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Contos-->O amor na era digital -- 12/04/2001 - 18:28 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quase não dormi na noite anterior tamanha era a ansiedade de chegar ao escritório no dia fatídico. Havia pelo menos uns quatro meses desde que conheci Sabrina. Lembro-me como se fosse hoje do momento exato em que ela atravessou o corredor trajando um singular tailler salmão que exibia suas formas perfeitas de garota malhada. Os cabelos castanhos bem tratados chamavam a atenção pelo comprimento e brilho, realçando ainda mais sua beleza divina. Foi incrível como pude reparar detalhes tão minuciosos em tão poucos segundos, mas jamais esquecerei dos seus passos macios quase deslizando sobre o carpete verde. Quando entrou na sala do Gerente Financeiro logo concluí que se tratava de sua nova secretária. Todos sabíamos da saída da Sandra Beltran e pensávamos que viria uma substituta à altura, isto é, chata, carrancuda e feia. Mal podíamos imaginar que surgiria alguém tão estonteante quanto Sabrina. Era quase uma unanimidade entre os rapazes, mas para mim ela tinha um significado diferente. Não era só sua beleza física que me atraía. Seus gestos doces e delicados e o sorriso infantil eram atraentes tanto quanto sua voz levemente rouca. Sorria pouco, mas quando o fazia despertava em mim uma felicidade tremenda. Muitas vezes me flagrei estático apreciando aquele rosto alvo e suave olhando para o nada. Suas sobrancelhas espessas acompanhavam os movimentos dos olhos quando desviava o olhar. Com certeza Sabrina já tinha notado meus olhares, por mais que eu tentasse disfarçar. Minha timidez sempre foi inimiga das minhas conquistas amorosas, tão raras. Quando nossos olhares se cruzaram pela primeira vez tive de fazer um esforço tremendo para disfarçar meu total envolvimento com aquela mulher linda e distante. Com a chegada do Sandro tive um álibi para desviar meus olhos e receber o colega de departamento.
- E aí, camarada conquistador? Como vai de paquera? – perguntou-me.
- Que paquera o que, Sandro. Estou aqui só pensando nas dívidas. Qual é?
Sandro, e talvez todo o escritório, sabia muito bem das minhas intenções com Sabrina. Acho que àquela altura já não dava mais para esconder, por mais que me esforçasse. Ele mesmo já tinha me flagrado com o olhar perdido, depois de alguém simplesmente citá-la numa roda de amigos. Nunca tinha tido uma chance de me aproximar da Sabrina, até porque ela vivia com o nariz empinado. Tentei por várias vezes arrumar algum pretexto profissional para poder chegar mais perto, mas nenhuma das tentativas dera certo. Meu mundo realmente caiu num final da tarde de Sexta-feira, depois do expediente. Fui tomar uma cerveja com o Bruno, analista de crédito que trabalhava com minha musa.
- Tá sabendo do Chico? – perguntou-me.
- O que é que tem?
- Tá comendo a Sabrina – disse ele.
Não pude acreditar. Engasguei com o chope. Fiz que olhava a morena que passava por nós naquele momento. Um iceberg se formou na minha barriga e pensei que fosse vomitar. Algumas imagens passaram rapidamente pela minha cabeça: o tailleur salmão da Sabrina, os carros que passavam próximos à calçada do bar, a boca grande do Chicão, os dois se beijando na porta do cinema... Era impossível! O Chicão? O cara não sabia sequer onde ficava Moscou. Era um tremendo brucutu. Mal educado, burro, canalha... Se bem que a mulherada vivia elogiando seus músculos e imaginando como seria o tamanho do seu... bem, vocês sabem o quê. Mas de resto era um baita zero à esquerda. Como poderia ser a Sabrina com seu jeito delicado e sua voz doce se envolver com aquele Chucky Norris tupiniquim? Disfarcei:
- Sério...
Fui para casa desiludido. Passei pelo mercado 24 horas – isso lá pela 1 e meia da matina – e comprei algumas latas de cerveja e um litro de uísque nacionalizado. Ao passar pelo porteiro esbarrei numa senhora gorda que deixava o prédio. Ela praguejou uma coisa qualquer e eu mal pude abrir a boca para pedir desculpas, pois ela saiu apressada em direção à rua. Apertei o botão do elevador. Quando enfim ele chegou vi um casal mal arrumado sair sorridente de dentro dele e seguir abraçados pelo hall do térreo. Entrei. Já no apartamento trouxe novamente a lembrança de Sabrina para minha mente. Vi-a ali, sentada em meu sofá de couro se oferecendo para servir um drink e tirando o blaser apertado do corpo escultural. A miragem se desfez rapidamente e eu a amaldiçoei por ter nascido. Tomei meio litro do uísque. Acordei mal, muito mal.
Havia 5 mensagens no email na Segunda feira seguinte. Resolvi não abri-los. O fim de semana foi desastroso. Cheguei a pensar em me demitir, mas quando fui fazer a contabilidade das dívidas, desanimei-me. O telefone tocou.
- Você já leu o email sobre a nota fiscal do cliente de Uberlândia?
- Erh... ainda não abri os emails, senhor Álvaro. Se me der um minuto...
- Deixe estar, responda-o até o meio-dia sem falta!
Pensei que aquela fosse uma ótima oportunidade de chutar o balde e não dar satisfação ao senhor Álvaro, para que eles enfim me mandassem embora. Mas uma fada madrinha qualquer me fez esquecer essa idéia. Apenas adiei a leitura do dito email. Tinha que ligar para o escritório de São Paulo e dar conta de uns borderôs inconsistentes. Foi o que fiz. Do outro lado da linha atendeu o Gino, amigo distante que nunca tive a oportunidade e prazer de conhecer. Embora estivéssemos a quilômetros de distância, tínhamos uma imensa afinidade. Volta e meia trocávamos histórias, risos, decepções e idéias. Resolvi me abrir com o amigo paulista.
- É, meu! Essas minas são assim mesmo. Ou se entregam aos figurões da firma ou a algum babaca halterofilista. Tenta outra, cara! – recomendou-me o Gino.
Aquelas palavras só fizeram aumentar a minha depressão, mas enfim eram ditas por alguém que eu sabia realmente gostar de mim. Não sei o que se passa com os seres humanos que sempre esperam uma palavra amiga positiva, que eleve sua auto estima e que revolucione sua maneira de pensar e agir. Mas quando um amigo simplesmente faz um análise racional do nosso problema, a gente fica fulo da vida. É como se fôssemos a uma cartomante e ela dissesse que vamos morrer daqui a 10 minutos. Seria melhor não ter nem passado em frente à sua casa. Mas a gente segue o caminho, como não pode deixar de ser.
Por volta das 10 horas resolvi abrir as mensagens eletrônicas. Naquele instante senti uma saudade tremenda dos velhos e bons memorandos, que ficavam escondidos nos envelopes pardos e que podiam facilmente ser esquecidos ou escondidos na gaveta da mesa. Em último caso, alguém ligava para a gente cobrando algo solicitado no memorando e falávamos que não o tínhamos recebido. A culpa recaía sobre o pobre coitado do boy. Esses ventos da modernidade só vieram atrapalhar nossa já complicada vida – pensei.
Meus batimentos cardíacos se aceleraram intensamente quando vi na tela do computador um nome até então inédito na minha lista postal. Sim, estava lá escrito numa boa e usual Arial 11, o nome de SABRINA ABRANTES. Aquela mulher era tão especial que até seu sobrenome era nobre. Abrantes.
“Por favor, posicionar-me sobre a nf 354487, a qual o cliente alega não ter recebido junto com a mercadoria. Grata. Sabrina.”
Sim, aquela era a chance que tinha de demonstrar que eu existia. E que sabia onde ficava Moscou. Fui correndo atrás das informações sobre a tal nota. Minha estratégia era primeiro demonstrar que eu era um competente profissional. A parte do galanteio, mostraria depois. Sabia que as notas não despachadas por erros de manuseio ficavam arquivadas na Contabilidade da empresa prestadora de serviços. Liguei para os caras já demonstrando que queria pressa na solução, e isso realmente funcionou porque, num primeiro momento, alegaram que não tinham como levantar a nota em menos de 1 hora. Ameacei falar com o gerente geral e eles acharam a maldita nota em quinze minutos. Fiz com que eles despachassem-na via sedex e que me mandassem um fax comprovando o envio. Depois de solucionada a pendência burocrática tinha que redigir o email. Preferi rascunhá-lo no papel antes de escrevê-lo no computador. Escrevi e reescrevi diversas vezes. Seria importante demonstrar algum talento, sem cair na pieguice ou sem parecer enfadonho. No final das contas destaquei que as providências já tinham sido tomadas e que, se precisasse, poderia levar o fax com o comprovante do despacho pessoalmente.
