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Contos-->Decadência- Depoimento -- 21/04/2001 - 19:37 (Vânia Moreira Diniz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

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Quando o conheci era muita criança. Lembro-me que estava estudando na biblioteca quando meu pai entrou com o Dr. Hélio Saraiva. Era ou pelo menos o achei extraordinariamente bonito. Vestia um terno preto, mas sua figura impunha-se impressionante. Os traços nobres, a tez clara e os cabelos bastos incrivelmente negros, o rosto belo e a figura aristocrática davam a sensação de alguém diferente e muito especial. Recordo-me que semanas depois olhava para ele e já não sentia essa impressão.
Naquela oportunidade, entretanto fiquei simplesmente impressionada.. Meu pai percebeu meu espanto positivo, e parou à minha frente.
-Que aconteceu, minha filha? Viu algum fantasma?- perguntou enquanto o Dr. Hélio passava a mão pelos meus cabelos.
-Não, papai, não é nada, eu me assustei.
Ele olhou-me sorrindo, talvez entendendo o que eu queria dizer, mas não prosseguiu a conversa e discretamente saí do escritório enquanto os dois homens começavam a conversar. De longe enquanto fechava a porta Dr. Hélio sorriu para mim e achei-o ainda mais bonito. Nunca esqueceria aquele gesto amistoso e simpático e muito depois utilizaria para fazer comparações em inúmeros acontecimentos.
O médico desde aí começou a freqüentar com assiduidade minha casa e notei que ele era de fato uma pessoa diferente. Estranho, com sorriso forçado e olhar perdido ao longe. Talvez tenha sido a perspicácia tão própria em crianças que me fez perceber isso. Seus olhos traduziam alguma coisa do que se passava em sua alma, me parece. Nunca ia a reuniões sociais na minha casa ou em qualquer outro lugar. Conversava com meu pai e saía. Não aceitava nem um copo d’água.
Quando perguntava sobre ele a meu pai respondia-me que nada havia de diferente com aquele homem, mas a verdade é que ele agia de modo esquisito. Algum tempo depois trouxe sua mulher para conhecermos e achei-a muito simpática e envolvente. Era diferente do marido e muito comunicativa. Mas dava para perceber o contraste que havia entre os dois.
A medida que o tempo passava minha opinião sobre a beleza do Dr. Hélio mudava substancialmente. Estava sempre com olhos vermelhos e aquela extrema elegância carecia de reparos.Em inúmeras oportunidades não comparecia às consultas que seus clientes marcavam e pouco a pouco foi se tornando uma pessoa ainda mais reservada.
Deixou de ir à minha casa e só muito raramente aparecia por lá. Mas um dia saindo com minhas colegas de colégio, encontrei na rua perto de um cinema, a sua mulher acompanhada de outro homem. Não dei valor a isso e imaginei que poderia ser um irmão ou mesmo um amigo. Nem falei com meus pais. Esquecera-me.
O mais triste foi quando o vi também na rua e fiquei abismada com seu aspecto. Estava o oposto de quando o conhecera. A barba de três dias envelhecia presumivelmente, os olhos que haviam me impressionado estavam fundos e os cabelos negros com fios grisalhos totalmente despenteados.Tive uma pena enorme daquele belo homem que se acabara em poucos meses.
Procurei meu pai e contei-lhe o drama que eu vira e tanto me impressionara
-E onde você o viu?
-Perto do consultório dele.
-Filha, ele não está bem. Parece-me que com muitos problemas particulares
-Não podemos ajudá-lo?
-Estamos tentando, mas ele resiste. Não quer ajuda de ninguém.

Conclusão
A história do Dr. Hélio era realmente triste. Nascera de uma família rica, até mesmo aristocrata. Muito cedo se apaixonara por uma mulher que conhecera em programas noturnos e embalos. Mesmo assim conseguiu completar o curso de medicina que sua mãe tanto pedira que ele não interrompesse. Era profundamente ligado à mãe, Dona Clara
Aos quatorze anos foi constatado por uma convulsão que era epilético e o tratamento foi iniciado imediatamente. Os ataques foram controlados por remédios
Ao apaixonar-se por Lílian e irem para suas festas e programas costumava misturar bebida com os remédios o que naturalmente se transformava em droga. Casou-se com a moça que amava logo após a morte de Dona Clara já que esta não admitia aquela união e ele tinha um amor desmedido à mãe. Os anos iam passando, ele conseguiu mesmo assim um curso de pós graduação no exterior e levou a jovem mulher.
Seu drama maior começou quando percebeu que Lílian lhe era infiel seguidamente. A decepção e carência de uma saúde psíquica adequada o levaram ao quase desespero. Mas, fraco ainda tentou voltar para o Brasil na esperança de que a moça esquecesse o homem com ela envolvido. Isso porque nunca admitiu para ninguém nem para a própria mulher o fato consumado.
Voltando ao país sua vida continuou o mesmo inferno de sempre. A moça continuava com o mesmo tipo de comportamento, porque na verdade se casara pelo dinheiro dele, fato que não admitia. Começou a esperar um filho que ele desconfiava que não era dele. E depois de nascido a mulher prosseguiu em seu próprio modo de agir e sem nenhuma discrição. Andava com os amantes em todo lugar e Dr. Hélio começou um processo de autodestruição. Jamais pensou em separar-se dela, mas bebia desesperadamente. Era visto em bar totalmente desnorteado e procurado pela família e amigos se afastava de tudo. Sua saúde começou a debilitar-se até encontrar o caminho de uma cirrose.
Foi nesse clima que eu o encontrei na rua no dia que perguntei a meu pai o que acontecia. Depois disso esteve internado para tratamento, inclusive com ajuda psicológica. E quando saía voltava ao mesmo tipo de autodestruição voluntária como se desejasse morrer. Começou a ter conseqüência no coração e muito jovem sofreu ataque de angina.
Jamais poderei esquecer embora garota a sua rápida e impressionante decadência rumo ao submundo desconhecido. Aquele homem tão bonito, rico, oriundo de uma família aristocrata, que tivera tudo que alguém na vida pode desejar em termos de educação e convívio estava quase completamente arrasado.
Algum tempo depois desses tristes acontecimentos tivera um enfarto, porém sobrevivendo um de seus irmãos perguntou-lhe se queria a separação ou tomar uma atitude para averiguar se o filho era dele mesmo. Suplicou que não o fizessem e inocentou a mulher, justificando seus atos. Todos achavam que estava insano.
Hospitalizado, morreu dez dias depois do enfarto e pediu para ver Lílian que àquela hora ninguém sabia onde encontrar. E pediu que a levassem até ele. Queria perto dele a mulher que amava e nunca pelo menos conscientemente reconheceu sua vida conturbada.
Quando meu pai contou que ele havia morrido tive uma tristeza muito grande ao lembrar-me da figura que minha memória de criança guardou e fiquei pensando como uma pessoa é capaz de destruir-se daquele jeito porque não quer encarar a vida e sua realidade.
Lílian ficou estabilizada e financeiramente perfeita. Conversando com alguém teria dito que sua infância e adolescência miserável acabaram no momento que conheceu o médico.
Não fui ao enterro, mas tempos depois ouvia dizer que durante o velório do marido ela trocou de roupa três vezes preocupando-se com cada detalhe de sua toalete. Até hoje não sei se esse fato aconteceu ou era folclore conquistado pelos amigos do Dr Hélio.

Vânia Moreira Diniz
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