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Cronicas-->As meninas do Gravatá -- 22/04/2006 - 10:07 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As meninas do Gravatá

A cada sábado, pelas duas da tarde, lá estavam elas, debruçadas na janela, vendo o movimento da rua e esperando por mim.
E eu não faltava!
Com um colega de trabalho, às vezes com mais de um, eu passava ali religiosamente todo sábado, vindo a pé do Comércio, já um pouco "alto".
Depois de largar o trabalho ao meio dia reunia-me com amigos em bares da Cidade Baixa e começava a maratona sabatina.
Era sempre a mesma rotina: subíamos a pé a Ladeira da Montanha, fazíamos uma paradinha no 63, às vezes no 73 e seguíamos para a Curriachito, aquela rua estreitinha que ficava entre o cine Guarani e o paredão abaixo do jornal A Tarde. Quase sempre a gente arriava o óleo aí.
Mais tarde, era seguir para o Gravatá ao encontro das três garotinhas inocentes e, depois, de outras casas onde estavam meninas muito menos inocentes.
A caminhada continuava até o pé da Ladeira da Independência, onde às vezes havia carne fresca!
Lá pelas sete da noite era o momento de tomar o bonde para ir ver as namoradas, passar umas três horas com elas e dar uns amassos.
Às dez voltávamos a nos encontrar na Rua da Ajuda, no bar O Nogueira, tomar mais umas, comer um paio assado para aquecer as baterias e seguir para o Rumba Dancing. Quando dávamos sorte, a gente conseguia uma costela para nos aquecer pela madrugada, mas em geral pegávamos o primeiro bonde, às cinco e meia, e íamos para casa. A juventude e a saúde aguentavam! Hoje, só de escrever isso já me corre um frio na espinha, um certo cansaço, grande sonolência.
Mas, o artigo era sobre as meninas do Gravatá e eu estou aqui a recordar fatos que talvez devessem permanecer no baú de lembranças.
As meninas do Gravatá eram três irmãs saídas dos contos de Hans Christian Anderson para uma rua suspeita da Bahia dos anos cinquenta. Com idades entre 6 e 10 anos não pareciam resultar da miscigenação de raças baianas. Antes, lembravam crianças holandesas, daquelas que se viam em propaganda de leite Ninho, alouradas, faces coradas, exibindo saúde, verdadeiras figuras de biscuit.
Não acrescenta nada dar seus nomes verdadeiros. Podemos chamá-las, portanto, de Débora, Cristina e Simone. Nos anos em que passei em frente à janela delas, aguardado com expectativa e alegria por causa dos presentes que lhes levava - brinquedos baratos, caramelos e bombons - via-as crescer mês a mês, acompanhei seu desenvolvimento escolar, pois sempre batia uns dois dedos de prosa antes de continuar meu caminho. Jamais conheci seus pais, nunca soube de seus nomes, ou os vi na sala onde elas ficavam.
Até meu casamento, em 1959, quando abandonei de vez a vida boêmia, não interrompi os encontros semanais com as três garotas.
Muito tempo depois fui procurado por uma das irmãs, Débora, a mais velha delas. Não sei como veio a descobrir que aquele rapaz farrista que conhecera na infància ocupava alto cargo na Diretoria de Recursos Humanos de um banco da Cidade Baixa

Já então possuía uns vinte anos, bonita, desembaraçada, à procura de emprego.
Não foi difícil admiti-la a serviço do banco, nem às irmãs mais novas que também me procuraram nos anos seguintes.
Nos sete anos em que morei no Recife perdi-as de vista mas, assim que voltei, chamei Débora ao meu gabinete para saber de sua vida e das irmãs.
Todas já haviam se casado e as mais novas não trabalhavam mais no banco.
Quanto a Débora permaneceu no emprego por mais de trinta anos, vindo a afastar-se somente depois da intervenção sofrida pelo banco.
Faz mais de cinquenta anos que conheci as meninas do Gravatá, mas sua imagem de pureza e alegria estão sempre em minha memória, um contraponto à vida errática de minha mocidade.
Salvador, 22 de abril de 2006

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