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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->Coesão & Coerência Em Roteiros De Cinema (II) -- 24/01/2014 - 07:20 (Sereno Hopefaith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
25. INT. CONSULTÓRIO MÉDICO. SALA DE ATENDIMENTO

SENHORA PERUA


Sentada no divã frente ao médico, ela fica olhando meio sem jeito para o Psiquiatra. Algum tempo, depois de muito hesitar, a mulher, indecisa, fala:

Doutor eu tive um sonho. Muito estranho. Mesmo!

FADE OUT — (FIM)


ROTEIRO: É OU NÃO É GÊNERO LITERÁRIO?

Podemos observar a existência de semelhanças entre “O Sonho Lacaniano de Camila” e o filme “Os Pássaros” de Hitchcock. Um dos caminhos para o desenvolvimento, investigação e aprofundamento de ideias é a paráfrase. Muitas vezes fazer uma paráfrase de um texto literário ou imagético, requer não apenas expressar o texto original de modo que o significado original não se altere.

O Roteiro do “Sonho Lacaniano de Camila” buscou um caminho diverso para aprofundar as reflexões sugeridas pela obra cinematográfica citada do cineasta inglês considerado Mestre dos filmes de suspense. Este Roteiro atualiza e redimensiona as perplexidades e questionamentos de significado do longa metragem hithcockiano: “Os Pássaros”.

“O Sonho Lacaniano de Camila” acontece numa grande Metrópole fritzlangueana. Nos dias de hoje. Os questionamentos são intensamente dialogais com os problemas de anarquia e violência coletiva na sociedade globalizada atual. Não é do escopo deste trabalho acadêmico sugerir ao leitor interpretações de cunho sociológico, psicológico, político, econômico, linguístico. Ou outras. O caráter interpretativo fica por conta dos poderes perceptivos dos sentidos de cada leitor. Este Roteiro é uma obra aberta. Uma dissertação via imagens. Uma possibilidade de polêmicas.

Por que, com semelhanças flagrantes, o Roteiro não poderia ser incluído no estudo da linguística de textos de gêneros literários? Roteiro de cinema e gêneros literários têm não apenas semelhanças, mas se influenciam mutuamente. Um inexiste sem o outro. Ambos existem a partir da construções de ideias que se desenvolvem em histórias, que evidenciam personagens e as relações dramáticas de apoio e conflito entre eles: (Ações).

A literatura migra para os estúdios cinematográficos como água de cachoeira migra para lagoas e lagos. A grande maioria dos roteiros depende de obras literárias: contos, romances, poesias, crônicas, novelas. Como não considerá-lo um gênero literário que usa a linguagem textual na construção de imagens através de cenas e sequências para contar uma história? O Roteiro é ponte entre os esquemas de ordenamento de signos do verbal para o visual.

O fato é que, apesar das aproximações possíveis entre ambas as formas de expressão artística, a linguagem textual das duas se diferencia essencialmente. A literatura, ao utilizar-se de um código simples e aberto (a escrita), permite uma infinidade de recepções as mais polissêmicas possíveis. Enquanto o cinema utiliza-se de códigos e sistemas sígnicos superpostos, também abertos à polissemia, em parte herdados do teatro e da dramaturgia. Sobretudo o arcabouço de cenas e diálogos que apontam para a necessidade da representação humana. O cinema conta com recursos físicos e tecnológicos (técnicos) muito mais variados para a realização extrínseca de sua mensagem, que é a obra audiovisual: o filme (Martins, Cinema & Literatura, p.14).

“O Sonho Lacaniano de Camila” é um trabalho de exposição científica da arte cinematográfica do criar e (Adaptar) um Roteiro de cinema. Incentiva o estudo do ato literário de ler um conto e ao mesmo tempo compará-lo ao ato de ler este mesmo conto via imagens de um Roteiro. As diferenças de adaptação são inerentes às linguagens aqui mencionadas. No gênero Conto e no texto Roteiro.

Compreender essas linguagens de texto, por mais que os cineastas e roteiristas persistam na ideia de que Roteiro não é linguagem literária, temos aqui a evidência de que é simplesmente impossível criar ou analisar as imagens de um Roteiro sem que tenhamos pontos de contato de grande intimidade entre elas: linguagem narrativa de gêneros literários e linguagem de imagens de (Cenas) e (Sequências) de um Roteiro.

O conto que originou o Roteiro é um gênero literário. O Roteiro por si teve origem nele. Logo, não podemos racionalmente afirmar que a linguagem do Roteiro está dissociada do gênero que lhe proporcionou origem.

Não estou a querer fazer afirmações peremptórias. Mas sugerir uma reflexão ao leitor que deseja compreender melhor os pontos de intercepção semiótica entre ambas as formas de linguagem: a literária e a imagética. Consideremos (Personagens), (História), (Ações), dramatizações, narratividade, (Diálogos), conflitos, (Pontos de Virada) (peripécias), intertextualidade, (Clímax) como sendo comuns às linguagens de gêneros literários e à linguagem do Roteiro.

Certo é que, por mais conhecimento que um autor de literatura ou do fazer técnico de um Roteiro de cinema tenha da linguagem textual no gênero literário ou no audiovisual, para redigir um original de Roteiro ou uma (Adaptação) para o cinema, a criatividade, o talento, ideias inusitadas são indispensáveis à tarefa. Sabemos: ideias inusitadas, talento e criatividade não se aprendem em manuais de literatura e em breviários de como criar e redigir um Roteiro.


REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS, Flávio de, Roteiro de Cinema e Televisão, 3ª Ed. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 2011.
CAPRIOTTI, Letícia, recorte da monografia “A construção do conceito de sincronicidade na obra de Jung” (PUC/PR) – 1998. Ver Anexo.
HEIDEGGER, Martin, Ser E Tempo, Ed. Vozes, Petrópolis, 2002.
HEIDDEGER, Martin, Sobre o problema do ser. O caminho do campo. Livraria e Editora Duas Cidades, São Paulo, 1969.
LANG, Friedrich Anton Christian, Metropolis. 1927. Veja o filme no youtube: www.youtube.com/watch?v=WOQk7HPMvuA.
LIMA, Felipe Crespo de, O Diálogo Entre O Literário E O Cinematográfico: Uma Análise Do Romance Lavoura Arcaica de Raduan Nassar E De Sua Adaptação Fílmica. Felipe.letras@gmail.com.
MARTINS, Ricardo André Ferreira, Cinema & Literatura: Algumas Reflexões E Considerações Sobre O Roteiro Como Gênero Intersimiótico. Universidade Estadual do Centro Oeste — UNICENTRO. Anuário de Literatura, ISSNe: 21757917, vol. 17, n° 1, pág. 9/28, Irati, 2012.
MOSS, Hugo, Como Formatar Seu Roteiro (Um pequeno guia de Master Scenes), Editora Aeroplano, Rio de Janeiro, 2002.
GOODNEWS, Decio, um dos nomes literários do autor do Conto “O Sonho Lacaniano de Camila” no site www.recantodasletras.com.br.
HOPEFAITH, Sereno, um dos nomes literários do autor do Conto “O Sonho Lacaniano de Camila” no site www.usinadeletras.com.br.
HOWARD, David e MABLEY, Edward, Teoria e Prática do Roteiro, Editora Globo, 5ª impressão, São Paulo, 2011.
Instituto Reichiano Psicologia Clínica e Centro de Estudos: O Segredo da Flor de Ouro. 8a. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça, TRAVAGLIA, Luiz Carlos, Texto e Coerência, 3ª Ed. Ed. Cortez, São Paulo, 1993.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça, A Coesão Textual, Ed. Contexto, São Paulo, 6ª Ed. Ed. Contexto, São Paulo, 1993.
NUNES, João, De Como Escrever Seu Primeiro Argumento de Cinema Em Trinta Dias, (livro grátis e-books): HTTP://eepurl.com/gYANX.
REICH, Wilhelm, A Função do Orgasmo, Problemas Econômico-Sexuais da Energia Biológica. Editora Brasiliense, 9ª Edição. Rio de Janeiro, 1975.
RODRIGUES, Nelson, http://pt.wikiquote.org/wiki/Nelson_Rodrigues.
SEGER, Linda, A Arte da Adaptação (Como transformar fatos e ficção em filmes), Editora Bossa Nova, São Paulo, 2007.
SAMUELS, Andrew, Jung E Os Pós-Junguianos, Editora Imago, Rio de Janeiro, 1989.
WEINRICH, Harald, Consciência e linguagem: leituras literárias, Fondation Maison dês Sciences de L´homme, Fondation Maison des Sciences de l`Homme, Paris, France, 1989.


GLOSSÁRIO

Ação — Atividade ou fala gerada por elemento da estória. Vetor de força que impulsiona um personagem. A ação, segundo Howard e Mabley, é muito mais importante do que o diálogo.

Argumento — O mesmo que Sinopse: material dramático a partir do qual a narrativa é organizada, desenvolvida e solucionada.

Ato — Um roteiro é uma estrutura narrativa em três atos. O paradigma dos três atos é aceito quase que por unanimidade. O primeiro ato envolve o espectador com as personagens da história. O segundo ato mantém esse envolvimento e acentua o compromisso emocional do espectador com as personagens. O terceiro ato conduz esse envolvimento a um final satisfatório (clímax). Resumindo: Exposição, Conflito, Solução.

Beat — Ritmo, compasso, pulsação. Um Beat define o menor momento psicológico de uma atuação. O momento da comunicação em andamento. A comunicação através de um olhar, um gesto, uma palavra, um movimento que transmite uma intenção que precisa ser comunicada, precisa chegar ao espectador.

Cabeçalho — Rubrica que informa o número da cena. O lugar onde a cena se passa. Se é uma locação no interior ou no exterior. Indica se a cena é no período diurno ou noturno.

Cena — Segmento de um incidente que, delimitado por um lugar, é parte da narração.

Clímax — Momento no qual todas as tensões dramáticas da história se solucionam. Equilíbrio das forças em oposição que se reorganizam uma vez superados os conflitos.

Conflito Principal — É o ingrediente principal de qualquer evento dramático. O conflito organiza a história. É o combustível que alimenta a energia da história. Sem conflito o espectador permanece indiferente aos rumos da história. Ele é fundamental no jogo de ação que se manifesta através de embate entre personagens. O CP envolve as personagens principais. E as personagens secundárias dele participam com menor intensidade. Dramática.

Diálogo — Troca de atos de fala entre personagens. Distingue os mundos, objetivo e subjetivo, das personagens. Personaliza-as.

Escaleta — Descrição resumida das cenas de um roteiro em sua sequência de eventos.

Espaço — Lugar indicado no Cabeçalho onde se desenvolvem os acontecimentos dramáticos das cenas.

Estética — Condições e recursos técnicos, objetivos e subjetivos, a partir dos quais se criam os efeitos plásticos das formas (interpretação, som, cores, narração, montagem), que definem as sugestões de apresentação do conteúdo de uma obra de arte.

Estilo — Forma através da qual o narrador conta sua história. Maneira particular como um filme é produzido. Maneira personalizada através da qual a questão subjetiva, a linha dramática, o tema e seus desenvolvimentos são apresentados. Aristóteles dizia: “Não basta saber o que dizer, é preciso saber como dizê-lo”.

Estrutura — Conjunto formado, principalmente, pelas cenas e sequências de um filme.

Flashback — Exibição de incidente ocorrido antes do momento em que a narração está evidente na tela.

Personagens — Representações de pessoas ficcionais.

Ponto de Virada — Mudança na qual uma ação se desloca do eixo narrativo em que se mantinha até então.

Rubrica — Notação que, num roteiro, descreve elementos da história ou recursos de narrativa.

Ponto de Vista (P.V.) — Câmara situada na mesma altura do olho do ator, vendo o ambiente como este. Intensifica a dramaticidade do roteiro.

Sequência — Conjunto de ações constituídas por bloco de planos e cenas. Planos e cenas que mantêm a unidade da ação dramática. Uma sequência pode conter várias cenas.

Sinopse — Descrição resumida da história narrada no roteiro: personagens, dramatização, cenários e locações.

Subtrama — Fio da história selecionado pelo narrador enquanto subalterno à trama principal.

Tema — O ponto de vista do escritor com relação à história. Conceito principal da narrativa. Aparece mais no âmbito da esfera social que pessoal das personagens. Resposta à pergunta: “Sobre o que é este filme?”. A escritora Linda Seger em seu livro A Arte da Adaptação, indica como identificá-lo: 1. Na narrativa do escritor. 2. Nos diálogos. 3. Nas escolhas feitas pelo escritor no desenvolvimento da história. 4. Nas escolhas feitas pelos personagens e 5. Nas imagens cinematográficas usadas nas descrições do livro. A linha temática liga os elementos mais díspares da história.

Tempo — O tempo em que os acontecimentos da história se desenvolvem.

Trama — Segmento da história selecionado pelo narrador. Os incidentes que originam outras sequências de incidentes.

