Pra levar esperança e trazer o perdão. Pra saudar Vossas Senhorias e os parentes, de perto ou de lonjuras. Pra avisar que Mariquinha ficou noiva e que o casamento é em abril; que Raimundo sumiu, fugiu pelo mundo e deixou Maria do Rosário com quatro bocas pra alimentar.
Pra falar que Totonho operou, mas passa bem. Pra saber que a praga do banco está cobrando o financiamento da roça. Pra dar a notícia do falecimento do Quinzinho. Pra pedir pro Luiz trazer o remédio pro amarelão dos meninos. Pra pór lembranças em letra escrita.
Pra pedir pro Deputado que ajeite aquele emprego pro João. Pra cobrar do Pedrinho a gravidez da Jerusa. Pra prometer o céu e a terra pra Santo António arrumar marido antes do fim do ano. Pra mandar carinhos pros afilhados e saudades pros compadres.
Pra levar socorro e consolação. Pra escrever "Correio Elegante" na quermesse da igreja. Pra estar lá e aqui; presente, mesmo ausente. Pra chorar a dor da saudade, dizer das aflições e pedir ajuda. Pra explicar o caminho e sustentar a fé. Pra lembrar ao Luiz de trazer um rolo de fumo goiano do empório do Abadala, um jogo de cordas de aço pra viola e aqueles anzóis grandes pra peixe brigador.
Pra Joaquim ver na farmácia se chegou o remédio pra febre amarela e pras feridas do gado; cuidar dos foguetes da Festa do Divino e ver quando é que a Marinha vai mandar o médico e o dentista. Pra pedir notícias do marido, que está no acampamento 8, lote 3 do seringal do dr. Manoel, e comunicar que nasceu o filho de Maria e ele agora é avó.
Pra informar ao seu Francisco que precisa reformar as canoas antes do tempo das chuvas e pra ele trazer as redes de malha média que prometeu, porque os peixes estão rareando e está difícil viver da pesca.
Pra dizer coisas bobas de amor!
Era assim, no campo e na cidade, a doce simplicidade que o tempo levou. E ainda é na brutal imensidão amazónica, onde a carta segue de mão em mão, na canoa, no lombo de burro ou pela mágica do rádio-amador.
José Eurípedes de Oliveira Ramos
Da Academia Francana de Letras