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Contos-->O Sonho do Palácio Dourado -- 13/09/2009 - 21:58 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dormiu um sono agitado, após um dia de trabalho insano. Ele sabia, dele dependiam muitas coisas, era dele que partiam relatórios, seu chefe sempre requisitando sua presença, pressão constante. Infalível. Contínua. Ele se perguntava até onde iria sua vida, ele se questionava a partir do momento em que sua consciência se deslocava pelo seu corpo e via os primeiros sinais de uma sua companheira se avizinhando. Sim, a boa e infalível velhice.

A velha senhora se apoderava de seu corpo lentamente, seja nas horas de sono que se tornavam mais raras (quando não tinha insônia e detestava ter de acordar sem ter repousado sequer um segundo), seja com sua esposa em que os excessos cometidos na juventude pareciam ter cobrado demais agora seu preço, tanto que um e outro às vezes, mas nem sempre, mantinham distância razoável do assunto. Eram grandes companheiros, mas havia algo de intangível tocando aquele casal.

As filhas já seguiam seus rumos, três belas moças que se haviam encaminhado cada qual por seu talento, se bem que uma delas brilhava pela extrema beleza mais do que por inegáveis dotes intelectuais, coisa que nas outras era mais preponderante. Uma seguiu o rumo do exterior e era adida cultural na França, a outra (a mais bela) vivia de comerciais que fazia para diversas empresas de cosméticos e a terceira era fotógrafa, com diversas exposições também na França, no Brasil e até no Canadá, onde morava com o segundo marido.

Ele pensava, agora que chegara a esta altura, quanta falta fazem as meninas, parece que o silêncio dominou nosso mundo! Havia, é claro, o cachorro, ou melhor, a cachorra que os acompanhava em toda a parte. Ela parecia falar com os olhos dilatados e bastava um gesto seu que se sabia que estava com sede ou mesmo com remorso por haver roído mais um pé de móvel, a danadinha. Enquanto caía a água do chuveiro, ele pensava na loucura de seu dia a dia:

--Para quê?
--O que você disse?
--Eu disse algo?
--Sim, você dormiu. Em determinado momento, disse que estava vendo uma bela casa, um palácio que você estava construindo para que nós dois morássemos.
--Sim, e o que mais?
--Aí disse: Para quê?
--Assim, sem mais nem menos?
--É...

Ela continuou a ler seu livro, um livro que divagava sobre sonhos, fantasias oníricas, imagens do inconsciente.

--Sabe, os sonhos trazem à mente os desejos mais profundos.
--Eu creio!
--Quem sabe o seu desejo seja este então?
--Construir um castelo?
--Não, você disse um palácio!

E ele, em meio ao sono agitado, se viu entrando em um palácio ricamente decorado: Na sala da entrada, duas cabeças de Buda de jade, uma voltada à outra, ladeavam uma cristalina fonte de água que fazia um caminho, como um córrego em meio aos móveis de junco, madeira escura. Permeava tudo um odor de jasmim ou de alguma flor que ele conhecia. No final do riacho, um lago pequeno, arredondado, onde existia um banco circular que o convidava a sentar-se. Algo o compeliu a se acomodar, sentindo a textura do móvel feito talvez de uma raiz de árvore muito antiga. Ele podia ouvir o rumorejar das águas vindas do córrego. Viu-se perguntando a si mesmo, à beira do lago, em meio à sala onde as cortinas balançavam à brisa leve da primavera que ousava entrar no imenso aposento:

--Para quê?

O lago pareceu borbulhar, pois havia dentro dele uma gema, ou parecia ser mais uma pedra de cristal, ou talvez um diamante. O certo é que seus olhos não alcançavam o fundo da lagoa absurda dentro da sala do palácio e aquilo era só um dos aposentos. O principal aposento, ele se ouviu dizendo e as cabeças de Buda pareceram contemplá-lo, com um simulacro de sorriso nos lábios (a beatitude dos budas iluminados).

--Que há com você hoje?
--Como assim?
--Primeiro, dorme como uma pedra, depois fala do palácio e agora não para de se mexer, como se estivesse...

...Nadando. Ele nadava agora na lagoa que era tépida, morna e ele sabia que a tepidez, o calor, vinham da gema, do diamante que rebrilhava abaixo dele. Sentiu-se tentado a mergulhar, tentar ver aquela pedra de perto, de onde partiam as emanações de luz que tingiam o teto da sala do palácio de uma cor violácea, azulada e às vezes em tons de rosa e amarelo. Nas janelas, ele podia ver com nitidez, finas sedas balançando ao vento suave. As vidraças tinham motivos de vitrais; ora se podia ver uma nuvem como que coagulada em instante preciso, ora se podia ver um anjo que com seu olhar protegia alguma ninfa marinha dos desejos das criaturas do mar.

Agora, a lagoa se tornara um mar, mas não um mar bravio, mas era a mesma lagoa para onde fluíam as águas dos riachos que se alimentava de nascentes para ele desconhecidas. Talvez das montanhas que ele divisava entre uma e outra lufada de vento, ao fundo de um vale que era cortado por um rio caudaloso. Em determinado momento, ele se viu galgando a montanha mais alta, atingindo seu frio cume e dizendo ao vento eterno que soprava levantando uma crina branco-azulada que se imiscuía nas pedras transformando-se em nuvens que se precipitavam em chuvas, agigantando o rio que cortava o vale abaixo descortinado por seu olhar agudo:

--Para quê?

Sua voz se tornou um grasnido, ou ele pensava ter se tornado um piado, como que um balido: Ele se viu alçando vôo e com seus olhos podia ver a distâncias imensas; dali, onde aproveitava as correntes ascendentes, ele divisava um palácio de beleza fenomenal, onde raras gemas adornavam as pontas dos telhados dourados e de onde surgia um riacho onde rebrilhava o sol que se punha a oeste. Com seus olhos agudíssimos ele podia ver um homem dentro da sala do aposento imenso, entre os brilhos de uma lagoa, banhando-se lenta e prazerosamente, com ervas que seu olfato aguçado lhe permitia sentir de longe e ela foi ter com ele, no beiral da janela maior do quarto que dava para o vale que ele dominava com seus piados longos e serenos.

Ambos se viram, o homem que se banhava na lagoa e ela, a ave que perscrutava o horizonte avermelhado pelo sol que se punha, uma bola da fogo que tingia os cumes das árvores mais altas de uma doce cor rósea.

Ele não sabia se o que via de dentro do lago era uma ave imensa ou se apenas era o reflexo do sol nas cortinas, o fato é que ouviu um piado longo, contínuo e musical e acordou sua mulher com o movimento brusco; ela, em sono profundo, despertou de um outro sonho onde voara sobre um palácio dourado.

Ambos sabiam o porquê de tudo. Apenas se olharam nos olhos e o silêncio que se seguiu os encontrou abraçados até o amanhecer do dia seguinte.
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