Voz Over (V. O.) — Voz incidental agregada à imagem. Voz de um personagem que não está presente fisicamente na cena. Voz que se comunica diretamente não com outro personagem, mas com o espectador.


ANEXO I (CONTO)
O Sonho Lacaniano De Camila
Autor: Decio Goodnews

Camila Morena, filha de uma família tradicional da sociedade orwelliana, vivia uma vida de conto de fadas. Muito amarrada na família, frequentava um psiquiatra não por ter problemas graves de neuroses.

"Apenas normoses, ou neuroses normais" — como costumava dizer para pessoas de seu ciclo de amizades. De temperamento expansivo, gostava de festas onde rolava de tudo. Mas não consumia nada que fosse mais do que duas taças de cerveja. Quando muito exagerava, ficava meio alta e parava, decisivamente, na terceira.

Saiu apressada de uma butique nos Jardins e, como estava próxima ao apartamento da Edna Manhattan Nestor, onde sua amiga poderia estar em visita, resolveu ir até lá. Desde que os telefones celular e fixo não atendiam às chamadas.

Ao adentrar o apartamento encontrou também Marta Lambs Rebuças, a mãe de sua melhor amiga: “Tudo em sua família parece certinho demais. Pelo menos de seu ponto de vista”. Camila Refutou afirmativa:

— Vivo num ambiente familiar harmonioso, onde descascar uma cebola na cozinha parece uma delícia sem fim. Vou ter de sair agora, senão perco a hora de cinquenta minutos, mais ou menos, dependendo da disposição do analista. Após sair da casa da amiga, surpreendeu-se chegando na hora para o início da sessão.

Começou a querer contar um sonho o qual não sabia definir seu significado. Argumentou ao analista: — Talvez você possa me dizer, senão vou ficar perturbada um tempo tentando saber se é uma fantasia, uma utopia ou um desejo reprimido. Sei lá o quê. Talvez um complexo de Eva. Ou uma manifestação aleatória do Outro.

O psiquiatra ouvia, em silêncio, as considerações de Camila:

— Fico sem jeito de falar isso, mas resolvi contar o sonho e não há como de dizer de outra maneira. Não sei, talvez não tenha aptidão para dizer diferente. Ela olhou interrogativa para o médico enquanto cismava ruminando de si para consigo: “Será preciso contar mesmo esse sonho? E se o significado for alguma coisa que me comprometa? O Outro tomando conta de mim”?

Continuou fixando o psicanalista, relutando interiormente se devia ou não contar a experiência onírica. Bem que tentou ouvir a opinião de Edna. Contar para a mãe dela, nunca. Não confiava nem um minuto numa pessoa da geração de sua mãe. Fosse quem fosse. Apesar de conviver com ela sem sobressaltos. E tentar confiar no psicanalista.

As imagens oníricas tinham grande força emocional e intensidade estética. Quando adolescente costumava ouvir histórias de sonhos esquisitos entre as garotas e as pessoas entrevistadas com quem convivera profissionalmente enquanto assistente de palco no programa de uma apresentadora de TV. Mais que fortes, as imagens oníricas desse sonho esquisito eram de uma beleza manifesta.

Mais que um sonho, achava que talvez fosse mesmo uma premonição. Talvez. Daí seu medo. Ainda na dúvida se contava ou não, pensou que não devia se expor escancaradamente daquele jeito. E se o psicanalista aproveitasse seu sonho para se inserir de modo velado em seu psiquismo? Bom, ela tinha desfilado em passarelas da moda, circulado no mundo de atores e atrizes do teatro, cinema e novelas. Mas... nunca ninguém tinha lhe contado um sonho nem parecido.

Os olhos expressivos, cor de mel, seu olhar adolescente e brejeiro de quem está sempre aprontando uma resposta antecipada para qualquer atitude crítica (o psicanalista certa vez havia dito que ela parecia estar sempre se desculpando, numa atitude autodefensiva) venha de quem vier. Todas essas considerações vieram à tona num átimo de segundo.

Pensou que, se não tivesse de contar esse sonho, se não pudesse confiar nele, analista, suas intimidades, seus sobressaltos, suas neuras, em quem mais poderia confiar? Estaria simplesmente jogando fora a grana das sessões. Disse de repente:

— Eu sonhei que saía passarinho de meu xibiu. Não, não um passarinho. Vários, sei lá, dezenas, centenas. Mas não doía nada. Eu ficava acocorada no sofá da sala e olhava a calcinha preta rasgada pelo bicar dos passarinhos que saíam do canal vaginal... Estava tão superlativamente espantada e ao mesmo tempo encantada na contemplação desse fenômeno, que pareci satisfeita com a visão dos bichinhos saindo, alados, da vagina.

— "Seria talvez uma fixação de menina? Ou estaria carente de parir? Ou de transar"?

— De lá, do vinco (ela apontou o dedo indicador para a vagina) enquanto encarava a reação do analista, que não teve nenhuma. E continuou:

— Um após o outro, eles esvoaçavam pela sala. Ganhavam espaço pelo terraço e se dirigiam a algum lugar pré-determinado que eu não tinha ideia de onde seria. Para onde estavam se dirigindo ao celebrar os movimentos em desassossego das asinhas?

— Súbito o sofá estava num cemitério. Ela olhava o orifício na calcinha rasgada pelas bicadas dos passarinhos que continuavam a promover a inquietação das asinhas e a suposição que há liberdade ou mostra de felicidade em cantar.

— Rápida e provisoriamente os passarinhos trinavam de maneira deliciosa. Seus gorjeios eram trinados melodiosos ouvidos como se estivessem não ao redor, mas num lugar distante. Apurei o ouvido para saber por que razão a sonoridade não chegava mais próxima e intensa. Mais condizente com a pouca distancia em que alguns estavam.

Camila pensou em questionar a narrativa e perguntar alguma coisa ao médico que a fizesse sentir-se menos apreensiva. Preferiu continuar a narrativa ao dizer que saltou em direção ao solo cimentado do cemitério e surpreendeu-se caminhando em direção a janela do apartamento.
— Ouvi e, estupefata, vi milhares de passarinhos saídos de outros apartamentos em outros lugares da cidade vizinhos. Os espaços estavam tomados pelos movimentos e a música das aves. Pareceu-me estar participando de um evento em que milhares, talvez milhões de outras mulheres também estivessem passando pela mesma situação de parturientes de passarinhos.

— Por que voavam em direção às necrópoles? Por que se dirigiam aos cemitérios com sua presença e seu canto? Por quê? Por que não podiam sair vivos dos cemitérios? Sentir-se-iam atraídos pelos cadáveres? Pelas cruzes? Pelo mármore?

