Tem sido motivo de muitos comentários o conto do vigário pregado nos EUA pelo vigarista Bernard Madoff.
Ele deve ter aprendido aqui no Brasil, com os brasileiros.
Em 1952, o ten. Filipetta aplicou este mesmo golpe, no Rio de Janeiro, com o qual enriqueceu e se deu muito bem, pois pegou apenas uns poucos anos de cadeia.
Ele era um espertalhão, que para bem impressionar os incautos, andava sempre com uma bíblia sob o braço e, sempre que podia, citava alguns dos seus versículos, em defesa da moralidade. E alegava que tinha um negócio secreto, no qual aplicava a grana dos aplicadores, e conseguia elevados rendimentos.
E como ficou rico, logo depois chutou a esposa e a trocou por outra, com bastante mais charme, e foi aproveitar a vida, já sem a bíblia.
Verifiquei que o Filipeta não foi o primeiro e nem o único, aqui neste país, pois em 1881 já
um espertalhão aplicara um golpe na praça, com o "Primor da Arte", um navio que seria construído com o dinheiro dos acionistas, que enriqueceriam com isto, conforme narrativa abaixo.
Navio este que nunca saiu do papel.
Em matéria de golpes, ainda somos os mestres.
Pedro Paulo
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O Primor da Arte
Jayme Copstein
04/04/2009
Quando ouço falar que o norte-americano Bernard Madoff conseguiu aplicar um dos contos de vigários mais antigos da era capitalista, não me surpreendo. Voltaire dá a entender que à espera de um otário para depená-lo há sempre um espertalhão na próxima esquina. Até afirma que, quando o primeiro espertalhão encontrou o primeiro otário, ele inventou as religiões.
Mas falava em contos de vigário e o nome nada tem a ver com religião. Dizem que a falcatrua foi assim batizada quando um malandro francês se fez passar por padre e extorquiu bons dinheiros de devotos. Cito a versão não para me mostrar erudito, mas com a intenção de debater se é a ingenuidade ou a voracidade que leva as pessoas a caírem no golpe.
Quase sempre é uma mistura das duas coisas. Por exemplo, em 1881, Porto Alegre viveu uma comédia quando o pintor Veríssimo Barbosa de Souza convenceu-se de ter inventado o navio movido a pressão de ar.
Estava “assuntando”, sem o que fazer, a ideia lhe veio à mente. Construiu um pequeno modelo, fez experiências na banheira de casa e se entusiasmou. Radiante e já antevendo a fortuna que a invenção poderia lhe trazer, contou tudo em segredo a alguns amigos mais chegados.
A ideia era fascinante e os amigos de Veríssimo acabaram contaminados com seu entusiasmo. Eles o estimularam a fundar uma empresa para construir o navio que haveria de revolucionar a navegação mundial. Não houve dificuldade para angariar o capital. O pintor batizou o notável invento de "Primor da Arte" e, com o dinheiro dos acionistas, logo pôde construir um trapiche e começar a montagem da traquitana.
De repente a cidade se tomou de demência. Não se falava de outra coisa, todos queriam associar-se ao empreendimento, os primitivos sócios recusavam novas adesões. No máximo, a amigos muito chegados, concordavam em ceder algumas poucas cotas, assim mesmo com respeitável ágio. A construção do "Primor da Arte" foi demorada, alimentando ainda mais o delírio.
Correram rumores de espionagem internacional, de uma corporação inglesa pressionando para comprar o navio. O assunto tomou tal proporção que o governo da Província contratou engenheiros para avaliarem o projeto.
O laudo negativo – não passava de mirabolância – serviu para alimentar a polêmica. Os entusiastas do "Primor da Arte" o receberam com desprezo. Que todos esperassem para ver quem estava com a razão. Depoi s, não se queixassem da sorte que lhes batera à porta e a encontrara fechada.
O tempo foi passando e o "Primor da Arte" não dava o ar da graça. Os acionistas começaram a pressionar Veríssimo e o fizeram apressar o arremate do navio. Foi programada com alarde a viagem inaugural que deveria terminar em Triunfo, onde os numerosos adeptos do empreendimento ofereceriam uma festa para comemorar o sucesso.
Dito, mas não feito. A decepção começou em Porto Alegre, quando Veríssimo exibiu o revolucionário "Primor da Arte". Era um barco comum ao qual ele havia adaptado foles imensos para soprar o “combustível”. Na hora de partir, o desastre. Os foles não davam conta, o "Primor da Arte" foi se arrastando à custa de remo, com o devido acompanhamento de palavrões, até conseguir aportar em Triunfo dois dias depois.
Veríssimo t entou em vão tirar o corpo fora, alegando que a “pressa” resultara em foles defeituosos. De nada valeu. A empresa foi dissolvida, cada um ficou com seu prejuízo e ele foi literalmente cantar em outra freguesia. Poucos anos mais tarde, protagonizou episódio semelhante no Pará, onde “inventou” um avião também revolucionário. Depois de novo fiasco sumiu na História.