Observei caladinha no meu canto, todos os tipos de pessoas ligadas á navegação, o que querem o que pensam e o que fazem; Ouvi as exigências dos armadores, convivi com os agentes de carga e suas manhas, ouvi donos de agencias e suas dualidades, a reverencia que tinham com os comandantes e o trato nem sempre humano com os subordinados; assisti á corrida louca dos agentes, tendo que resolver tudo e satisfazer a todos; vi as manhas dos chefes de operações, assisti ao trato das policias federais, principalmente no Brasil, mais especificamente em Santos, querendo propinas e presentes, movidos á scotch e cigarros Marlboro. Admirei as manobras dos “todo poderosos” práticos;As pessoas gostavam de conversar comigo,talvez porque santo de fora faça milagres,ouvi os ship-chandlers,ouvi as estórias incríveis da minha amiga Francis enquanto tomávamos banho de sol;ouvi o estóico e sempre fechado comandante,ouvi os agentes de Buenos Ayres e de Montevidéu;aprendi muitos macetes com o tranquilo motorista da agencia em Las Palmas,enquanto ele nos levava a passear;diverti-me com o espetáculo,tipo ópera –bufa do Speed Gonzalez,em Gênova,”-I´M a soldier” ele dizia,cômico,enquanto era despachado para fazer mil coisas em dez minutos.Conheci os poderosos senhores do mar,os que mandam nos comandantes,nos oficiais,na tripulação e nas agencias.Sofri com o oficial que teve sua ida para casa cancelada,depois de tantos planos;ouvi ,inclusive,algumas esposas que puderam passar uns dias á bordo com seus maridos,estórias de separações e saudades.e principalmente,estórias de solidão.,verdadeiras mulheres de Atenas,em versão moderna.
Eu me sinto composta de pedaços de mulheres.
Sou ora grave,ora delirante,
Balanço-me nas nuvens e jogo a maré.
Danço por entre os túmulos e rezo sobre as ondas
Eu tenho a alma de atriz amordaçada.
.Quando o Imediato adoeceu, rezei por ele,alegrei-me ,sinceramente quando descobrimos que o diagnostico do médico estava errado,contei-lhe que o mesmo aconteceu comigo e ouvi dele:_você é tão cheia de vida e energia que ainda irá ao funeral deste médico.
O certo é que mergulhei de cabeça ,procurei viver o dia a dia de bordo,ia á lavanderia,´[a cozinha,separar e escolher mantimentos,conversar com todos,aprender muito,chorar com uns,rir com outros,cantar e dançar para e com eles,tornar-me parte integrante deste mundo hermético e fascinante,eles disseram que eu conquistei minha “pilot cart”;Fazia-me entender e procurava entender os outros em três línguas,o Inglês,o Espanhol e o Portunhol,não sabe o senhor, uma língua mais falada que o Esperanto,pelas viagens afora;sem contar a sempre eficiente linguagem dos sinais.Francis disse que eu nunca falaria bem o Inglês porque eu falo com a emoção e o Inglês é a língua da razão.
Não quero dar uma de Miss ou de vencedora de programas de TV,mas,não posso deixar de agradecer a Deus que me deu vida e saúde para viver esses momentos;ao meu marido com quem já trilhei tantos caminhos e ainda ha tanta navegação por fazer;ao Cap.,sua esposa e toda a tripulação deste navio.Durante toda esta viagem nunca economizei carinho e afeição,não entendo a vida sem eles.As engrenagens da máquina do mundo são duras e só o carinho as lubrifica,sem isto a vida seria um deserto difícil de atravessar.
Creio nos sonhos,no otimismo e na esperança;so assim atrairemos energia positiva e a nossa luz deve brilhar de dentro para fora,iluminando a todos e distribuindo compreensão e alegria;se não puder acender um holofote,acenda uma lâmpada;se não puder acender uma lâmpada acenda uma vela;se não puder acender uma vela,risque um fósforo,mas,nunca deixe faltar luz nos caminhos desta vida.
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