Após breve pausa aflitiva, voltou a falar perguntando-se mais à sua psique que ao especialista. — Que força sobrenatural os estava privando da liberdade? Eles simplesmente caíam sem vida nas calçadas e sobre os automóveis que trafegavam nas ruas ao lado dos muros que cercavam as casas dos mortos.

— “Podiam adentrar esse solo dito sagrado, pensou em voz alta. Por que não podiam sair vivos do cemitério? Que maldade essa imagem representa? Morriam ao tentar sair da casa dos mortos. Que estranho”!

— A vida deles parecia depender da proximidade das covas. Era impressionante o contraste entre a alegria contagiante com que saltavam e gorjeavam seus trinados, suas vozinhas de pássaros encantados por movimentos e cantos primaveris.

— As pessoas iam para as necrópoles mais para ver esse espetáculo canoro e esses sons melodiosos de criaturinhas frágeis e coloridas, do que para rezar os se despedir de seus mortos. Esvoaçavam sobre túmulos, mausoléus e criptas como se cantassem os corpos em decomposição. Firmavam os pezinhos sobre as cruzes e as asas das figuras angelicais em frenéticas cantorias.

— Essas composições aladas tinham um quê que ultrapassava as leis naturais. Seria isso de bom augúrio? Por vezes pareciam formar bandas de três, quatro, por vezes cinco passarinhos cantores que harmonizavam entre si os trinados.

— A coisa mórbida do sonho estava em que, quando saíam dos limites do muro dos cemitérios, caíam no chão e ficavam agonizando. As asinhas logo paravam de se debater. Morriam. Dó de vê-los. Além da fronteira da casa dos mortos não havia possibilidade de sobrevivência para eles.

Como que consolando-se Camila pensou: "Sonhar com passarinhos, segundo os dicionários de interpretação de sonhos, prenuncia alegria, harmonia, entusiasmo e amor".

— Assim como possibilidade de viagens. Lembrou o analista. Que afinal falava alguma coisa. Como se tivesse acompanhado seus pensamentos.

— “Esperava mais envolvimento dele na interpretação desse sonho.” Camila queria livrar-se logo do peso dessa fantasia onírica que, ainda não tinha como saber, poderia ser a premonição de pesadelos. Esperava contar com a providencial assistência do médico. Que certamente não ia vir. Pelo menos agora:

— Vamos falar mais desse sonho na próxima sessão. — Disse ele.

— Está bem, ela replicou. E pensou: “eu bem que queria trocar uma ideia com minha amiga Edna antes de vir aqui". Simultaneamente ouviu a canção do celular. Era Edna:

— Desculpe, olhou com olhar compassivo nos olhos do analista. — Esqueci-me de desligá-lo. Um instante, por favor. Passou a atender o celular.

— Sonhei que estava vendo o Jornal Nacional — Edna afirmou. Achei que deveria falar contigo desse sonho. Não sei porque eu tinha de te telefonar agora dizendo isso. Ouvi essa notícia esquisita: mais de sete bilhões de corpos de passarinhos haviam sido varridos nos últimos nove meses pelos garis das cidades nos cinco continentes. — Imediatamente Camila prometeu a amiga falar com ela "daqui a pouco".

Desligou o telefone e passou apressada a informação ao médico.
— Isto é sincronicidade — disse o analista, enquanto a secretária bateu apressadamente na porta e a abriu, anunciando que o próximo cliente estava na sala de espera.

Camila entendeu a mensagem e dirigiu-se à porta de saída. — Ah! Sim! Disse o psicanalista falando enfático: "por que você não ler o Salmo 91"?

Logo que Camila saiu o doutor pegou o microfone e gravou: “A paciente Camila, sentindo-se sem função social utilitária e angustiada diante de uma participação mecanicista nos laços familiares e sociais, deseja compensar o vazio existencial resultante, justificando-se, com relação à culpa em decorrência da vida vazia de significado e da ausência da maternidade, compensando esses impasses com fantasias de maternidade múltipla, beirando a criação de um complexo de Eva a povoar a sociedade com rebentos frágeis, sem liberdade possível, num mundo globalizado pela futilidade consumista e controlado pela onipresença de um engajamento ético impossível de se realizar”.

O psicanalista parou um minuto para dizer à secretária que, em cinco minutos, poderia fazer adentrar na sala de análise a próxima paciente. Pegou novamente o microfone e gravou: “A suposta liberdade dos filhos (os passarinhos) se afirmava muito rapidamente e logo acabava em morte, assim que, sem tardança, saíam da proximidade de seus ancestrais: os mortos”. Os mortos que ela mesma representava.

— O sonho expressa, entre outras coisas, a impotência da frágil consciência de uma geração que, ao tentar ultrapassar as fronteiras que a separam de uma vida da qual não são capazes de se afastar, conforma-se à dependência atávica, ao medo estabelecido pela incorporação através da história, de pensamentos e valores interiorizados desde a vida vegetativa no líquido amniótico.

O analista coçou com a unha do dedo mindinho da mão esquerda o cavanhaque enquanto dizia pensativo: — "A morte dos pássaros, logo depois de ultrapassarem a fronteira do mundo de seus antepassados (o cemitério), representa a idealização voyerista-masoquista de personalidades infantis que, na impossibilidade de criarem sua própria depressão, sua própria alternativa de vida, passam a simular uma vida que não é deles, mas a de seus mortos”.

— “A morte dos pássaros logo após atravessarem a barreira do muro do cemitério representa a incapacidade de uma geração abrir caminho para suas próprias realizações intelectuais e emocionais e passam então a viver das emoções e realizações de seus ancestrais. De seus mortos. A morte dos pássaros simboliza a morte das expectativas de vida de uma geração, que mal sai do útero materno e começa a viver uma vida que é uma extensão da personalidade de seus mortos. Uma vida que afirma o suicídio de suas ambições inexistentes”.

A secretária anuncia a entrada na sala do próximo paciente. O analista responde, lacônico, ao cumprimento, e abandona o microfone, não sem antes gravar:

— “Como diria Walter Benjamim, diante do inimigo e da expectativa deste vencer ao impedir o impulso que realiza o princípio de vida e de realidade, resta apenas, ao médico, realizar a tanatoscopia. Desde que a consciência da impotência pessoal (de si mesmo) e coletiva do Outro se satisfaz e realiza apenas pelo assassinato em massa hegeliano”.

E concluiu a avaliação provisória do sonho de Camila ao mover os lábios, e mencionar, de si para consigo, que voltará à gravação visando complementar suas considerações preliminares.

