliz. Por que paramos?



Que novo mundo ali fora criado?



 



Vi teus cabelos desassossegados



como os teus olhos, como nossos olhos.



Amor tão mudo em corações alados



vinha, de cheio, anunciar abrolhos.



 



Foste embora, com pouco... E não saí.



Partiu-se em mim a vida, de tal modo



que ainda agora penso que te ouvi...



 



A voz do amor... E no ouvido trago-a,



e dentro em mim um firmamento todo



e todo um abismo para conter mágoa.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



CRIME DE AMOR



 



 



Virá do sol fulguração ardente



que se compare à dos teus grandes olhos?



Teu sorriso dá crença ao mais descrente



nauta perdido entre calhaus e escolhos.



 



Dormem longos cabelos nos teus ombros,



e vem-me a brisa murmurar baixinho



que, em virtudes sagradas, meus escombros



sejam mudados pelo teu carinho.



 



Porque há no solfejo dos teus lábios



o que quero falar. Se algo me oprime



busco-os:  remédio para os meus ressábios.



 



Banham-se em pranto o teu e o meu rosto.



E porque o mundo diz que amor é crime,



odeio o mundo por nos dar desgosto.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



PERDIDO AMOR



 



 



Pedi-te nada, meu amor perdido,



dei-te o troféu do sonho – o sonhador



que outrora fui. De tudo arrependido,



considerei-me um ser superior.



 



Não quis ganhar e nem perder partido,



não procurei noutra afeição valor.



Ontem e hoje, calado e destemido,



vou sendo um forte, sem tirar nem pôr.



 



Todo o teu mal: ficares sempre ao lado



do primeiro e mais fútil namorado,



com o sentimento dos teus verdes anos.



 



Todo o meu mal: minha inexperiência.



Traiu-me a fé que tinha na inocência



dos teus enganos, dos meus desenganos.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



SENSUAL ALICE



 



 



Foi na queda da minha meninice,



desaguando na minha juventude,



que me veio à cabeça esta virtude



de te gravar no coração, Alice.



 



Tu brincavas na areia, ondas salgadas



vinham quebrar-se nos teus pés, sem pejo.



Aproveitar meu prematuro ensejo



seria um céu. Perdi nossas pegadas.



 



Sonho as curvas da praia, as curvas tuas,



como o seio nascente que guardavas...



De tanta coisa, desejei só duas...



 



Na noite, as mãos levíssimas de sondas...



E entre séria e risonha te afastavas,



levada docemente pelas ondas.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



ANDARILHA



 



 



Por longes terras, por países neutros



soube que andavas procurando abraços,



desejos doidos porque tão antigos.



Como tão perto estavas dos meus passos !



 



Se tu me ouvisses, se me procurasses



tão te esperando aqui, na mesma rua,



na mesma noite, sem subir a escada:



– Esta alma antiga procurando a tua !...



 



Voltaste a mesma ! Não? Pelas estradas,



as almas tontas, tristes, torturadas



não vão deixar os sofrimentos seus !...



 



Oh! Meu proveito é que te encontro agora !



E antes que partas novamente, é hora



feliz ? inútil ? de dizer-te: Adeus !...



 






















 




 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 





PRIMEIRA CANTIGA DO DEITAR



 



Deitar-me na estrela,



sozinho, sem vê-la,



deitar-me sentindo,



sonhando com Deus,



falando com gestos,



querendo verdades,



verdades mais puras.



Levantar manhã,



não anoitecer



antes de encontrar



a doce vaidade,



para adormecer



brincando no ar



liberto, infinito,



abraçando a mim,



no maior, mais fundo



pensamento certo,



em certo momento,



seria tão bom !



Tão fácil, tão bom !



Não faço, não fazem...



         Por quê?















 

 












 




 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 





ELISA



 



De tuas unhas quero o esmaltE



do    vestido    ––   o    carnavaL



do  riso   ––    a    boca   que  rI



do  corpo  ––   todas as  carneS



de dentro do  corpo ––  a  almA



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 






















 




 



ROSALVA



 



 



Corpo:



 



Rosado botão de rosa,



Rosalva,



Salva-me do meu desgosto!



Ai, formosa !



Longe mesmo donde estás



                   (se estás),



vai pensando nosso amor



até fazermos um todo.



 



Remate:



 



ROsalva, botão de rosa,



SALva-me deste desgosto,



VAmos matar nossa dor.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



SEGUNDA CANTIGA DE DEITAR



 



 



Deitar-me na praia,



ouvir o marulho,



sentir a salsugem,



banhar-me de vento,



banhar-me de areia,



deixando pesares,



pensares morridos



lá na solidão.



