Usina de Letras
Usina de Letras
169 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62219 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10362)

Erótico (13569)

Frases (50614)

Humor (20031)

Infantil (5431)

Infanto Juvenil (4767)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140800)

Redação (3305)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6189)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Quando as Mães Resolvem Morrer -- 12/03/2006 - 02:13 (Carlos Eduardo Canhameiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando as Mães Resolvem Morrer

Carlos Canhameiro

Sua mãe morreu. Seja forte. [eu sempre me pergunto por que ele usou essas e não outras palavras]
Mãe, você morreu? Morri, meu filho. Por quê? Porque o ónibus me atropelou. [eis o drama, não mais nem menos que o drama que todos gostamos de ver num filme Z na sessão da madrugada insone]
Por que o ónibus te atropelou? Porque eu me joguei sobre ele. [eu tenho uma mãe suicida, quer dizer, que se suicidou]
Por que você se matou? Não sei. É preciso saber. Por quê? Não sei. Eu me matei, ademais, não importa. Por quê? Porque estou morta. [eis o fato irrevogável]
Mãe, posso falar com você? Você sabe que é inútil. Sei mesmo, ademais, o que é útil? Seguir sua vida. Você seguiu a sua? A vida só segue enquanto se está vivo. Você está? Não, meu filho. Não do jeito que você quer. Vou continuar falando com você mesmo assim. Diga o que quiser, meu filho. [eu nunca disse tudo o que quis por acreditar que existem palavras que nos pertencem e somente a nós]
Mãe, por que você me ensinou a sentir falta daqueles que se vão? Todos sentimos, meu filho. Tem remédio? Não, tem tempo. Não me fale do tempo. Não falo, então. Quero te ver. Feche os olhos. Dói. Então abra. Continua doendo. Já tem tempo, meu filho. Quanto tempo é necessário? Duas colheres de sopa. Não é hora para receitas? Não é hora para perguntas bobas, meu filho. [parece que existem coisas que jamais deixarão de existir em nós e será isso exatamente o que sempre dirá o que nós somos]
Mãe, doeu? O quê? O atropelamento. Menos de um segundo. Dói morrer? Dói viver. Eu sei. Sabe mesmo? Aprendi quando você me deixou. Não, meu filho, você já sabia antes. Você me conhece. Desde antes do seu nascimento. O que aconteceu? Quando? Quando eu nasci. Nada, você saiu e chorou. Só? O choro é que foi diferente. Como assim? Seus irmãos choraram de susto. Você chorou de dor. Ainda choro. Todos choramos, meu filho. Você não mais, mãe. Você está morta. [quem nos ensina a chorar?]
Você se esqueceu de nós? Quando? Antes de se matar. Filho, eu fui mãe, mas antes, eu fui mulher. Não fui mãe 24 horas por dia. Os filhos não são tudo o que uma mãe tem? É o que me ensinaram. Então. Eu não aprendi direito. Você me amava? Filho... Por quê? Eu preciso saber. Por quê? Eu preciso que alguém me ame. Não seja bobo, meu filho. Não serei. [amor de mãe, dizem, é incondicional]
Mãe, eu já não lembro mais da sua voz. É o tempo. Eu não quero que o tempo faça isso com a sua voz e nem com a sua imagem. Quero que ele apague a dor. A dor vem da lembrança. Não, mãe. A dor vem sozinha, de outro lugar. A lembrança não é ferida que sangra. A dor é. Quando isso acontecer, pense em outra coisa. Não funciona. Então, chore. Eu sempre choro. Ajuda a passar? Não. Sinto sua falta, o que faço? Nada... Cante para mim? Não posso, não tenho mais voz. Por favor, pela última vez. Ah, meu filho, não faça isso com você, não se machuque tanto. Cante, por favor. [há um silêncio que brota em nossas lembranças e que destrói as nossas imagens]
Mãe, eu cresci. Eu sei. Sabe? Não, mas sabia que cresceria. Sabia? Desejei. Desejei muito que todos vocês fossem felizes. Mesmo assim, você morreu, por quê? Porque a mamãe não era feliz. Mãe, você sempre disse que falar mamãe era muito infantil. Eu sei, meu filho, foi isso o que fui. Não, isso é o que eu quero que você seja. Eu sei, meu filho. Mãe, a gente não poderia fazê-la feliz? Ah, meu menino, não faça isso comigo porque não tenho mais opção. Nem eu, mamãe. Tem sim, você está vivo. Você também estava. [todos que vão, deixam. E é o que deixam que faz com que não saibamos ir ou deixar]
Mãe, por que você se matou? Você sabe, meu filho. Ele não valia esse sacrifício. Não fiz por ele, fiz por mim. Ele não chorou. Eu sei, eu sabia. Doía tanto assim? Doía , meu filho. Fiquei muda. Fiquei murcha. Você era bonita. Não era isso que importava. Você teria outro marido. Não queria. Você seria feliz de novo. Não acreditava. Não aceitava. Não poderia. Você amaria de novo, mamãe. Não, meu filho. [todos dizem que os outros não valem os sacrifícios que cometemos por eles, mas sempre sofremos pelas loucuras cometidas pelos outros em razão de outros que não nós]
Mãe, preciso de você do meu lado. Não posso, você sabe. Tenho dor. Vai passar. A sua não passou. Eu sei. Vou com você. O que quer que eu responda, meu filho? Mamãe, diga: venha, meu filho. Não posso. Por quê? Porque estou morta.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui