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Poesias-->AREIAS - 1º LIVRO - SELEÇÃO -- 11/06/2010 - 07:51 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AREIAS

1966







AREIAS



A aranha na teia,

a vida na telha,

a vida na fome:

– vê que coisa feia !



A areia branca

de tua infância

te “bota banca”

no coração...



O menino na areia:

– “Que coisa feia”!

a mãe lhe ralhou,

o pai lhe relhou,

ele se enrolou:

Rolou-se, ralou-se,

caiu: pó, areia...



Vinha a “papa-ceia”,

vinha a lua cheia,

e o menino deitado,

deitado na areia

branca, fina, feia.

Depois: peia ! peia !



Mareia, careia,

infância de areia,

molhada de sangue,

de suor e sangue.





Não deixes que a areia

branca da infância

enferruge e coma

tua coragem.



Como a aranha tece,

tece a tua teia.









PROCURA...



I

Estrela não é poesia.

Lua não é mais poesia.

Romance não é poesia.

Há muitos adjetivos

sumariamente arquivados.



O poema ficou prosa.

E tem vergonha de ser

escrito em qualquer lugar.

Mas há romance no muro,

à noite, quando a mocinha

ainda beija, ainda abraça,

ainda esconde o namorado.

E Deus em todo lugar !



Escuro.

Alguém salta o muro,

vai beijar, vai abraçar,

na areia vai se deitar

e vai muita coisa mais !

Só Deus sabe, só Deus sabe.

A negrinha salta o muro.

O negrinho salta o muro.

A luz não pode saltá-lo.



Amanhece escriturado

com palavras que viveu

e não pode pronunciar:

– O muro desta cidade.

E Deus em todo lugar.



Há tanto nome escondido

na vida modernamente !

Só Deus sabe, só Deus sabe.



II





Encosta o lápis na orelha,

descansa poeta, descansa,

que teu dia chegará:

– Decifrarás inscrições

da noite, a medo, sem fé

(com esperança somente).

Decifrarás nas sentinas

sentenças condenatórias,

decifrarás muito mais.



Que ouças (não ouçam)

pensamento claro,

pensamento mudo,

pensamento torto.

Plantas nova ressurreição

Do verso e das ações não contempladas.



Esta será tua

(olha o lápis na orelha)

canção muda e morta.

Poema ? Que importa !

Mais escultural

do que o céu do teu chão.





À MINHA VILA





Entre dois chapadões – terra bendita,

de alma mais pura do que a branca areia,

terra que ouviu, de minha mãe contrita,

rezas a Deus, logo depois da ceia.



– És tão humilde e pequenina aldeia

que, pela vida, em nosso peito habita.

Qual semente daquele que semeia,

és semente do amor – terra bendita !



Tens do sol o calor, e o frio luar,

a gigantesca sombra do juazeiro,

da carnaubeira – o quente farfalhar.



Vê-se, em roda à capela, o casario

como a adorá-la... Ó meu Jenipapeiro!...

De frente: o vale, o lajeado, o rio.





RELÓGIO



Relógio de meu avô,

que foi de meu bisavô,

que era de meu trisavô,

antigo e empoeirado,

na parede a badalar,

matas teu tempo, meu tempo,

badalando, badalando...

Meu tempo mal começou !



Matas segundo a segundo,

dias, horas, meses, anos.

Vejo-te nas agonias

de quem procura vencer

o tempo com galhardia,

vendo tantos desenganos.



Para que serves, relógio

da parede do solar?

Badalando, badalando,

vais acordar a criança.

– Deixa a criança viver

sem pensar na tua história

e menos no teu mister.



Mata o tempo, caladinho,

que ninguém vai-te quebrar.

Não precisamos de ti,

sentinela inconsciente,

teu barulho impertinente

quer o tempo triturar.



Relógio de meu avô,

que foi de meu bisavô,

que era de meu trisavô,

mata teu tempo, calado.

Embala todos os netos:

eles querem libertar-se

na ignorância do tempo.

Deixa que o tempo se vá !...



Relógio de meu avô,

que foi de meu bisavô,

que era de meu trisavô,

vejo-te nas agonias

de quem procura vencer

seu tempo com galhardia,

vendo os nossos desenganos...







CAMINHOS



I



Não dizem donde vêm

nem pra onde vão.

Os caminhos são mudos,

Não sabem se vêm ou se vão.



São brancos, inocentes.

Levam a Roma

(há sempre a cidade grande

onde

se cruzam todos os caminhos

e descaminhos),

levam ao céu,

ao inferno,

ao limbo

ao longo passeio de férias,

às retiradas e às romarias.



Os caminhos são a mais bela,

a mais pura,

a mais santa,

a mais antiga,

a mais fácil

forma de fuga.