A cliente que substitui Camila no divã senta-se e começa a olhar desconfiada o médico. Após alguns momentos de hesitação, ela finalmente fala:

— Doutor, eu tive um sonho. Muito estranho. Mesmo!




ANEXO II

JUNG E SINCRONICIDADE: A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO
Letícia Capriotti

Extraído da monografia "A construção do conceito de sincronicidade na obra de Jung" (PUC/PR - 1998).

Um estudo do conceito de sincronicidade à luz da sua construção histórica se faz necessário por duas razões. A primeira delas é que, pelo fato de o conceito lidar com premissas que vão além de nossa visão convencional da realidade (como a acausalidade) é muito fácil que ele seja mal-interpretado e desta forma distorcido. A outra razão para se fazer um estudo histórico da obra de Jung (de toda a obra, não só do conceito de sincronicidade) é que hoje, passados mais de trinta anos da sua morte, ainda existem muitos aspectos ocultos e mal-entendidos que só prejudicam um entendimento correto da vida e da obra de Jung e que dão margem a idealizações e a interpretações denegridas. Andrew Samuels chama isso de uma falta de "enlutamento" e afirma que "por não termos feito o luto de Jung adequadamente, por não termos uma história estabelecida, tem sido muito difícil para nós consolidar nossos contatos e relacionamentos com o mundo acadêmico" (SAMUELS, 1995: 160). Um resgate histórico dos conceitos da obra de Jung vem no sentido de uma busca de esclarecimento.

O trabalho principal de Jung sobre o assunto é "Sincronicidade: um princípio de conexões acausais" publicado em 1952 junto com um artigo do físico Wolfgang Pauli, hoje o volume VIII das Obras Completas (infelizmente sem o artigo de Pauli). O fato desse trabalho mais detalhado ter sido publicado somente em 1952 pode nos levar a pensar que Jung só começou a se interessar pelo tema a partir da segunda metade deste século. Mas, como podemos perceber pelo que ele dizia nos seminários, escrevia em sua correspondência pessoal e no que depois viriam a ser os volumes das Obras Completas, a sincronicidade foi um assunto com o qual Jung começou a se preocupar no final dos anos 20, do qual ele se ocupou durante muitos anos até que se sentisse autorizado a escrever sobre ele e pelo qual ele se interessou até o fim da vida.

O termo ‘sincronicidade’ aparece pela primeira vez em 4 de dezembro de 1928 no seminário "Dream Analysis":

Eles aceitaram o simbolismo como se tivessem estado aqui conosco. Já que eu vi muitos outros exemplos do mesmo tipo nos quais pessoas não relacionadas foram afetadas, inventei a palavra sincronicidade como um termo para cobrir estes fenômenos, isto é, coisas acontecendo ao mesmo tempo como uma expressão do mesmo conteúdo. O fato de que os princípios da nossa psicologia são princípios de fenômenos energéticos gerais não é difícil para o chinês aceitar; só é difícil para a nossa mente discriminativa. Mas ela também tem o seu valor com o seu refinado sentido para os detalhes das coisas e aqui é exatamente onde o oriente definitivamente mostra a sua incapacidade, pois eles não conseguem lidar com os fatos e eles se permitem todos os tipos de idéias e superstições fantásticas. Por outro lado eles têm uma compreensão muito mais completa do papel do homem no cosmo, ou do como o cosmo está ligado ao homem. Devemos descobrir isto e muitas coisas altamente interessantes e maravilhosas que são do conhecimento deles." (p. 417)

Porém antes, no mesmo seminário Dream Analysis, Jung já vinha falando disso, sem citar o termo "sincronicidade", como em novembro de 1928:

Isto é o que chamamos de uma simples coincidência. Menciono isto para mostrar o quanto o sonho é algo vivo, de forma alguma algo morto que farfalha como um papel seco. É uma situação viva, é como um animal com antenas, ou com muitos cordões umbilicais. Nós não percebemos que enquanto estamos falando deles, isto é produtivo. É por isso que os primitivos falam de seus sonhos, por isso eu falo dos sonhos. Somos tocados pelos sonhos, eles nos expressam e nós expressamos a eles, e existem coincidências ligadas a eles. Recusamo-nos a levar as coincidências a sério porque não podemos considerá-las como causais. É verdade que cometeríamos um erro em considerá-las causais; fatos não acontecem por causa dos sonhos, isto seria absurdo, nunca poderemos demonstrar isto; eles apenas acontecem. Mas é sábio considerar o fato de que eles realmente acontecem. Nós não os notaríamos se eles não tivessem uma regularidade peculiar, não aquela de experimentos de laboratório, e sim um tipo de regularidade irracional. O oriente baseia muito da sua ciência nesta regularidade e considera as coincidências como a base confiável do mundo, não a causalidade. O sincronismo é o preconceito do oriente, a causalidade é o preconceito moderno do ocidente. Quanto mais nos ocuparmos dos sonhos, mais poderemos ver estes acasos-coincidências. Lembrem-se de que o mais velho livro científico chinês é sobre o possível acaso da vida. (págs 44-45)

Em uma nota de rodapé à palestra de 27 de novembro de 1928, lemos que: "Algumas das idéias que Jung estava experimentando na sua palestra reapareceram em seu discurso em memória de Richard Wilhelm (1930), vol.15, parágrafos 81-82, onde ele publicou pela primeira vez uma referência à "sincronicidade"" (p. 412)

Como se pode notar, o conceito aqui ainda está muito ligado ao princípio científico chinês e à questão da acausalidade devido à influência de Richard Wilhelm, como veremos depois.

As referências ao tema continuam e, em uma carta de 1934 ao físico Pascual Jordan, Jung cita pela primeira vez o seu interesse pela física, a aproximação desta com a psicologia e a influência de Wolfgang Pauli dizendo que "apesar de eu não ser um matemático, me interesso pelos avanços da física moderna, que está cada vez mais se aproximando da natureza da psique, como tenho visto há muito tempo. Muitas vezes falei sobre isso com Pauli". Como veremos mais adiante, a contribuição de Pauli foi fundamental para Jung no sentido de lhe dar uma fundamentação científica para o conceito de sincronicidade. A partir da década de 40, as referências de Jung se afastam cada vez mais do oriente para se aproximar da física moderna.

