O Aprendiz de Anestesista
Antonio Accacio Talli
Professor Doutor Mário Pavão era chefe do Departamento de Ginecologia. De renome internacional, cirurgião de uma habilidade extraordinária, com seus 65 anos, aproximadamente, era respeitado pelas suas qualidades de administrador, disciplinador e dono de uma cultura invejável. O pessoal tinha um verdadeiro pavor do homem. Não era dado a risos nem aceitava bajulações – queria trabalho. A enfermaria funcionava como se fosse de primeiro mundo. Quando ele operava, a sala ficava lotada de estudantes e médicos sequiosos em aprender, querendo assistir à demonstração de perícia do grande cirurgião. Suas operações eram realizadas num silêncio total. A equipe cirúrgica se comunicava unicamente por sinais. O único a falar com o anestesista-chefe era o Doutor Pavão. Era sempre a mesma pergunta:
“Tudo bem?”. E a resposta, invariavelmente, era esta: “Sim, tudo bem, professor”.
Numa determinada manhã, o Dr. Pavão operava num ambiente tenso, sala abarrotada de médicos, cirurgia difícil e sangrando muito, quando o silêncio foi quebrado por uma voz ainda juvenil:
“E aí, Pavão, tudo bem, tranqüilo?” – era o estudante de Medicina, terceiranista, que iniciava o estágio no Serviço de Anestesia.
O ambiente, que já era tenso, ficou insuportável – um verdadeiro barril de pólvora prestes a explodir. A incredulidade era geral. Os auxiliares de cirurgia e a instrumentadora, estupefatos, deixavam os instrumentos cirúrgicos caírem das mãos. Até aquele dia, ninguém ousara dirigir a palavra àquele cirurgião sério, sisudo e de nenhum riso durante o ato cirúrgico. O chefe da anestesia queria estrangular o estudante e, em seguida, sumir.
Quando todos esperavam a expulsão do ingênuo e atrevido acadêmico, eis que o Professor Doutor Pavão, voltando o olhar para ele, com um sorriso paternal, respondeu:
“Tudo bem, meu filho”.
Após muitos anos de convivência com o eminente e sério médico, era a primeira vez que eu o via sorrir.
Observação: este conto faz parte do livro `Injeções de Humor`, de Antonio Accacio Talli, publicado pela Editora Komedi.
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