(ou de abnegação ?)

Pelos caminhos, sem nada,

se nada,

se anda,

e se voa.

Pelos caminhos se vive,

se morre e se tem esperança.



Levam joões (ficam marias)

levam nuvem, levam chuva,

levam fomes, levam vidas

montadas em “paus-de-arara”:

– tudo a caminho do sul.



Por eles vamos à guerra,

por eles voltam medalhas,

por eles cartas não vêm

mas enganos, desenganos.



II





Ter como certa a morte no caminho

é a glória dos que não se cansam,

dos operários do bem e do amor,

dos que nunca pararam

no tropeço da dor.



Assim eu penso, assim eu penso, mas...

Quantos tropeços pelos meus caminhos !

Quantos caem nas pedras dos caminhos !



III

Sede livres, caminhos, para todos,

atravessando oásis ou desertos,

ruas, linhas de ferro ou de arreia.

Sois pão e água dos que nada têm.

Bendigo-vos, amigos meus,

pelos enganos dos que vos trilharam.



IV

Vai, amigo, à tua luta,

leva à frente

o sol dos teus anseios – eis a vida.

E a tua sombra deixa para trás,

a descansar nas pedras dos caminhos.



Que até as sombras caem nos caminhos,

por testemunho vão deixando cruzes.







CONTRASTES



A menina negra

da cidade grande

foi morta por branco

na rua preta.



Corre-corre de gente na rua

jogando livros (os estudantes)

jogando tanta coisa (o povo)

nos policiais.



Muita gente se misturou com cassetetes

e com bombas de gás.

Uma flor morreu

porque era preta.



Preto no preto:

– flor pretinha no asfalto !

Ninguém sabe depois.



Mandaram lavar com soda cáustica

o sangue vermelho da menina preta,

coalhado no preto asfalto.



Faltou sangue vermelho

da menina preta

no hospital.







O COPO





A poesia rústica do copo,

o homem simples vai,

pela manhã que vem,

brindar à solidão

de sua alma esmagada

ao peso da desgraça

da pobreza amém.



Bateu na mulher,

brigou com o amigo,

discutiu com o patrão,

perdeu o trabalho:

– Vai para o copo,

único amigo que o fará sonhar

e esquecer

e perdoar

a vida que passa rondando

pelo fundo dos olhos bons.



Não o condenem por isto.

É um santo desconhecido.

Sua vida não lhe vale

Consolação.



Também o copo

– entornado e consciente –

sem esperança de chorar

a última lágrima do dia

antes do poente,

preferiu suicidar-se

sub-repticiamente.

Sua vida não lhe vale.

Consolação



..................................................

Eu quero também beber poesia

no copo da imaginação,

todo santíssimo dia.

Quero ficar tonto no chão,

acreditar no mundo,

no movimento.

Na vida.

Essa vida que não me vale

Consolação.





SENSUAL ALICE





Foi na queda da minha meninice,

desaguando na minha juventude,

que me veio à cabeça esta virtude

de te gravar no coração, Alice.



Tu brincavas na areia, ondas salgadas

vinham quebrar-se nos teus pés, sem pejo.

Aproveitar meu prematuro ensejo

seria um céu. Perdi tuas pegadas.



Sonho as curvas da praia, as curvas tuas,

como o seio nascente que guardavas...

De tanta coisa, desejei só duas...



Na noite, as mãos levíssimas de sondas...

E entre séria e risonha te afastavas,

levada docemente pelas ondas.



ANDARILHA





Por longes terras, por países neutros

soube que andavas procurando abraços,

desejos doidos porque tão antigos.

Como tão perto estavas dos meus passos !



Se tu me ouvisses, se me procurasses

tão te esperando aqui, na mesma rua,

na mesma noite, sem subir a escada:

– Esta alma antiga procurando a tua !...



Voltaste a mesma ! Não? Pelas estradas,

as almas tontas, tristes, torturadas

não vão deixar os sofrimentos seus !...



Oh! Meu proveito é que te encontro agora !

E antes que partas novamente, é hora

feliz ? inútil ? de dizer-te: Adeus !...











QUERENÇAS





Quero ter a vaidade dos caminhos:

– dão passagem mas pouco dão abrigo.

Quero ter o orgulho do tufão,

quero ter a tristeza do jazigo.



Quero sentir da tarde a lassidão

e a solidão da noite no deserto,

das pobrezinhas flores – o perfume,

como as nuvens – ficar no céu aberto.



Quero ter emoções de amor secreto,

sentir como se sente uma paixão,

pra cantar glórias e chorar amores.



Quero viver do ideal concreto,

quero arrancar de mim o coração,

incapaz de conter todas as dores.





















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