A última referência escrita de Jung à sincronicidade é feita em uma carta endereçada a Stephen Abrams onde ele fala sobre os fenômenos ESP. Esta carta é de 1960, portanto pouco antes de Jung falecer:

A teoria matemática da informação está além do alcance do meu entendimento, no entanto parece-me interessante. É bem possível, até mesmo provável, que o homem tenha uma quantidade muito maior de ESP a sua disposição do que a que ele realmente supõe. Isso deve ser verdade se a sincronicidade pertence às qualidades básicas da existência.

Jung escreveu um grande trabalho sobre o tema que consta em "Sincronicidade" (vol. VIII CW) porém encontramos várias outras referências ao assunto no prefácio de "O Segredo da Flor de Ouro"; nas "Tavistock Lectures" (vol XVIII CW); no prefácio ao "I Ching" e em "Um Mito Moderno Sobre Coisas Vistas no Céu" (vol. X/4 CW). Esse princípio também foi citado nos seminários "Dream Analysis", "Visions Seminar" e "Nietzsche’s Zarathustra", que não se encontram ainda traduzidos para o português. Igualmente ainda sem tradução está a importante fonte de dados que foi a correspondência completa de Jung. Uma descrição de todas as referências em ordem cronológica é fonte rica para uma análise, porém escapa ao âmbito deste trabalho.

Jung sugere como ponto de partida de suas reflexões sobre o conceito de sincronicidade suas conversas com Albert Einstein, quando este estava em Zurique no período de 1909/1910 e 1912/1913. Em uma carta endereçada ao jornalista e crítico teatral suíço Carl Seeling em 25/02/1953 escreve Jung:

O professor Einstein foi meu convidado em várias ocasiões para jantar... aquele era um período inicial onde Einstein estava desenvolvendo sua primeira teoria da relatividade, [e] foi ele quem me fez começar a pensar sobre uma possível relatividade do tempo assim como do espaço e sua condicionalidade psíquica. Mais de trinta anos depois este estímulo levou-me ao relacionamento com o físico Prof. W. Pauli e à minha tese da sincronicidade da psique. (LETTERS - p. 109, v.2).

A lembrança de suas conversas com Einstein, mesmo que "como não-matemáticos nós, psiquiatras, tivéssemos dificuldade em seguir o seu argumento" (ibid), mais do que ao conceito de sincronicidade levaram Jung a buscar uma base ou fundamentação teórica dentro da física moderna a este princípio, embora as primeiras idéias a respeito do conceito advenham do estudo feito por Jung da filosofia oriental, principalmente do I Ching.

Talvez possamos estabelecer dentro da construção da teoria da sincronicidade duas etapas complementares sendo que a primeira corresponderia a uma fase oriental e a segunda fase estaria ligada à fundamentação física e a uma ampliação do conceito em que este passa a fazer parte de uma idéia mais abrangente, a das "ordenações não causais". Da mesma forma que podemos propor duas fases também podemos propor a influência de dois autores sobre Jung e a cada um deles corresponderia uma diferente fase; na primeira fase, que vai até a metade dos anos 40, o papel de Richard Wilhelm é marcante e na segunda fase, que vai até o final dos anos 50, a relação de Jung com Wolfgang Pauli é fundamental.

A INFLUÊNCIA DE RICHARD WILHELM

Jung conheceu o sinólogo Richard Wilhelm (tradutor da melhor versão para o ocidente do I Ching) no final dos anos vinte e os dois tornaram-se amigos e colaboradores até a morte prematura de Wilhelm em 1931. Mesmo antes de conhecer Wilhelm, Jung já se interessava pela cultura oriental através de sugestões de Antônia Wolff e já fazia uso do antigo texto chinês de sabedoria e oráculo, o I Ching na tradução de James Legge.

Desde o início de seu trabalho com sonhos, Jung observou que os motivos oníricos tendem a coincidir relativamente com situações reais, com um significado semelhante ou mesmo com situações reais idênticas. Ele só se expressou oficialmente a respeito deste tema no final dos anos 20 falando a respeito do princípio científico chinês, que é baseado numa idéia totalmente diferente de nossa hipótese da causalidade e que é particularmente importante em conexão com o I Ching.

Jung já há muito vinha observando fenômenos reais que não se enquadravam na visão ocidental causalista. A filosofia oriental, com seu pensamento não-linear, comprovou-lhe que o acaso e a coincidência podem ser levados em consideração e que a causalidade é meramente uma hipótese, não uma verdade absoluta. Na China antiga, a filosofia, a medicina, a arquitetura e outras ciências humanas eram baseadas na ciência da coincidência.

Além de um contato mais aprofundado com a filosofia oriental, a relação com Wilhelm trouxe um texto fundamental para Jung - o tratado Taoísta chinês "Segredo da Flor de Ouro", para o qual Wilhelm pediu-lhe que fizesse o prefácio. Segundo Gerhard Wehr, "(...) o texto Taoísta parece ter tido um efeito que afetou Jung como uma iniciação. Somente depois dessa experiência é que ele foi capaz de se dedicar intensivamente à tradição alquímica"(WEHR, 1989: p. 75). Antes dele Jung já havia se interessado pela alquimia "mas foi de Wilhelm que Jung recebeu o ímpeto de iluminar os paralelos entre a alquimia e a psicologia profunda."(ibid, p. 76)

Mesmo antes do final dos anos vinte, Jung vinha procurando entender as imagens da mitologia, as imagens de seus pacientes e as de seu próprio confronto com o inconsciente. Foi através da alquimia que Jung pôde entender todas estas imagens porque a alquimia se expressa em uma linguagem simbólica, que é uma das linguagens da psique (a outra é conceitual). A alquimia vem dar uma forma ao processo de individuação e assim os conceitos principais de Jung como o de inconsciente coletivo e arquétipo ficam mais claros depois de 1928. Dentre os conceitos alquímicos que influenciaram a concepção de sincronicidade, destacam-se o de unus mundus e o de macro e microssomo.

Junto com a alquimia vem o encontro com Pauli e conceitos como o de psicóide e o de sincronicidade tomam forma e se abre uma nova forma de compreensão da relação entre psique e matéria.

