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cronicas-->Moraes -- 25/01/2006 - 11:38 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Moraes

Quando estive em Jacobina acompanhando o gerente-geral da Sucursal Bahia para a inauguração da nova agência lá estava ele entre os pouco mais de quinze funcionários.
Acho que possuía uns dezessete anos e ainda ocupava o cargo de office boy. Era baixinho, magrelo, mas desinibido, com ar inteligente e curioso, olhar destemido. Parecia prestar atenção a tudo, não largou pé da comitiva, enquanto estivemos na cidade. Como eu trabalhava na área de recursos humanos, o gerente fez questão de me apresentar a ele e confidenciar, depois, que se tratava de jovem com futuro no banco, que prestasse atenção a ele. Àquela altura, apesar de exercer função subalterna, era capaz de substituir funcionário de qualquer carteira, informou. Chamava-se António Moraes Miranda, conhecido por Moraes, e trabalhava no banco desde os quatorze anos.
Não tive oportunidade de acompanhar sua carreira porque em 1968 fui transferido para o Recife, onde permaneci por quase oito anos. À época, ele já era chefe de escritório.
Ao voltar, nos primeiros dias de 1976, fiquei uns três meses no cargo de diretor das agências da região norte da Sucursal Bahia, antes de ser nomeado para a diretoria de Recursos Humanos, então denominada de Pessoal. Foi quando me transformei em seu amigo de toda a vida.
Naquela altura, Moraes era nosso gerente em Juazeiro, minha terra natal, e iniciava ali um trabalho devastador, naturalmente que para os concorrentes.
Bem falante, com grande independência intelectual, talentoso, Moraes estudava como poucos os aspectos importantes de seu trabalho, do mercado financeiro, acompanhava a evolução dos negócios, as estatísticas publicadas pelas autoridades monetárias, Receita Federal, etc., estava sempre "por dentro" do que era indispensável saber. No plano pessoal, ainda era baixinho, casara com moça de sua terra e possuía três filhos.
A agência de Juazeiro não tinha nada de especial, não se destacava entre os cinco ou seis bancos da cidade e nem entre as mais de cem do Económico no interior da Bahia.
Não obstante, naqueles anos construía-se ali perto a barragem e hidroelétrica de Sobradinho, uma obra portentosa que envolvia milhares de operários, centenas de engenheiros e técnicos e milhões e milhões de cruzeiros, um empreendimento que se completaria em oito ou dez anos.
Moraes enxergou naquele gigantesco canteiro de obras a grande oportunidade de mudar a escala de negócios de sua agência e, literalmente, pós mãos à obra: procurou o diretor daquele mega-projeto, fez amizade com os homens-chaves, identificou os principais líderes dos trabalhadores e, à base de muita conversa, foi conseguindo carrear para o banco parte dos extraordinários recursos destinados à construção. Pagava a folha, recebia impostos e taxas, fazia "papagaios" e realizava financiamentos para aquisição de automóveis e eletrodomésticos em geral. Em pouco tempo tornou-se figura conhecida, respeitada e procurada por quem quer que precisasse de serviços bancários em Sobradinho. Resultado: o Económico passou a ser o principal banco de Juazeiro e uma das melhores agências da Bahia.
Um desempenho tão extraordinário fé-lo ser promovido a gerente de Feira de Santana, a mais importante cidade baiana depois de Salvador, onde o ex-presidente do banco e, à época, dirigindo o Banco do Brasil passava os fins de semana, em sua fazenda.
Apesar de ser uma das mais antigas agências de Feira e da presença de Ângelo Sá, nossa posição na cidade era modestíssima.
Mas isso não demorou muito, pois logo Moraes colocou o banco na liderança da praça, ao conquistar os melhores clientes da região.
Eu me lembro de que, naqueles dias, por sugestão de Frank Sá, que então substituía seu irmão na superintendência do Económico, realizamos em São Paulo uma reunião memorável, destinada a propiciar a gerentes de todo o Brasil a oportunidade de conhecer as experiências de gestão mais bem sucedidas. A metodologia do seminário consistiu em juntar em grandes mesas redondas, durante dois dias, dirigentes de agências cujos depósitos fossem equivalentes. Cada mesa reunia de seis a oito gerentes e um deles apresentava resultados extraordinariamente superiores aos demais. A produtividade, o lucro, o recolhimento de tributos e taxas, a venda de produtos e serviços eram bem maiores, o número de funcionários em geral menor, o volume de repasses, a carteira de crédito rural e outros indicadores mostravam-se bem diferentes das outras agências. O objetivo consistia em fazer com que os gerentes que não obtinham bons resultados discutissem com os lideres de sua categoria as razões de seu sucesso. Moraes estava lá, ao lado dos colegas de agências assemelhadas a Feira de Santana, para explicar porque seus resultados eram tão superiores aos dos demais, e o que fazia para chegar a eles.
Nos cursos de formação de gerentes que mantínhamos em Salvador, ele atuava como consultor-debatedor. Os alunos apreciavam bastante sua participação.
Antes de ser transferido para encerrar minha carreira na ECOS, o fundo de pensão do banco, ainda vi Moraes ser promovido a superintendente regional, com sede em Feira de Santana, uma função nova que se criara para deixar mais próxima da base a decisão sobre negócios e questões operacionais.
Foi quando um novo diretor veio transferido do Rio de Janeiro para assumir o comando da Sucursal Bahia, pessoa muito autoritária, que não suportava o contraditório.
Logo nos primeiros dias percebeu que aquele baixinho de Feira de Santana que gostava de ser convencido mediante debate de idéias não ia se dar bem com ele. Como todo chefe autocrata, ele esperava que a obediência dos subordinados significasse subserviência, submissão completa. Moraes não rezava por esse missal!
Assim, ninguém ficou muito surpreso quando ele foi rebaixado de superintendente a gerente especial de Feira de Santana. Para camuflar o fato, fez-se um coquetel que significou maior humilhação para Moraes.
Meses depois, no bojo de um processo de demissões em massa no banco, Moraes foi mandado embora pelo novo superintendente, um jovem inteiramente despreparado, sem formação bancária, que trabalhara na mesa de operações. Ele cumpria ordens do diretor, que não teve a elegància de assumir pessoalmente a entrevista de desligamento.
Quando Moraes me procurou no dia seguinte para comunicar sua desonrosa demissão do banco, depois de vinte e oito anos de serviços, fiquei indignado com o fato, mas não podia fazer nada.
Não obstante, amigo de vários executivos dos principais bancos brasileiros telefonei para o diretor de RH do Itaú para solicitar que empregasse Moraes em seu banco. Encaminhou-me ao diretor regional na Bahia, que me disse estar precisando urgentemente de um gerente para Feira de Santana, onde sua agência não deslanchava.
Moraes foi imediatamente contratado e, em pouco tempo, o Itaú passou a ser o dono da praça, enquanto o Económico despencava para a sexta colocação.
Ele já não trabalha no Itaú, pois depois de alguns anos preferiu sair para cuidar de sua fazendinha, produzindo leite e queijos.
Eu me lembro perfeitamente de que, no momento em que tomei conhecimento da demissão de Moraes e, logo a seguir, do descarte dos melhores gerentes de praças onde o banco dominava o mercado, todos substituídos por jovens portadores de diplomas de curso superior, mas sem formação bancária, compreendi que o fim dos tempos estava chegando para o Económico, que seu Armagedom se aproximava.
Salvador, 12 de janeiro de 2006

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