Deitar-me quietinho



com Deus e o mundo



(céu e sol e mar),



no mais que profundo



silêncio de mim.



Sorrir e esperar



sem saber por quê,



sem saber por quem.



Embalar-me em vento



limpo, bom, sadio,



de sol e de sal,



de água e momento.



Deitar-me na praia,



esquecer o mundo






















 




 



nada mais querer.



 



Ouvir as sereias,



afogar angústias...



– Se o mar continua,



deitar-me-ei ainda



trezentas mil vezes.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



ESSA CHUVA



 



 



Essa chuva a bater no meu telhado,



pelas bicas descendo em borbotão,



tangida a raio, a ronco de trovão,



dá-me um sono tranqüilo e temperado.



 



Essa chuva matando a sede ardente



dos animais, das árvores, da terra,



dá pinceladas verdes sobre a serra,



cai-me no peito carinhosamente.



 



Essa chuva tão forte e barulhenta,



que não é “chuva de resignação”,



vem da lira de Deus que se arrebenta.



 



Essa chuva engravida, com certeza,



a semente do amor no coração...



Abre-se em flor e fruto a Natureza.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



PARÓDIA A CAMÕES



(Referência às revisões salariais da classe



 trabalhadora, em 1965)



 



Quantos anos de escravo “jó” servia



o patrão só por simples bagatela;



mas servindo ao patrão, servia a “ela”,



enquanto o preço do feijão subia.



 



Os dias vinham, a esperança ia,



porque a fome era maior do que ela;



mas o patrão, mais duro, com cautela,



em lugar de aumentar, nem prometia.



 



Vendo o triste operário que com enganos



lhe era negada a “revisão”, embora



muito justa quisera, e merecida,



 



continua a servir... (mais quantos anos?)



dizendo: Só quisera que não fora



para a morte o “aumento”, mas pra vida.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



CANTAR AREIA



(Paródia a Olavo Bilac, soneto “Ouvir Estrelas”)



 



Ora (dirá) cantar areia ! Alerto-o



de que perdeu o senso. Digo, entanto,



que areia ou barro, já de nós tão perto,



tonto ! comia, em pequenino, tanto !...



 



E muitas vezes fico a pensar quanto,



fazendo mal, me conservou desperto



de que dela fui feito por encanto



e hei de voltar a sê-la... Como é certo?!



 



Dirá que sou amalucado. E eu digo



que nunca um verso teve mais sentido



do que quando se pode tê-la ao pés.



 



Se nem isto acertei cantar, não ligo:



Coloco a areia que couber no ouvido



e vendo o livro por qualquer “mil-réis.”



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



MANIFESTAÇÕES  DA CRÍTICA



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 





 



 



 



 



 



 



 





 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



RENOVAÇÃO INTELECTUAL



 



 



Pafúncio d’Almaviva*



 



 



 



 



Pelas publicações que tenho lido ultimamente, consta-me que a Capital do Piauí vem sendo sacudida por uma plêiade de gente nova que deseja, numa prova inequívoca de auto-afirmação, transformar o panorama intelectual da “Cidade Verde”.



Entre essa gente estão   Hardi Filho, J. Miguel de Matos, Francisco Miguel de Moura e outros nomes que no momento me fogem à memória.



Certamente esses moços não vêm sendo olhados com bons olhos pelos intelectuais da cúpula dominante. Isso, para mim, não é novidade.  Pelo contrário: é coisa muito normal, normalíssima mesmo.



Entretanto, há um pormenor a salientar:  ninguém ignora que o futuro pertence à mocidade; que os valores velhos cederão, mais cedo ou mais tarde, o seu lugar aos valores novos e assim por diante, numa sucessão infinita.



A prova disto aí está: livros às mancheias, publicados ou em elaboração, ou mesmo em planejamento.  Só de Hardi Filho teremos “Quero”, “Gruta Iluminada” e “Poemas do Sono Ausente”, títulos ainda não definitivos, mas cujo material está quase totalmente pronto.



CHICO MIGUEL deu-nos recentemente “AREIAS”, voluminho que não faz feio aonde chegue. Não fosse a intercalação de algumas paródias e acrósticos  (espécies de gosto já superado), teríamos uma obra quase perfeita. E assim por diante.



A meu ver, a essa moçada está faltando apenas o espírito de congregação, pois é sabido que todos vêm lutando isoladamente, na velha base do “cada um por si e Deus por todos.”