A INFLUÊNCIA DE W. PAULI

A relação de Jung com o físico alemão Wolfgang Pauli começa com um pedido de análise por parte de Pauli em 1930, em função de um colapso pessoal. Em 1928 sua mãe, então com 48 anos de idade, havia se suicidado e em 1929 Pauli casou com Käthe Deppner, mas a união não deu certo. Após esse casamento fracassado e o suicídio de sua mãe, com quem tinha um forte vínculo afetivo, a condição emocional de Pauli, que já não era estável, se deteriora a ponto de ele beber em excesso e sofrer de isolamento, como resultado também da sua língua mordaz e ferina. Por sugestão de seu pai, Pauli vai procurar ajuda com Jung. Ao invés de assumir ele mesmo o caso, Jung encaminha Pauli para Erna Rosenbaum, uma jovem analista. Um dos motivos para esse encaminhamento foi a dificuldade de Pauli na sua relação com as mulheres e com a sua função sentimento. Um outro motivo alegado por Jung foi a sua percepção de que Pauli era uma personalidade excepcional e que requeria um tratamento especial. Jung encaminhou-o de propósito a uma principiante: não queria que o material que ele trazia fosse influenciado por nenhum conhecimento aprofundado anterior. Em "Psicologia e Alquimia" Jung escreve:

Vale a pena observar pacientemente o que se processa em silêncio na alma. A maioria das transformações e as melhores ocorrem quando não se é regido pelas leis vindas de cima e do exterior. Admito de bom grado que é tal meu respeito pelo que acontece na alma humana, que receio perturbar e distorcer a silenciosa atuação da natureza, mediante intervenções desajeitadas. Por isso renunciei a observar pessoalmente o caso que nos ocupa, confiando a tarefa a uma principiante, livre do peso do meu saber - tudo isto para não perturbar o processo. Os resultados que aqui apresento são simples auto-observações conscienciosas e exatas, de uma pessoa de grande firmeza intelectual, que ninguém jamais sugestionou e que não seria passível de ser sugestionada. Os verdadeiros conhecedores do material psíquico reconhecerão facilmente a autenticidade e espontaneidade dos resultados aqui expostos. (parag.126)

Pauli, por sua vez, dedicou ao seu inconsciente a mesma paixão brilhante que dedicava à física. Ele registrou e espontaneamente ilustrou quase 400 sonhos em seus dez meses de análise. Esses sonhos que Jung analisou posteriormente, serviram de fundamento para um dos seus escritos mais importantes: "Individual Dream Symbolism in Relation to Alchemy", a segunda parte de "Psicologia e Alquimia".

Jung e Pauli passam a se corresponder com mais freqüência. Pauli apoiou o princípio da sincronicidade como sendo científico. A contribuição mais famosa de Pauli à física - o Princípio de Exclusão pelo qual ele recebeu o Prêmio Nobel - implicava a descoberta de um padrão abstrato que se oculta debaixo da superfície da matéria e que determina seu comportamento de modo "acausal". Jung auxiliou Pauli na sua compreensão dos fatores coletivos e arquetípicos na psique. Desenvolve-se assim uma longa colaboração e influência teórica mútua, culminando em 1952 com a publicação de "The Interpretation of Nature and the Psyche" com dois textos, um escrito por Pauli "The Influence of Archetypal Ideas on the Scientific Thoughts of Kepler" e outro por Jung "Sincronicidade: Um Princípio de Conexões Acausais" (vol.VIII). Em agosto de 1957, sem nenhuma razão aparente, a correspondência entre os dois se interrompe.

Para Pauli o encontro com Jung o levou a um conhecimento pessoal dos processos inconscientes e de seu papel vital na integração e equilíbrio da personalidade humana. Como cientista ele também foi despertado para o significado que as pesquisas de Jung têm para a ciência. Em particular, ele reconheceu as profundas implicações que o conceito de arquétipo tem para a ciência e as suas derivações epistemológicas. (Ver: "Ideas of the Unconscious from the Standpoint of Natural Sciences and Epistemology" - 1954; "Science and Western Thought" - 1955)
Para Jung o encontro com Pauli trouxe à tona certos aspectos da natureza da realidade que o levaram à posterior expansão do conceito de arquétipo e que deram ao conceito de sincronicidade e suas aplicações posteriores um melhor embasamento científico. Esta última formulação da hipótese dos arquétipos está fundada no paralelismo percebido por Jung/Pauli entre a psicologia do inconsciente e a teoria quântica, paralelismo este que foi aprofundado por Marie-Louise von Franz em livros como "Number and Time" e "Psyche and Matter". Jung foi tocado pelo fato de que a pesquisa psicológica à medida que se aprofunda chega ao limite de certos irrepresentáveis, os arquétipos, e a pesquisa na física quântica de maneira similar também chega aos irrepresentáveis, as chamadas partículas elementares que constituem toda a matéria mas para as quais nenhuma descrição espaço/temporal é possível. Desde que a psique e a matéria estão contidas em um e mesmo mundo, Jung usou o termo "unus mundus" para descrever esse aspecto transcendente e unitário que sustenta a dualidade da mente e da matéria.

O conceito de sincronicidade e a conceituação de uma ‘ordenação acausal geral’ têm amplas implicações na física moderna. Em seu artigo "The Archetypal Hypothesis of Wolfgang Pauli and C.G. Jung: Origins, Development, and Implications", o físico Charles R. Card afirma que: "Esta hipótese arquetípica [de Jung e Pauli] tem implicações que hoje mais do que nunca podem ser vistas como relevantes a algumas das maiores preocupações das bases da física moderna - em particular no tratamento de fenômenos não-locais na mecânica quântica e em fenômenos ‘caóticos’ na dinâmica não-linear."(p.362) A noção de ordenação acausal lançou uma nova luz sobre fenômenos que antes não tinham explicação porque escapavam à causalidade como a lei da meia-vida na decomposição radioativa; a imprevisibilidade do comportamento de um átomo individual na mecânica quântica; o "brilho fóssil" no background cósmico; o pêndulo de Foucault e o paradoxo Einstein-Podolski-Rosen (EPR), além de também lançar luz sobre a controvertida relação entre psique e matéria.

Um novo artigo, desta vez abordando o conceito de sincronicidade em si, poderá ser encontrado neste mesmo site em uma nova atualização.

ANEXO III
OS 101 MELHORES ROTEIROS DA HISTÓRIA DO CINEMA

1° CASABLANCA (Julius J. & G. Philip Epstein e Howard Koch)

2° O PODEROSO CHEFÃO (Mario Puzo e Francis Ford Coppola)

3° CHINATOWN (Robert Towne)

4° CIDADÃO KANE (Herman Mankiewicz e Orson Welles)

5° A MALVADA (Joseph L. Mankiewicz)

6° NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA (Woody Allen e Marshall Brickman)

7° CREPÚSCULO DOS DEUSES (Charles Brackett, Billy Wilder e D.M. Marshman,
Jr.)

