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Contos-->Uma história incompleta -- 05/05/2009 - 09:14 (GIVALDO ZEFERINO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma história incompleta

Ele tinha uns quarenta e oito anos. Aproximou-se do banco onde eu me sentara aguardando o ônibus que me levaria ao centro da cidade. Parecia muito comunicativo. Chegou, desejou-me um bom dia, e começou a fazer diversos comentários a respeito dos últimos acontecimentos. Depois de esgotados os assuntos, olhou-me seriamente, e começou:
Tenho uma história para te contar. Aconteceu no meu tempo de adolescente, época em que a gente despertava para a vida. Emoções, aventuras... Tudo começou quando conheci Leonora. Eu tinha 16 anos; ela, dois anos a menos do que eu, mas, sua sagacidade fazia com que se tornasse bem mais amadurecida. Era uma menina alegre e espirituosa, cuja beleza lembrava aquelas princesas dos contos de fadas. Começou a dar em cima de mim; com seus olhos de malícia me provocava, piscando-me, e toda vez que passava por perto, beliscava minha bochecha. Eu tremia, meu corpo se arrepiava todo quando ela se aproximava de mim. Com Mara era diferente. Gostava de exibir-me para ela, enquanto ela me sorria. Achava sedutora sua boca me sorrindo, seus dentes brancos e perfeitos me fascinavam, seus lábios vermelhos e carnudos me atraíam e eu sentia uma satisfação deliciosa ao vê-la. Ao contrário de Leonora, eu não sentia arrepios, nem meu corpo estremecia diante dela. Sem mais nem menos, comecei a namorar com Leonora. Ao admirar seu corpo moreno, seus pequenos seios rígidos e ofegantes, eu enlouquecia por dentro. Então, disfarçava e me despedia, inventando qualquer desculpa; ela tentava me segurar, eu resistia e forçava a barra para me escapulir daquela situação constrangedora. A gente namorava às escondidas. Nossos pais não poderiam tomar conhecimento disso, pois, com certeza não haveriam de aprovar o namoro. Os encontros aconteciam na escola, na praça ou na igreja onde, apenas, nos olhávamos discretamente. Um dia, minha mãe flagrou-nos quando Leonora espremia uma espinha no meu rosto, e ficou tiririca diante daquela intimidade entre nós dois. Repreendeu-nos severamente e enxotou Leonora, chamando-a de assanhada, imoral e outros palavrórios, enquanto ela, assustada, retirou-se imediatamente, sem ao menos se despedir. Em casa, minha mãe soltou os cachorros em cima de mim. Falou tantas coisas que me deixou atordoado com seu interminável sermão. Depois dessa bronca, passamos mais de um mês sem nos vermos. Eu morria de saudade de Leonora. Um dia, porém, ela achegou-se e me perguntou se eu não gostava mais dela; eu respondi com um tímido beijo em seu rosto, aí ela sorriu e pegou minha mão, provocando em mim mais uma vez, aquele arrepio e a revolução interior por dentro de minhas artérias. Ela notou meu vexame, e ficou sem jeito, olhando de lado para verificar se alguém nos observava. Depois, começou a rir, apontando para o meu ponto fraco, e comentou com certa malícia: "Deve ser muito bom. Por que a gente não pode fazer?" Confesso que tive vontade de pular em cima dela ali mesmo e fazer sexo, amor ou o que quer que fosse, até saciar aquele desejo alarmante que me dominava. Apesar dos temores e precauções, nossa resistência foi-se arrefecendo, começamos a nos tocar com mais frenesi, e a cada dia, descobríamos novas e estonteantes sensações que nos transformavam em dois voluptuosos animais. Tínhamos medo, curiosidade e desejo ao mesmo tempo. Tornamo-nos amantes. As pessoas mais próximas começaram a perceber com malícia que não éramos tão inocentes como parecíamos. Quando nos viam, ficavam o tempo todo a cochichar umas com as outras, e nos apontavam com risos irônicos.
Mara distanciava-se cada vez mais de mim; nem me sorria quando eu me aproximava. Um dia indaguei o motivo de sua indiferença, e ela respondeu-me com certa tristeza no olhar: "Vá cuidar da sua amiguinha!" Fiquei amargurado. Eu gostava muito de Mara, e não queria perder a sua amizade, mas ela não quis mais saber de mim e me fechou o seu belo sorriso.
Eu e Leonora nos desejávamos cada vez mais. O tempo, porém, passou muito depressa, e a família dela, um belo dia, veio a descobrir que Leonora estava grávida. O tumulto foi geral. Mas, enfim, ela não queria casar nem assumir compromisso comigo.
Proibiram-na de sair e de me ver. Minha cabeça ficou confusa. Parece que tudo acabou sem mais nem menos. Levaram Leonora para a casa de uns parentes distantes. Passaram-se dias, meses, anos... Nunca mais tive notícias dela. Terminei por esquecê-la... Lá vem chegando o meu ônibus. Até outro dia, amigo.
- E a criança... Ela chegou a conceber a criança? perguntei com certo interesse no desfecho da história.
- Na próxima oportunidade, contarei o resto. Disse ele segurando-se na porta traseira do coletivo.
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