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Artigos-->Nós e o capitalismo -- 23/12/2002 - 15:03 (Darlan Zurc) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O neoliberalismo é, parafraseando Lênin, uma etapa superior do capitalismo. Como resultado das três Revoluções Industriais (nos séculos XVIII, XIX e XX), o clássico liberalismo econômico apregoado na Idade Moderna, vez por outra acompanhado pelo liberalismo político, se metamorfoseou em características contemporâneas e pós-modernas, hoje tão naturais a nossos olhos. O próprio Lênin não concebia a Revolução de 1917 sem o uso do telégrafo, assim como é inimaginável o capitalismo atual sem a remessa eletrônica de divisas ou a transferência muito rápida de investimentos.



As mudanças pelas quais o sistema capitalista passou desde o século XVI, época da acumulação primitiva de capital, permitem-nos até imaginar uma vocação particularmente sua de auto-regeneração frente aos obstáculos sociais e políticos que o limitaram. Em comparação ao breve socialismo soviético, o capitalismo obteve uma longevidade espantosa. Bem asseverou John Maynard Keynes que a Grande Depressão, de 1929 — o golpe de misericórdia no laisser faire —, mais dizia respeito a uma crise de crescimento que sobre o tão propalado fim do modo de produção capitalista. (Em verdade, a expressão “modo de produção”, pode não parecer, mas em si já pressupõe, a partir do receituário romântico-marxista, a derrocada gradual e definitiva de tal sistema econômico por meio do socialismo.) O neoliberalismo, essa forma de organização econômica de poucas barreiras e mínimas tarifas, é justamente a auto-superação capitalista que os esquerdistas menos preparados acreditavam estar em segundo plano ou não existir.



O difícil de suportar no capitalismo é a disparidade entre os que têm e a inanição dos que pouco possuem. A convivência — e só o hábito causa convivência —, na mesma Via Láctea, da sarjeta com o luxo nos causa certo desconforto, ainda que pequeno. Na realidade, não há outro meio de pôr a economia do capital para funcionar sem uma concentração financeira razoável, sem manutenção ou aumento da margem de lucro, retorno dos investimentos, etc., os quais impulsionarão outros setores e os empregos. Um dos princípios mais coerentes sugere aumentar a riqueza com o passar do tempo e estabelecer meios para canalizá-la a todos. Queiramos ou não, é mais ou menos o que disse Delfim Netto quando era ministro na ditadura: esperar crescer o bolo para dividi-lo. Dependendo da forma como é encaminhada, e reduzindo a grande força de empresas gigantes (tipo Shell, GM, Nestlé, sem falar nas indústrias do fumo e dos medicamentos), a globalização pode trazer maiores benefícios para as pequenas economias. Nessa história toda, é frescura se revoltar de maneira gratuita contra o status quo de hoje, assumir prontamente uma postura socialista, vestir-se de hippie, cheirar mal e não ter alternativas reais para resolver os problemas. De utopias devem estar todos fartos, pois cada um já dorme e sonha com as suas.



Uma constatação importantíssima que está em um dos imperdíveis artigos do filósofo Olavo de Carvalho (aproveito para recomendar seu site www.olavodecarvalho.org) é sobre a oposição encabeçada pelos conservadores norte-americanos ao que eles desconfiam ser (imaginem?) o maior underground da esquerda: a globalização. É verdade, leitor, você não está bêbado e leu realmente isso: a Nova Ordem Mundial enquanto maquinação esquerdista. Uma vez que você, agora, tenha se dado conta da complexidade da nova economia, não imagine que a embriaguez seja então de Olavo e dos conservadores dos EUA. No cerne da estrutura filosófica das ideologias de esquerda e de direita há, diferentemente do que muitos pensam, um racha direitista entre liberais e conservadores. O entusiasmo liberal-econômico pelo progresso, sua briga de foice para eliminar as ligações entre Igreja e Estado, laicizando-o, e sua crença no poder mágico da economia são os mesmos princípios, salvando as devidas proporções, que acometem boa parte do esquerdismo. Sem falar no fato de que liberalismo nos EUA é classificado no mesmo balaio de gato onde estão os socialistas e os comedores de criancinha.



A vivacidade do capitalismo, isto é, a flexibilidade do burguês ou empresariado em geral (para não incorrermos no jogo lingüístico da fetichização do mercado, pois “vivacidade” é qualidade natural e individual de organismos vivos) é tamanha que, nada mais nada menos, presenciamos atualmente, por exemplo, a mundialização de todos os centros comerciais, os quais deixarão por isso mesmo de ser centros. Ainda que a chamada globalização econômica crie mais cartéis e reforce a formação de conglomerados e blocos — uma das principais mazelas —, o ideal de expansão e inclusão de mercados e de interligação das diferentes economias e sociedades no mundo é a regra fundamental da Nova Ordem. O capitalismo desde a sua origem apresenta esse caráter de expansão mercadológica e exige — bem menos ontem do que hoje — liberdade de transação, que, em tese, desconheceria fronteiras ou consideráveis limites. É igualmente crucial o princípio da auto-regulação do mercado (sem, claro, a interferência estatal), cuja importância levou o economista inglês Adam Smith a especular a respeito de uma normativa “mão invisível”. Ao que demonstram os fatos, Smith se empolgou demais. O liberalismo no papel costuma ser mais bonito que na prática.