Mandei-o. Fiquei quase uma hora esperando por uma resposta, até que ela chegasse por volta do meio dia.
“Muito obrigada pela eficiência. Creio não ser necessário o fax. Confio em seu trabalho”. Quis imprimir aquela mensagem e, na hora do almoço, colocá-la numa moldura de ouro. Pena ela ter dispensado o comprovante e eu não poder trocar umas poucas palavras com Sabrina pessoalmente. Mas, paciência... Já tinha progredido naquelas poucas horas muito mais do que nos meses passados desde a chegada de Sabrina à empresa. Minha felicidade já não tinha mais tamanho e assim, do nada, reacendeu em mim uma grande esperança de enfim conquistar aquela belesura. Procurei não fazer planos, até porque não conseguia tirar da cabeça as palavras da mensagem da Sabrina. Repetia-as como um bobo para mim mesmo, até me dar conta de que meu devaneio começava a chamar a atenção dos colegas do departamento. Sandro foi o primeiro a notar e não resistiu a fazer um comentário sarcástico. Não dei bola ao engraçadinho. Continuei adiantando o serviço à espera do almoço. Quando enfim os ponteiros apontaram para o meio dia e meia, recolhi rapidamente as coisas da mesa e as guardei na última gaveta. Tranquei-as antes de sair. Parecia incrível mas mesmo naquele escritório onde aparentemente só existiam pessoas de boa índole, vivia sumindo aparelhos eletrônicos e até dinheiro de algumas carteiras. Tirei o paletó da cadeira e fui caminhando apressadamente para o refeitório. Ao contrário de outros dias, não convidei o Bruno para me acompanhar. Tinha que estar sozinho e concentrado para traçar a estratégia de aproximação. Talvez devesse acompanhar o recebimento da nota pelo cliente para depois ir pessoalmente confirmar que tudo já tinha sido efetivamente resolvido. Quando vi o tamanho da fila, desanimei. Quilométrica! Pensei em voltar mais tarde, mas a fome corroía-me as entranhas. De repente senti um perfume suave entrar ligeiramente em minhas narinas. Um perfume maravilhoso que nunca tinha sentido. De certo não era de uma das moças do RH ou do Comercial. Virei-me lentamente até me deparar com a figura estonteante de Sabrina. Ela estava de costas para mim, conversando com a Vívian. Quando seu rosto virou-se em minha direção tive um surto de tosse intermitente. Ela abriu um pequeno sorriso de cumprimento e depois voltou-se novamente para a amiga. Estava com um colar de pérolas bastante discreto e uma camisa branca transparente, que exibia totalmente um sutiã bem acabado, cheio de rendas e detalhes bem desenhados. Não sabia se sumia ou se permanecia ali na fila, esperando quem sabe uma oportunidade de puxar algum assunto trivial. Lembrei da mensagem. Quem sabe fosse oportuno reafirmar minhas providências no episódio da nota fiscal. Imagina! Pensei em como era idiota por nunca ter feito amizade com a Vívian. Naquele momento era tudo o que precisava.
- Então você é o Vander? – dirigiu-se a mim. Obrigada por responder prontamente à minha mensagem.
Devo ter ficado roxo... Senti meu rosto arder e as pernas fraquejarem até não ter mais força suficiente de sustentar o resto do corpo. Quis responder prontamente, para demonstrar segurança e firmeza – qualidades tão apreciadas pelo sexo frágil. Mas que nada! Minha mente processava uma resposta mas a boca não esboçava sequer um tímido movimento. Olhei para os lados e cocei a cabeça.
- De nada! – respondi.
Senti vontade de me afogar num panelão de sopa quente depois de responder aquilo. Como não podia deixar de ser, ela voltou a conversar com a amiga e me deixou a ver navios. Quase não comi. E justamente naquele dia a comida estava uma porcaria de marca maior. Engoli o que pude e fui correndo de volta para a minha sala. Depois daquele desempenho estapafúrdio só me restava a demissão ou a morte. Liguei o computador e, depois de alguns segundos, vi a janelinha de aviso de chegada de mensagens estampar a informação de que havia três delas não lidas. Essa merda não vai parar de cuspir mensagens o dia todo, caralho! – esbravejei. Resolvi abrir. “Pensando bem, como o senhor Álvaro está meio de mal humor hoje, acho melhor me trazer o fax. Aguardo. Beijos.”
- Beijos??!!
