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Adolescente ainda, apreciava sobremaneira uma crônica de Cecília Meireles intitulada "A Quinhentos Metros". Relia várias vezes o texto e cheguei a copiá-lo em minha agenda. Hoje encontrei o pedaço inicial da mesma na Internet e transcrevo-o abaixo:
"A quinhentos metros seus olhos desaparecem e esta claridade de seu rosto e a fascinação de sua palavra. É uma pena (eu também acho que é uma pena) mas a quinhentos metros tudo se torna muito reduzido: você se torna uma pequena figura sem pormenores. Suas amáveis singularidades fundem-se numa sombra neutra e vulgar. Ao longe, caminha como qualquer pessoa - é o que resta de você: esse ritmo, na imensa estrada que também se vai projetando, estreita e indistinta sobre o horizonte.(...)"
Lembro-me de que a escritora encerrava o texto atentando para o fato de existir sempre cerca de quinhentos metros entre uma pessoa e outra. Incrível como o amadurecimento veio a comprovar esse conceito de distanciamento interpessoal, na época tão fascinante enquanto construção poética. E pensar que, numa atitude defensiva, acreditamos estarmos sempre certos em nosso juízo sobre aqueles com os quais cruzamos. Quando não há evidências, argumentamos, incisivos, amparados na tal da intuição. E esta se constitui como o último dos argumentos, utilizada como o Às de um baralho jogado precipitadamente.
Creio que estamos sempre fadados a um considerável afastamento com relação ao bom-senso e a uma real apreciação do outro. Como está retratado num outro fragmento do trabalho, ao longe ele se torna tão irreconhecível a ponto do seu caminhar assemelhar-se ao de certas aves. Quanta estranheza decorre da nossa subjetividade...
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