Quem tem ouvidos para ouvir, ouça: no dia em que os grupinhos de moços fundar  um jornaleco, terão aí o início da luta. A mocidade que hoje teima por um cantinho ao sol está em fase de maturação, e entre ela há muitos valores e gente de muita fé e talento.



Isto, ao invés de ser um mal, será um bem, uma vez que irá despertar o espírito dormido do povo. E quem muito lucrará com essa surda batalha intelectual será o próprio Estado, que verá  reflorescer a sua cultura cujo eco chegará aos mais distantes rincões do país. Assim, saberão outros povos que o Piauí acordou para a cultura. Dessa luta poderá sair (que ninguém duvide) a criação de novas Faculdades ou escolas superiores.



 



(Publicado no jornal “O Dia”, Teresina-PI, 13 de janeiro de 1967)



 



 



_____________________________



*Pafúncio d’Almaviva é pseudônimo de Francisco Pacelli Vasconcelos, cearense,  contista e crítico, residente em Parnaíba – PI.



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



LIRAS SINFÔNICAS



 



Herculano Moraes*



 



 



         Aqui estamos nós para lhes apresentar outro poeta das harpas piauienses. Outro jovem que orna a poesia do Piauí com produções extraordinárias, encantadoras.  Trata-se desta vez do festejado autor de “AREIAS”, opúsculo lançado no mercado da curiosidade do povo de nossa terra, nos primeiros meses deste ano de 1966, de grandes e espetaculares lançamentos literários. Francisco Miguel de Moura, ou Chico Miguel, porque assim o chamamos na intimidade, veio ao mundo no dia 16 de junho de 1933. É filho de Miguel Borges de Moura e D. Josefa Maria de Sousa. Seu primário, alicerce indelével do primeiro passo, foi feito com seu próprio pai, que mantinha uma escola particular, depois passando a publica, municipal, em 1941. Nosso focalizado nasceu no povoado Jenipapeiro, pertencente, àquela época, ao município de Picos, deste Estado. Em 1960, o povoado onde nasceu o nosso poeta foi elevado a cidade, com a denominação de Francisco Santos.



         Por motivos vários, entre os quais se sobreleva a situação financeira de seus pais, teve que deixar de estudar, voltando somente depois de completar 20 anos, matriculando-se em 1954, no Ginásio Municipal Picoense. Em 1956 fez o concurso de Auxiliar do Banco do Brasil e foi aprovado.



         Já funcionário do Banco do Brasil, tendo sido aprovado com boa classificação em concurso realizado em Picos, primeiramente, e depois em Fortaleza – CE, quando passou a integrar o quadro de Escriturários do Banco do Brasil, servindo na Agência de Picos, continuou seus estudos no Ginásio referido e depois na Escola Técnica de Comércio de Picos, hoje pertencente à Associação Comercial daquela cidade, único estabelecimento de ensino médio  existente naquela época.



         Face à sua inteligência e aos seus conhecimentos, foi transferido para o interior do Estado da Bahia – cidade de Itambé – para assumir as funções de Chefe de Serviço da Carteira Agrícola, onde bem desempenhou suas funções. Entretanto, por motivo de doença  em si, em seus familiares aqui (pai, mãe e sogro), não pôde continuar naquelas funções como era sua vontade.  Foi transferido para Teresina, por solicitação sua, onde voltou novamente à condição de simples escriturário.



         Casado com D. Maria Mécia Moraes Araújo Moura, três rebentos alegram o seu lar: Franklin, Laudimiro e Francisco Júnior. Acha que, entre os que concorrem (ou almejam) a uma cadeira na Imortalidade de nossa Academia de Letras, o escritor J. Miguel de Matos é um dos mais credenciados, não esquecendo o mérito dos demais.



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         Sua poesia, na maioria das vezes, focaliza a própria vida: Seu labutar incessante e quotidiano, suas desgraças e seus martírios, suas lágrimas e suas dores. Seu poema “O Copo” é uma afirmativa do que dissemos:



                            “A poesia rústica do copo,



                            o homem simples vai,



                            pela manhã que vem,



                            brindar à solidão



                            de sua alma esmagada



                            ao peso da desgraça,



                            da pobreza amém.



 



                            Bateu na mulher,



brigou com o amigo,



discutiu com o patrão, 



perdeu o trabalho:



- Vai para o copo,



único amigo que o fará sonhar



e esquecer



e perdoar



a vida que passa rodando



pelo fundo dos olhos bons.