A globalização, assim como o neoliberalismo, é, na verdade, uma conseqüência exagerada de uma economia baseada nos princípios do livre comércio entre os países e da supressão da autoridade política e econômica dos Estados-nações. Por isso, a situação é mais séria do que parece. Ainda está para se efetivar o meio-termo entre a crítica histérica das esquerdas e o plano — sem fundamento mais humanitário — a favor da “aldeia global”, da que poderíamos batizar de “direita festiva”.



Em se tratando do Brasil, ocorreu certa vez que, ao ser perguntado numa entrevista à saudosa revista “República” (set. 1998) sobre o que sugeriria para o que se convencionou denominar de neoliberalismo da economia brasileira, Roberto Campos retrucou: nem mesmo o capitalismo chegou à nossa terra de índio. E não pense o leitor que, sendo um grande apreciador de tiradas inesperadas e ironia fina, Bob Fields estivesse brincando. Em seus artigos publicados semanalmente há tempos na “Folha de S. Paulo”, ele indicava qual era a real posição brasileira em termos de liberdade econômica, índice de abertura do mercado, leis mais liberais (não confunda “leis liberais” com “leis libertinas”), grau de investimento do capital externo, enfim, uma série de dados irrefutáveis acerca do nosso potencial econômico, que, por isso mesmo, não passava de potencial. Ato e realização, que são bons, nada para ninguém; ou melhor: quase tudo para quase ninguém.



Em países de tradição católica, principalmente no Brasil, parece que inexiste classe social mais odiada que a dos burgueses. Insensível, egoísta, inescrupuloso, imoral, avarento, insaciável, explorador, prepotente, arrogante, etc., etc., etc. Não faltam limites verbais contra ele. A classe que fez a hipótese pessimista de Malthus acerca da incompatibilidade entre alimentação e crescimento populacional parecer conto de fadas, o mesmo grupo que dá à boa parte dos indivíduos uma possibilidade de vida melhor numa sociedade sem estamentos, aquelas mesmas pessoas que possibilitaram e possibilitam a ascensão do indivíduo pelo mérito (a meritocracia) não pode ser de todo ruim. O burguês realmente explorou até ao esgotamento populações do século XIX com jornadas de trabalho altíssimas e pífias rendas salariais; o burguês acreditou na lei do progresso sem medir suas drásticas conseqüências morais, éticas e materiais; o burguês reduziu em várias ocasiões o valor real da vida daqueles que para ele trabalhavam, mas reflita o leitor sem “patos” (termo que deu origem à palavra “patologia”) ou paixão: o erro do burguês foi também o erro de todos aqueles que, cegos inimigos do Antigo Regime, da aristocracia parasitária, dos cleros idem, dos privilégios e dos brioches de Maria Antonieta, acreditaram na Revolução Francesa e no admirável mundo que viria. Nisso, todo conservador leva vantagem sobre um progressista (de esquerda ou de direita): pagamos e pagaremos um preço alto demais para estarmos aqui. Valeu a pena? No atacado dos fenômenos sociais existentes talvez não seja possível responder de imediato; além de tudo, Franz Kafka, escrevendo para o pai, tem certa razão ao concluir que “a vida não comporta cálculo”. No varejo, tendo em vista que nem todas as decisões econômicas são intrínseca e excludentemente más ou boas, existem situações da Nova Ordem Mundial que aumentam o fosso entre ricos e pobres, mas, igualmente, abrem espaço para melhorias razoáveis na qualidade de vida.



À semelhança da dificuldade econômica que dilacera o Lumpenproletariat (lumpemproletariado), é a miséria espiritual do pequeno burguês que os anticapitalistas remoem em seus discursos críticos. Por outro lado, se o bode expiatório na burguesia é muitas vezes (e não a todo tempo) o petit bourgeois, o mesmo acontece entre intelectuais (em se tratando de intelectuais medíocres), entre trabalhadores (os mais qualificados sacrificam os peões de obra), entre amantes (o sujeito que não sabe dar uma cantada sempre se dá muito mal, ganha péssima fama), enfim, os grupos sociais normalmente têm uma escória, têm uma camada intermediária e têm os bem-sucedidos. E esta noção de hierarquia é conhecida desde o poeta grego Homero.



Na falta de um conceito que possa dar de testa e vencer o de “dialética”, fica então como certo o fato de que a sociedade burguesa abriga e sustenta as suas contradições internas, as quais um dia ficarão crescidinhas o suficiente para tentar destruí-la. Misturando a essa idéia o prato principal do marxismo, que é a interpretação histórica por meio da infra-estrutura (as relações econômicas de produção), fica pronta então a feijoada indigesta chamada “materialismo dialético”. Voltando a Lênin, a propósito, é natural concluir que o burguês produz a própria corda em que vai se enforcar, no entanto, tal suicídio pode se dar não por razões dialético-econômicas e sim por incompetência dele em exercer sua função responsavelmente e tratar seus inimigos e potenciais em rédeas curtas. O capitalismo está aí, requer determinadas revisões, a cada dia se readapta e só o futuro reserva surpresas, a nós, pobres criaturas humanas, e a ele.





Publicado no jornal “Tribuna Feirense”, Feira de Santana (BA), 1o.-11-2002.











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