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cronicas-->D.Laura -- 30/11/2000 - 04:39 (Georgina Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Em sua crônica "Madame Azaléa", publicada no jornal O Globo(desculpem-me por não haver registrado a data na matéria recortada), Carlos Drummond de Andrade afirma que "as cartomantes e astrólogos prevêem certo, os acontecimentos é que saem errado". O trabalho, transcrito do Correio da Manhã, para o qual o autor escrevia, foi reeditado em livro e merece a busca dos apreciadores de uma boa leitura.

Essa história de cartomante mexe comigo desde que, adolescente, conheci D. Laura... Num intervalo entre as aulas, uma de minhas amigas lançou-me a pergunta certeira:

- Você já foi na D. Laura?

- Que D.Laura? - indaguei surpresa.

- A cartomante. Ela acerta tudo...É bem velhinha, igual a que deu a maçã pra Branca de Neve.

A indicação, como já disse, foi certeira, visto que na época tudo era fascínio pra mim, inclusive essa coisa longínqua e lírica chamada destino. Fui até lá e percebi que a amiga tinha razão...

Até a maçã estava sobre a mesa, oferecida, entre outras, à imagem de Cosme e Damião. A doce musa dos anõezinhos obtivera mais sorte do que os santos, pois a fruta rque recebera na história, além de reversivelmente fatal, era bela e de um vermelho intenso, devorador de qualquer leitor mirim. As deles, entretanto, velhas e encarquilhadas, poderiam mesmo vir a desprestigiá-los na comunidade celeste.

Assustada, passei a forjar minha rendição às predições que ela, sedutoramente, fazia bailar ao meu redor. Viagens, cavaleiro apaixonado, muito dinheiro, lindos filhos. Era um rosário de privilégios a serem desfrutados no futuro. Para complicar, apenas uma amiga morena e invejosa. A minha formação religiosa impedia-me de acreditar no que a D. Laura dizia. As maçãs traduziam-se num ingênuo folclore e percebia que, respondendo as suas perguntas casuais, permitia que me estudasse as motivações, os desejos e as vibrações.

Aos poucos, passei a sentir falta de retornar ao seu minúsculo apartamento do Bairro de Fátima. Sentia-me compelida a levar-lhe maçãs novas e brilhantes, até pelo medo de que alimentos envelhecidos lhe fossem fatais. E o que mais me impressionava é que, ao tocar a campainha, a saudação de D.Laura surgia precoce, sem que eu houvesse pronunciado qualquer palavra e ressaltando-se a inexistência de um olho-mágico denotador.

Foi bom que não houvesse seguido obediente os ensinamentos do meu colégio de freiras. Caso a aluna exemplar das aulas de Religião não infringisse normas, muito provavelmente teria sido privada do relacionamento com D. Laura, um dos mais gratificantes de minha vida. No reduto da velha cartomante, passei a permitir que me lesse as cartas apenas para contribuir com algum dinheiro para a sua sobrevivência. Sempre desviava algum mantimento de casa para suas mãos (minha mãe, lendo esse texto, finalmente conhecerá a faceta gatuna de sua filha) e ela me devolvia o agrado em carinho e dependência crescente. Cobrava-me a ausência mais prolongada e eu sempre me justificava com período de provas,resfriados ou coisas assim. Mas, em seguida, levava até ela uma romaria de pessoas que se encantavam com a idéia de terem o seu futuro antecipado pelas cartas, garantindo com isso, o pagamento de parte de seu aluguel em atraso.

Um dia, porém, fui até lá com minha irmã Maria Emília, que apesar de também ter estudado em colégio de freiras, adorava essas estrepolias. Encontramos D.Laura em frente ao seu prédio, enrolada num xale, afirmando ter sido despejada e acolhida por uma vizinha. Alojada no quarto de empregada, não poderia fazer o jogo, senão no escondido das escadas. Aceitamos o desconforto e a cartomante mergulhou no antigo corredor, retornando com as cartas. Ao final da leitura, pediu que voltássemos. Atendi ao seu pedido, mas o porteiro do edifício, compadecido, informou-nos que ela havia sido recolhida de lá.

Recolhida...Onde estaria D. Laura?...Estariam aonde as lembranças da família abastada de Juiz de Fora que a havia extirpado do seu seio ao saber de seu envolvimento com um homem casado? A imagem da fuga do casal para o Rio de Janeiro, onde até então teria residido?...O irmão, velhinho também, que a havia localizado mais tarde, aonde?...

Sei, D.Laura, que se meu destino for viver muito, como suas cartas prediziam, vou tê-la comigo na velhice inspecionando minhas rugas e comendo, as duas, minhas maçãs diárias. E exibindo minhas fotos antigas aos jovens bisnetos, orgulhosa do passado, falarei também do seu retrato - lembra que me mostrou? - tão linda moça e tantos os pretendentes...

Ah!... graças a Deus não me submeti aos confinamentos com os quais tentaram me restringir! Em nome da minha curiosidade infratora, hoje eu posso visitá-la amorosa e saudosa, entregando-lhe os mais lindos frutos que consigo vislumbrar.



mgalbuquerque@ig.com.br









 


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