 



Não o condenem  por isto.



É um santo desconhecido,



sua vida não lhe vale.



Consolação.



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Também o copo



- entornado e consciente -



sem esperança de chorar



a última lágrima do dia



antes do poente,



preferiu suicidar-se



mas sub-repticiamente.



Sua vida não lhe vale.



Consolação.”



         Noutras vezes, tateia no mundo da infância passada, e a saudade lhe invade o espírito. Inspira-se. As figuras se embaralham na sua mente. E sua cidadezinha, e berço do seu berço, aparece qual um milagre na noite de sublime inspiração:



                   “Entre dois chapadões – terra bendita,



                   de alma mais pura do que a branca areia,



                   terra que ouviu de minha mãe, contrita,



                   rezas a Deus logo depois da ceia:



 



                   És tão humilde e pequenina aldeia



                   que, pela vida, em nosso peito habita.



                   Qual semente daquele que semeia,



                   És semente do amor – Terra Bendita!”



         Chico Miguel é um homem simples. Tem maneira toda sua, toda especial de tratar com suas amizades. Poeta primoroso, seus trabalhos têm beleza e arte, não artifício. Moderno, em todos os sentidos, ultrapassou as barreiras do parnasianismo e do simbolismo como escolas, e trouxe, para os apreciadores da Poesia, um estilo novo e diferente para este Piauí, que ainda não havia conhecido o verdadeiro sentido da poesia moderna. Não porque todos sejamos ignorantes no assunto, mas porque as classes que nos deviam orientar no caminho da moderna literatura divorciam-se da juventude, e deixam-na à mercê de alienações. Chico Miguel é diferente: – Intrépido e audacioso, lutou, venceu, realizou-se.



 



(Lido no programa radiofônico “LIRAS SINFÔNICAS”, Rádio Pioneira de Teresina, em 10 de maio de 1967, das 9,30 às 10 horas). Autoria e locução de Herculano Moraes).



 



 



 



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*Herculano Moraes poeta e jornalista, membro do Círculo Literário Piauiense (CLIP).



 



        



 



 



 



 



COMENTANDO



 



Samuel Filho*



 



 



 



Alguns dias atrás, li o 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, de autoria de J. Miguel de Matos, recentemente lançado em nossa Capital.  A leitura que fiz da referida antologia poética teve como único objetivo – apesar de o autor desta coluna não ser crítico literário – chegar a uma conclusão de qual um dos poetas mais talentosos ali existente. Portanto, a minha preocupação capital foi, única e exclusivamente, ler com atenção e, às vezes, reler as poesias dos vates que compõem o 2º tomo de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, impossibilitado, por conseguinte, de fazer um juízo da obra de J. Miguel de Matos. No entanto, qualquer pessoa interessada pelo progresso das letras em nosso Estado, – onde existe a carência de ajuda dos nossos poderes públicos aos homens que se dedicam à literatura, – tem um mérito a dar ao autor de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, por o mesmo ter sido o único que teve a patriótica iniciativa de reunir a maioria dos brilhantes poetas piauienses do passado e do presente em três volumes (o 1º e o 2º já lançados e o 3º a ser lançado futuramente). Nada mais posso dizer sobre ele.



Li minuciosamente as poesias de todos os poetas incluídos naquela antologia. É inegável dizer-se que o Piauí teve e tem muitos valores, nas artes literárias, que se pode considerar como a lídima expressão do estro propriamente dito.  Na minha leitura tive a oportunidade de conhecer diversos vates até então por mim desconhecidos, senhores de um coração sensível, exuberante, dos mais belos sentimentos humanos, semelhante a uma fonte inesgotável de águas cristalinas.  Enfim, pode-se dizer com orgulho que o Piauí é berço de grandes vocações poéticas, que abordaram os mais variados temas, portadores das diversas mensagens: uns cantavam as próprias mágoas e queixas, e outros, o amor, a paixão, o sexo, a paz, a natureza, a bondade e as injustiças sociais, projetando-se brilhantemente no classicismo, no romantismo, no parnasianismo, no simbolismo e no modernismo.



 Nós sabemos que o gosto varia, bem como as opiniões em torno de um determinado assunto. Partindo deste princípio, quero dizer que dos poetas que integram o 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, Francisco Miguel de Moura é um autêntico filho das musas, talvez, senão o mais talentoso que figura naquela antologia poética. Para o leitor ter uma idéia das poesias do autor de “AREIAS”, transcrevo aqui, da obra de J. Miguel de Matos, alguns versos de um poema do poeta: 



 



“Quem já viu uma pedra chorar?



