Estes dias um amigo me fez uma confidência do filho adolescente. Começou dizendo que respeitava a privacidade do filho, que eram muito amigos, e isto e aquilo, mas que precisava da minha opinião, ele já não sabia o que fazer. Ele, o amigo, estava muito preocupado, queria muito ajudar o filho mas já esgotara todas as alternativas que conseguira imaginar.
Ocorre que o filho do amigo, mesmo sendo canhoto, notou que no banho esfregava muito mais a axila - sovaco - esquerda do que a direita. Quando notou o fato, no início ficou curioso e começou a fazer observações. Os pelos da axila direita eram bem mais compridos que os da esquerda. Os da esquerda praticamente inexistiam, segundo ele pela fixação inexplicável pela limpeza do lado esquerdo. Depois verificou que as demais partes do corpo eram esfregadas e limpas com igual intensidade, exceção feita ao cotovelo. Igualmente, o esquerdo merecia mais atenção que o direito, sem qualquer explicação. Era inconsciente, algo que simplesmente acontecia. Seguiu observando e descobriu que sempre se posicionava junto à namorada no lado esquerdo, o que deveria exigir mais da axila direita. Foram feitos um para o outro. O sovaco dele encaixa perfeitamente no obro da menina. Fazem um belo par.
Feitas as observações, vieram as teorias e com elas a obsessão em descobrir o motivo. Primeiro pensou em alguma preferência política, tão dados que são os partidos a estas divisões de lado. Mas ele, jovem, votara uma só vez e se arrependera amargamente, não milita em partidos ou associações. Considerou o fato de ser canhoto, quase ambidestro. Mas isto explicaria se a preferência fosse ao contrário. A mão mais ágil teria preferência e o lado contrário do corpo seria mais bem lavado. Mas não, ocorria justamente o contrário. Tentou esfregar a axila esquerda com o braço esquerdo, mas só conseguiu uma dor que durou mais de uma semana. Reminiscências da infància não muito distante? Imaginou se não teria algum trauma, a mãe talvez o puxasse pelo lado esquerdo para forçá-lo ao banho, ou reclamasse muito da falta de asseio justamente no lado esquerdo. A mãe negou veementemente e o pai a apoiou de modo irrestrito.
Foi aí que decidiu contar ao pai - meu amigo - e ele próprio fez mil conjecturas sem obter a resposta e tanto se envolveu no mistério a ponto de trair o acordo com o filho e contar-me. Não imagino o motivo para ele achar que eu teria a solução.
Eu realmente não consigo imaginar nenhum motivo para tal fato, mas não pude evitar, comecei a controlar. Para minha surpresa descobri que sempre calço antes o pé direito do sapato.
