Antes do início de uma certa cirurgia, o mesmo anestesista implorou para que não tocássemos na história do “menino de Piracicaba”; caso contrário, ele não daria anestesia e chamaria um outro colega para substituí-lo. Eu e o auxiliar, meu irmão, prometemos não relembrar aquele episódio épico.
De fato, durante a cirurgia não tocamos uma única vez naquele assunto.
No fim da operação, evolução tranqüila, paciente em ótimo estado, era chegada a hora da gozação – Doutor João não poderia passar sem chumbo.
Sem romper a promessa, dirigi-me a meu irmão e iniciamos a tortura do até então tranqüilo anestesista:
“Você lembra que era voz corrente, na nossa cidade, que na família só havia dois grandes craques de futebol, eu e você?”. E continuei: “Conte para o João qual foi o seu maior dilema na vida: continuar a jogar aquele maravilhoso futebol, que chegou a encantar e empolgar torcedores, ou estudar e se tornar um médico!”.
Ganhou a medicina e perdeu o futebol.
Meu irmão, com a modéstia que lhe é peculiar, olhando fixo para o anestesista, começou:
“João, sempre fui campeão em todas as categorias de que participei. Ganhei vários troféus de melhor jogador, em quase todas as competições nas quais tomei parte. Os torcedores que assistiam às minhas exibições comparavam-me com vários jogadores famosos, pois achavam que havia uma semelhança muito grande. Para encurtar o assunto, João, o meu apelido nos campos de futebol era simplesmente ‘Tallélino’, uma mistura de Talli, Pelé e Rivelino”.
A essa altura, o anestesista João estava quase convulsionando de raiva, mesmo porque ele se achava um bom jogador de futebol. E era...