8° REDE DE INTRIGAS (Paddy Chayefsky)

9° QUANTO MAIS QUENTE MELHOR (Billy Wilder e IAL Diamond)

10° O PODEROSO CHEFÃO II (Francis Ford Coppola e Mario Puzo)

11° BUTCH CASSIDY (William Goldman)

12° DR. FANTÁSTICO (Stanley Kubrick, Peter George e Terry Southern)

13° A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM (Calder Willingham e Buck Henry)

14° LAWRENCE DA ARÁBIA (Robert Bolt e Michael Wilson)

15° SE MEU APARTAMENTO FALASSE (Billy Wilder e IAL Diamond)

16° PULP FICTION – TEMPO DE VIOLÊNCIA (Quentin Tarantino)

17° TOOTSIE (Larry Gelbart e Schisgal Murray)

18° SINDICATO DE LADRÕES (Budd Schulberg)

19° O SOL É PARA TODOS (Horton Foote)

20° A FELICIDADE NÃO SE COMPRA (Frances Goodrich, Albert Hackett e Frank
Capra)

21° INTRIGA INTERNACIONAL (Ernest Lehman)

22° UM SONHO DE LIBERDADE (Frank Darabont)

23° …E O VENTO LEVOU (Sidney Howard)

24° BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS (Charlie Kaufman)

25° O MÁGICO DE OZ (Noel Langley, Florence Ryerson e Edgar Allan Woolf)

26° PACTO DE SANGUE (Billy Wilder e Raymond Chandler)

27° FEITIÇO DO TEMPO (Danny Rubin e Harold Ramis)

28° SHAKESPEARE APAIXONADO (Marc Norman e Tom Stoppard)

29° CONTRASTES HUMANOS (Preston Sturges)

30° OS IMPERDOÁVEIS (David Webb Peoples)

31° JEJUM DE AMOR (Charles Lederer)

32° FARGO (Joel Coen & Ethan Coen)

33° O TERCEIRO HOMEM (Graham Greene)

34° A EMBRIAGUEZ DO SUCESSO (Clifford Odets e Ernest Lehman)

35° OS SUSPEITOS (Christopher McQuarrie)

36° PERDIDOS NA NOITE (Waldo Salt)

37° NÚPCIAS DE ESCÂNDALO (Donald Ogden Stewart)

38° BELEZA AMERICANA (Alan Ball)

39° GOLPE DE MESTRE (David S. Ward)

40° HARRY & SALLY – FEITOS UM PARA O OUTRO (Nora Ephron)

41° OS BONS COMPANHEIROS (Nicholas Pileggi e Martin Scorsese)

42° OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA (Lawrence Kasdan)

43° TAXI DRIVER (Paul Schrader)

44° OS MELHORES ANOS DE NOSSAS VIDAS (Robert E. Sherwood)

45° UM ESTRANHO NO NINHO (Lawrence Hauben e Bo Goldman)

46° O TESOURO DE SIERRA MADRE (John Huston)

47° RELÍQUIA MACABRA (John Huston)

48° A PONTE DO RIO KWAI (Carl Foreman e Michael Wilson)

49° A LISTA DE SCHINDLER (Steven Zaillian)

50° O SEXTO SENTIDO (M. Night Shyamalan)

51° NOS BASTIDORES DA NOTÍCIA (James L. Brooks)

52° AS TRÊS NOITES DE EVA (Preston Sturges)

53° TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE (William Goldman)

54° MANHATTAN (Woody Allen e Marshall Brickman)

55° APOCALYPSE NOW (John Milius e Francis Coppola)

56° DE VOLTA PARA O FUTURO (Robert Zemeckis e Bob Gale)

57° CRIMES E PECADOS (Woody Allen)

58° GENTE COMO A GENTE (Alvin Sargent)

59° ACONTECEU NAQUELA NOITE (Robert Riskin)

60° LOS ANGELES – CIDADE PROIBIDA (Brian Helgeland e Curtis Hanson)

61° O SILÊNCIO DOS INOCENTES (Ted Tally)

62° FEITIÇO DA LUA (John Patrick Shanley)

63° TUBARÃO (Peter Benchley e Carl Gottlieb)

64° LAÇOS DE TERNURA (James L. Brooks)

65° CANTANDO NA CHUVA (Betty Comden e Adolph Green)

66° JERRY MAGUIRE – A GRANDE VIRADA (Cameron Crowe)

67° E.T. – O EXTRATERRESTRE (Melissa Mathison)

68° GUERRA NAS ESTRELAS (George Lucas)

69° UM DIA DE CÃO (Frank Pierson)

70° UMA AVENTURA NA ÁFRICA (James Agee e John Huston)

71° O LEÃO NO INVERNO (James Goldman)

72° THELMA & LOUISE (Callie Khouri)

73° AMADEUS (Peter Shaffer)

74° QUERO SER JOHN MALKOVICH (Charlie Kaufman)

75° MATAR OU MORRER (Carl Foreman)

76° TOURO INDOMÁVEL (Paul Schrader e Martin Mardik)

77° ADAPTAÇÃO (Charlie Kaufman e Donald Kaufman)

78° ROCKY – UM LUTADOR (Sylvester Stallone)

79° PRIMAVERA PARA HITLER (Mel Brooks)

80° A TESTEMUNHA (Earl W. Wallace Kelley & William)

81° MUITO ALÉM DO JARDIM (Jerzy Kosinski)

82° REBELDIA INDOMÁVEL (Donn Pearce e Pierson Frank)

83° JANELA INDISCRETA (John Michael Hayes)

84° A PRINCESA PROMETIDA (William Goldman)

85° A GRANDE ILUSÃO (Jean Renoir e Charles Spaak)

86° ENSINA-ME A VIVER (Colin Higgins)

87° 8 1/2 (Federico Fellini, Tullio Pinelli, Ennio Flaiano, Brunello Rond)

88° CAMPO DOS SONHOS (Phil Alden Robinson)

89° FORREST GUMP, O CONTADOR DE HISTÓRIAS (Eric Roth)

90° SIDEWAYS – ENTRE UMAS E OUTRAS (Alexander Payne e Jim Taylor)

91° O VEREDICTO (David Mamet)

92° PSICOSE (Joseph Stefano)

93° FAÇA A COISA CERTA (Spike Lee)

94° PATTON – REBELDE OU HERÓI? (Francis Ford Coppola e Edmund H. North)

95° HANNAH E SUAS IRMÃS (Woody Allen)

96° DESAFIO À CORRUPÇÃO (Sidney Carroll & Rossen Robert)

97° RASTROS DE ÓDIO (Frank S. Nugent)

98° VINHAS DA IRA (Nunnally Johnson)

99° MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA (Walon Green e Sam Peckinpah)

100° AMNÉSIA (Christopher Nolan)

101° INTERLÚDIO (Ben Hecht)
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