“Eu já vi uma pedra chorando...



A pedra chorava a todos os jumentos adernados



de ancoretas pesadas às costas;



chorava às pobres lavadeiras das roupas sujas



de homens que querem ser limpos



ao menos na roupa.”



        



Como o leitor viu – estes versos do poema “O pranto da pedra”, o qual não transcrevo na íntegra por exigüidade de espaço, é um canto de quem sente à flor da pele o procedimento corrupto dos grupos privilegiados que se beneficiam do trabalho honrado da grande maioria injustiçada. A mensagem social é uma das mais fortes características da poesia de Francisco Miguel de Moura, que sente profundamente o desequilíbrio social entre as classes, tornando-se como um autêntico poeta que é, um porta-voz das angústias coletivas.



Na poesia de Francisco Miguel de Moura há outros traços, porém o poeta se sobressai naquele. Além do mais, a sua poesia é moderna, livre dos ditames superados das escolas passadas, original, de estilo simples, espontânea.  Estas são as qualidades de um dos mais talentosos poetas que estão biografados no 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”.



 



(Publicado no jornal “O Dominical”, Teresina, 7 de março de 1968).



 



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*Samuel Filho é jornalista piauiense e comentarista literário.



 



 



 



 



 



 



                                     



AREIAS



 



Inocêncio Candelária*



 



 



         Do poeta Francisco Miguel de Moura, da cidade de Teresina, Estado do Piauí, recebemos o livro de versos de sua lavra denominado “Areias”.



         Com muito prazer entramos em contato, através desse livro, com a alma sensível de Francisco Miguel de Moura, o poeta que, com ritmos agradáveis, transmite as suas emoções pelas palavras inspiradas da poesia. 



         E pela música e pela sentimentalidade dos seus versos, ele nos fala da infância, da sua vida, dos pobres campônios, do sertão seco, dos enganos, dos desenganos, das guerras, das medalhas, do sofrimento, dos infortúnios da seca, das tragédias da fome, do sofrimento dos retirantes, enfim, ele nos fala da vida com os seus contrastes chocantes para a sua personalidade emotiva.



         O livro “Areias” reafirma que o Brasil tem, de fato, poetas em todos os seus rincões e que é seu autor - coração que vibra diante das alegrias e tristezas do mundo, e se expande em versos de delicada emoção.



         Entre vários poemas do livro, de significativa poesia, escolhemos, para mostrar aos leitores, o soneto “Espera – Esfera”, que nos diz das virtudes do amor e da bondade do poeta Francisco Miguel de Moura:



 



                            Espera – Esfera



 



 



                   Esperar... A virtude não se altera.



                   Esperando se perde mas se alcança.



                   Se a vida toda é círculo de espera,



                   não fiquemos aquém de uma esperança.



 



                   Eis a forma cabal: tanto se avança



                   quanto mais se esperar.Ah, quem me dera!



                   E nessa rítmica e terrível dança



                   compomos, decompomos nossa esfera.



 



                   Não contemos perdidas esperanças,



                   esses desgastes ficam nas andanças



                   das estrelas – excêntricas e feras.



        



                   Alma sedenta, em que te desalteras?



Mourejando no amor de tantas eras,



         cultiva o bem e espera as esperanças.



 



         Obrigado, caro poeta, pela gentil oferta do seu livro “Areias”, outra valiosa obra para a minha estante de livros de amigos.



 



 



(Publicado em “A TRIBUNA”, de Taubaté-SP, 25 de setembro de 1970).



 



 



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* Inocêncio Candelária é jornalista e poeta, fazendo publicar seu artigo acima também no “Diário de Mogi”- SP, 15 de junho de 1971.



        



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



AREIAS – POESIAS E COMUNICAÇÃO



 



Pedro Marques*



 



 



 



O livro de poesias “AREIAS”, de autoria de Francisco Miguel de Moura, contém notáveis particularidades e virtuais semelhanças. Ele, em alguns poemas, de pensamento em pensamento, desce e arranca de si mesmo o passado pessoal vivido, exteriorizando-o no presente.  Essa constante procura de alguma coisa nas entrelinhas percorre todos os versos como um recurso rítmico exaltante; e, deste modo, oferecendo novo sentido às palavras no texto das conotações verbais, como se fosse um inusitado desejo do poeta de enxergar o invisível; essa tendência expressional toma conta de tudo, infiltrando-se no íntimo delicado das idéias.



