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Cronicas-->Marily Andrade -- 02/12/2005 - 21:41 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Marily
Eu a conheci num momento auspicioso.
Em julho de 1964, dr. Miguel Calmon havia acabado de assumir o cargo de reitor da Universidade Federal da Bahia e levara consigo o colega Zitelmann de Oliva para chefe de Gabinete. Eu próprio, por determinação dele, que era o presidente do Banco Económico, passei a dar-lhe assessoria no turno da manhã sobre assuntos de pessoal, roubando ao banco meu tempo nesse expediente.
Ela voltava para a Bahia com os quatro filhos pequenos, logo depois da traumática separação do marido, uma situação que nunca estivera em seus planos, ela uma católica responsável, pessoa que considerava o matrimónio uma instituição quase sagrada.
Chegou também em boa hora, pois o reitor não queria ficar com a secretária que encontrara na Universidade.
Embora Marily Andrade não imaginasse ocupar esse cargo e sim o de professora de ensino superior, na verdade ela possuía os melhores requisitos para a função: era poliglota, educadíssima, discreta, cheia de vitalidade e entusiasmo. Falava pouco, apenas o necessário, mas não se escusava de manifestar sua opinião, sempre franca e competente, serena, equilibrada, quando consultada.
Marily integrou-se com tal rapidez à rotina da reitoria, formou uma parceria quase completa com Zitelmann como se já tivessem trabalhado juntos. Ademais, era um verdadeiro contraponto à ação do chefe de gabinete, pessoa que adorava comandar, que procedia com certo radicalismo. Ela, ao contrário, atuava com doçura, via os problemas pelos lados possíveis e acalmava as coisas quando havia perigo de saírem do controle.
Tanto Zitelmann quanto eu próprio e, mais tarde, Benedito Britto, que veio juntar-se à equipe para dirigir o Departamento de Administração Geral da Universidade, estabelecemos com ela uma relação especial, profunda, duradoura. Dr. Miguel, por seu turno, aprendera a confiar inteiramente nela, no seu julgamento, e lhe confiava cada vez mais tarefas importantes.
A morte prematura do reitor, a três meses do término de seu mandato, foi recebida por todos nós como uma tragédia de ordem pessoal, que nos marcou pelo resto da vida.
Não obstante, já estava claro que não nos separaríamos. Zitelmann e eu voltamos às nossas atividades no banco, mas levamos conosco tanto Marily, que foi ocupar o cargo de secretária do presidente, quanto Benedito Britto, nomeado para montar o Departamento de Desenvolvimento de Pessoal. E ainda chamamos o jornalista e professor, João Batista de Lima e Silva, possivelmente o melhor ghost writer que a Bahia conheceu, que elaborou para Dr. Miguel Calmon os documentos alusivos à proposta da Reforma Universitária que ele decidiu levar às instàncias superiores da Universidade e ao próprio governo federal, quando assumiu a presidência do Conselho de Reitores, que ajudou a criar.
A passagem de Marily Flora Cruz de Andrade pelo Banco Económico foi profícua e terminou dando novo rumo à sua vida. Depois de secretariar a presidência, assumiu a chefia de gabinete, no lugar de Zitelmann, que foi elevado a diretor jurídico. Mais tarde, casou-se com o paraibano de Taperoá, Sebastião Simões, primo de Ariano Suassuna um verdadeiro gênio, que servia ao banco na condição de responsável por atividades de suas subsidiárias no Pólo Petroquímico.
Se houve amor nesse casamento foi magia, pois o que ressumava desse relacionamento era a união de duas pessoas prodigiosamente inteligentes e quase antípodas. Enquanto Bastião era o gênio luminoso, às vezes completamente ausente da realidade, prisioneiro da introspecção de quem procura organizar a efervescência criadora de seus pensamentos, Marily era a mulher pragmática, compreensiva e tolerante que botava ordem na casa, no orçamento familiar, na educação dos filhos.
Quando a direção do banco decidiu dar uma visão da complexidade de seus negócios a Sebastião, nomeando-o diretor geral da Sucursal Norte e Nordeste, com sede no Recife, certamente interessada em prepará-lo para vóos mais altos, experiência que positivamente não agradou a esse quase cientista, Marily acompanhou-o a Pernambuco, compraram velho casarão no bairro de Casa Forte e assumiu a gerência da empresa de turismo que o banco possuía.
Sebastião Simões não demorou no cargo, deixou tudo para montar fábricas com tecnologia que criava, mas morreu cedo, como um passarinho, numa manhã de domingo, enquanto lia o Jornal do Brasil.
A vida de Marily não terminou ai, como aconteceria com muita gente. Ela ainda tinha os filhos e os velhos pais para cuidar, por isso voltou para a Bahia e tocou o barco para a frente. Com o tempo ganhou ainda mais serenidade, uma beleza interior que se percebe de imediato e uma incrível compreensão do mundo e das pessoas. Adquiriu a condição de conselheira de todos nós, seus amigos, a pessoa que sabe dizer as palavras certas na hora de consolar, de estimular, de apoiar, de obrigar à reflexão, a fada boa que só com a presença é capaz de transmitir conforto e segurança.
Como seu povinho foi morar em São Paulo, ela agora passa a maior parte do tempo com eles e os netos, mas vem à Bahia de vez em quando. Na grande cidade, católica de cabeça aberta que sempre foi, participa de ações de sua paróquia voltadas à comunidade e, mesmo de longe, com cartas de rara sensibilidade e ligações telefónicas nos momentos mais apropriados, vai fazendo o que é sua grande especialidade humana: desentortando o viés de nossos problemas aparentemente insolúveis e clareando a escuridão de nossos medos. 22.10.05

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