No mais ínfimo pormenor e seja sobre o que seja, quando intencionar algo mudar, tome cuidado: aprofunde quanto possível as implicações da mudança que quer produzir.
É interessante verificar quantas mudanças para melhor, desde logo provocam o pior e tantas vezes originam o caos.
Vou dar-lhe um exemplo e, ao mesmo tempo, evocar a ímpar e precavida inteligência de um dos maiores estadistas modernos de todos os tempos: António de Oliveira Salazar, o tal, que o regime político vigente agora em Portugal, sem rebate de consciência entre as urtigas do esquecimento, não vá o fantasma da honestidade começar a fazer "asneiras".
Aqui no nosso ora paíseco, o trànsito automóvel, desde sempre, flui obrigatoriamente à direita.
Em Moçambique, segundo o hábito inglês, o trànsito fazia-se pela esquerda. Quando lá estive, muitíssimas vezes me ocorreu, transitando normalmente à esquerda, sem saber como, logo que num cruzamento tomava uma outra via, encontrar-me a conduzir pela direita. Tive um grave acidente por causa disso.
Quando regressei à metrópole, ao cabo de seis anos, de volta à antiga obrigatoriedade, espatifei o meu carro todo de encontro a outro. O acidente foi mesmo tão estúpido, que o outro condutor, irritado fora do limite, chamou-me todos os nomes do mundo e só não me agrediu, talvez, por verificar que eu teria uma envergadura superior.
Assim, num rápido saltinho para outra versão, como se hão-de classificar os mentores linguíticos que determinaram, por exemplo, que "facto" e "fato", em Portugal leva "c" e no Brasil não, tratando-se contudo da mesma língua, o tão belo idioma português? Será por causa do apêndicezinho reprodutor, o "c_ _ _ _ _ _"?...
É política entre politiqueiros que da função sequer sabem em que sítio deveras estão e de que óbvio assunto com efeito tratam. A cegueira exibicionista é tanta que de imediato ao alvo lençol chamam manta.
Salazar - quem era mais patriota e português do que ele? - no entanto, tão-só para evitar a morte desprevenidamente estúpida de outrem, prevendo as consequências de tão simples ambiguidade, quando lhe foi posta a questão do trànsito em inglês, terá dito aos proponentes da mudança, enquanto indeferia o diploma: - "Porque será que V.Exas, quando saírem deste gabinete, não recuam em face de mim tal e qual recuariam defronte à rainha inglesa?".
Se o meu caro Leitor, se der à pachorra de fazer um ensaiozinho entre "direita" e "esquerda", tomando em conta a era política que estamos a viver, constatará que os espertalhões que se habituaram a conduzir à esquerda, ou vice-versa, sempre que por causa da "máxima-causa-óbvia" mudam sub repticiamente de hábito, zás, pum, há logo uma série de estúpidos desastres.
Esta croniqueta acaba com uma interrogaçãozinha: o que é que acontece logo que colocamos os nossos objectos de uso corrente fora do seu habitual lugar? Bem, a pergunta refere-se apenas a uma só pessoa. Imaginemos milhões de pessoas e a diversidade interminável de situações, sejam elas de ordem material ou espiritual.
António Torre da Guia |