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Cronicas-->Geraldo -- 29/11/2000 - 16:40 (Cláudia Azevedo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
GERALDO

Entreabri a porta, com muito cuidado para não fazer barulho. Observei aquele corpo franzino estirado sobre a maca, suas faces inchadas devido ao soro que o alimentava há dias e o som cortante da aparelhagem que lhe ajudava a sobreviver. O quarto estava abafado e quente. Conforme me aproximava dali sentia um nó na minha garganta, o ar me faltava, e meu coração parecia não caber no peito.

O sol entrava pela janela invadindo aquele ambiente mórbido, como se quisesse espantar dali toda a expectativa de morte que cercava aquele débil corpo.

Geraldo fora um homem de muita fibra. Não me lembro em toda a minha vida de tê-lo visto prostrado por uma dificuldade ou a reclamar da sorte. Era muito sábio e temente a Deus. Sempre trazia uma história, um episódio de sua fértil existência, e com o seu senso de humor nos fazia sorrir. Lembro-me como sentava para ouvi-lo com devoção e respeito, ainda que a mesma história me fosse narrada um par de vezes.

Geraldo trabalhou até as suas últimas forças. Agora, aposentado, fazia milagre com o seu salário. A mesma aposentadoria que para tantos era "salário de miséria", multiplicava-se fartamente naquelas mãos trabalhadoras e abençoadas por Deus.

Lágrimas rolaram pelo meu rosto, ao vê-lo ali, inconsciente, cercado por máquinas, lutando pela vida.

A morte da sua companheira de tantos anos não lhe abatera completamente, mas seus filhos se dispersaram cada qual para cuidar de suas próprias vidas e seus próprios interesses. Apenas dois ou três de seus dez filhos dispensavam-lhe algum cuidado.

Ainda sobrara-lhe muito vigor para casar-se novamente. Após o seu segundo casamento o vi amargurar aos poucos, quem sabe pelo abandono de seus filhos, ou talvez ainda pela mulher com a qual se casara para viver embaixo de servidão e dedicação total. Nunca o ouvi confessar, mas era claro o seu arrependimento de Ter se casado com ela. Construiu com muito sacrifício a sua humilde casa em uma chácara onde passou os últimos anos de sua vida. Naquele pedaço de chão labutou muito, e foi de lá que lhe sobreveio dor e exaustão.

Mas agora, olhando-o ali naquele leito, percebi o quão forte era aquele homem e como há dias lutava contra os tantos males e enfermidades que vinham sobre ele. Foi um enfarto fulminante - ouvi alguém dizer. Está agora com insuficiência respiratória e infecção hospitalar - más notícias surgiam a cada dia. E a cada nova complicação, o velho, que ao dar entrada tinha apenas poucas horas de vida, driblava a morte há quase dois meses.

Nos corredores ouviam-se os burburinhos, sempre os mesmos comentários de esperança - de quem prefere se agarrar a uma ilusão ou à sua fé; ele vai sobreviver, já passou pelo pior - ou o mau-agouro da própria esposa que não via o momento de se tornar uma mulher livre e se apropriar da sua herança ( a casa, roupas e utensílios sem valor) dizendo a todos "eu sonhei que ele estava subindo ao céu ".

Olhei novamente para o semblante do meu avó. Pude captar o sorriso que esboçava no canto dos lábios apertados pelo tubo que o fazia respirar, enquanto eu segurava a sua mão rude, marcada pela labuta na terra, na vida. Mil pensamentos vieram a tona. Lembranças da infància, histórias que nunca pude esquecer.

Nos seus traços eu percebi a brevidade da vida . Nada podemos levar daqui, e o que deixamos, por mais valor que tenha, se torna insignificante se as nossas lembranças não forem valiosas.

Dei-lhe um último beijo e ele sorriu. E esta é a última imagem que guardo desse homem que tanto admirei.

Geraldo lutou para viver e não poderia ser diferente em sua morte. Venceu na vida mas contra a morte lutou e perdeu. A sua vida foi uma lição para mim, não diferente da sua morte. Nenhum bem material me deixou mas a herança a mim legada possui um valor indelével.

Com a sua partida mais uma vez eu aprendi que há mais para se encontrar no céu do que tudo o que se pode perder na terra.
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