Há poetas que falam das coisas com os olhos do espírito enfiados no oculto e no mistério; por tal razão subjetiva aquilo que parece uma coisa é outra muito diferente. As palavras expressam ou representam apenas aparências; na realidade do contexto, elas simbolizam pontos de referência cujo sentido traduz aquilo que não pode ser expresso, o indizível, mas aquilo que é apenas sentido.



Neste ponto, sentimos nos versos de Francisco Miguel de Moura uma louvável influência de Carlos Drummond de Andrade. Especialmente quando há motivação de comunicar a paisagem subjetiva que comove o coração, mas não se pode traduzir por palavras e nem se pode compreender.



Outra influência observada nos poemas de “AREIAS” é a meticulosidade fina cujo traço se adelgaça pela natureza expressional de uma sintaxe bem ajustada à realidade percepcionada onde sempre fica registrada a mensagem autêntica de um poeta vocacionado. Esse tipo concepcional é a razão última da técnica lírica de nosso genial Da Costa e Silva. Recurso que até certo ponto é uma característica clássica.  Constitui uma forte razão do poema objetivo que atinge a verdade pelo natural e pelo simples.



O livro “AREIAS” coloca-se entre as melhores coisas que se divulgaram no Piauí, em poesia.



Com tais considerações, leva-nos a acreditar no poema que, usando diferentes fontes, conseguirá realizar-se obra digna da melhor referência crítica.  Demais, convém salientar, nesta altura, que ele usou tais recursos com oportunidade inegável e talento, não se deleitando no prosaísmo prejudicial.  O sentido poético das imagens cresce e desce na medida em que o poema atinge o auge de significação, onde as palavras se apresentam carregadas de mistério, cheias de vigor, numa infinita sensibilidade da vida.



No sentido material o poeta usou o meio ambiental para encontrar o elemento isolado. Essa estética mais de precisão visual da mecânica sintática conduziu-o a uma precisão lógica que ultrapassou o limite da poesia.  Falou no “orgulho do tufão”, na vaidade dos caminhos” e “na tristeza do jazigo”, frases que correlacionadas no texto do poema têm sentido poético, mas fora dele oferecem em si uma frouxidão metafórica, liricamente dominada pela força de um homem espiritualmente maturado pela verdade da vida.



Possui uma especial força comunicativa, fazendo-nos vagar o pensamento por diversas direções, umas perceptíveis, outras apenas sentidas.



 



 



  (Publicado no jornal “O ESTADO”, Teresina, 30 de agosto de 1971)



 



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*Pedro Marques é contista dos melhores de sua geração e escreve também notas de crítica literária.                                                                                                                                                   



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



ÍNDICE



(Pelo primeiro verso de cada poema)



 



A meus pais .........................................................



A aranha na teia ..................................................



Estrela não é poesia .............................................



Quero ter a vaidade dos caminhos .......................



Entre dois chapadões – terra bendita ..................



Relógio de meu avô .............................................



Sertão seco. De taipa um casinha .......................



Não dizem donde vêm .........................................



Espera... A virtude não se altera .........................



Quero ir à casa do vento .................................... 



A burguesia é tonta de ganância ........................



Quero dizer à minha dor: Bendita ......................



Oh mistério ! Não creio... Sou obtuso ................



Perdi o trem das minhas esperanças ..................



O erro de Adão: amar. Algum desvelo ................



Acendido o cigarro, o fumo passa ......................



Eis a negra batendo à minha porta .....................



A menina negra ..................................................



A poesia rústica do copo .....................................



Vou te pedir, pai .................................................



Faz da vida o ganha-pão ......................................



Parnaíba, te vejo intensamente ...........................






















 




 



Geograficamente meia .......................................



Já foste à ilha de Paquetá ..................................



Coração descabeçado ........................................



Foi numa tarde de maio ....................................



Seus cabelos ondulados ....................................



Por que não falas quando a mata chora ............



Daqui da minha estrada penhascosa ................



Saí, saíste só, nos encontramos ........................



Virá do sol fulguração ardente ..........................



Pedi-te nada, meu amor perdido .......................



Foi na queda da minha meninice ......................



Por longes terras, por países neutros ................



Deitar-me na estrela .........................................



De tuas unhas quero o esmalte ........................



Rosado botão de rosa ......................................



Deitar-me na praia ..........................................



Essa chuva a bater no meu telhado ................



Quantos anos de escravo “jó” servia .................



Ora (dirá), cantar areia ! Alerto-o .......................



Manifestações da crítica......................................



 



 



 


Comentarios
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