Elaborei uma teoria romântica rapidamente. Somado o agradecimento no refeitório mais o beijo, o produto era que pelo menos ela sentiu alguma simpatia por mim. Imaginei então que Romeu e Julieta não tivessem se apaixonado assim tão à primeira vista. Quem sabe se, com um pouco mais de convívio, ela não acabaria se derretendo por mim? Minhas forças se recuperaram e passei então a imaginá-la em meus braços a todo momento. Olhei para o relógio. Não dava tempo de eu correr até o shopping e comprar um perfume novo. Também não era o caso de entregar-lhe o envelope com o fax e junto um ramalhete de rosas vermelhas, então assumi que chegaria até sua mesa com um ar assim despretensioso, natural. Sim, era essa a postura que deveria ter depois da brecha que ela dera. Passadas duas horas, lá estava eu rompendo a sala da Contabilidade como um louco desvairado rumo à grande mesa arredondada de Sabrina.
- Boa tarde, Sabrina. Aqui está o fax. Se precisar de mais alguma coisa, é só me ligar ou mandar um email.
Quando enfim tive a confirmação de que o cliente já tinha recebido a nota, enviei um email a Sabrina comunicando-a de que estava tudo ok.
Passaram-se dois dias de recorrentes esperanças de receber uma resposta. Abria o depositário de mensagens de meia em meia hora. Nada. Estava quase indo até a sala da minha pretendente para perguntar-lhe porque não tinha mais dado sinal de vida. Voltei aos velhos tempos e vislumbrei o antigo Correio Elegante. Era o veículo usado invariavelmente nas quermesses da igreja e festas juninas do colégio para nos aproximarmos das garotas. A grande vantagem em relação ao email é que você podia visualizar, mesmo que à distância, a reação de quem o recebia. Se a garota sorrisse, era meio caminho andado; se fizesse ar de indiferente ou de zombaria, era só partir para outra. Aquele maldito correio eletrônico não permitia que enxergássemos a reação de quem o leu. Só dava para ter uma certeza: ela o abriu, porque vi o recibo eletrônico. Aliás essa história de coisas eletrônicas já estava me enchendo a paciência. Tudo era eletrônico. O caixa do banco, a catraca do estacionamento, a porta do shopping... Pedi para o chefe para ir para casa mais cedo naquela tarde de Quinta-feira. Perdi a paciência de esperar, de contar com algo que, no fundo, eu sabia que não iria vir. Chegando em casa deitei no sofá. Liguei a TV e vasculhei todos os canais. Nada de interessante, para variar. Dormi até as nove horas. Fui à geladeira e peguei uma lata de refrigerante. Enquanto bebia pensei em tomar um longo banho, vestir uma roupa limpa e descambar pelas ruas de Copacabana. Antes disso entraria num site qualquer de bate-papo, só para me entusiasmar. Ao ligar o computador abri minha caixa postal: duas mensagens. Abri a primeira. Era do Márcio, do escritório. Sugeria que abrisse o arquivo “atachado”, cujo título era Enéas. Sugeria algo cômico e pornográfico, como tantos outros que meu amigo vivia me mandando, inclusive durante o expediente. Sempre achei que ele passava pelo menos metade do dia vasculhando sites de piadas ou eróticos, tamanho era o seu arsenal de bobagens pronto para invadir os computadores dos colegas do trabalho. Não me dei ao trabalho de processar o maldito arquivo. Fui para o segundo. Arregalei os olhos e esfreguei as pálpebras intensivamente até abri-los devagar novamente. Estava lá: Autor – Sabrina Abrantes. Cliquei rapidamente a linha da mensagem e devorei cada uma das palavras daquele “extenso” email de cinco linhas. Nele ela justificava ter descoberto meu endereço particular por intermédio de um amigo do escritório e pedia para que eu, quando pudesse, almoçasse com ela. Insinuava que tinha planos para mim na Contabilidade. O dia, a semana, o mês o milênio estavam ganhos, enfim. Quis responder prontamente, mas aos poucos fui dominando a ansiedade e me contive até bolar uma resposta atraente. Teria muito o que planejar antes daquele almoço. No fundo sabia que, se não houvesse outro tipo de interesse por trás daquele email para o meu computador particular, ela simplesmente me ligaria no escritório. Acho que pelo menos uma vez na vida minha técnica de aproach funcionou precisamente.
Tomei um banho rápido. Sequer fiz a barba, para que o rosto ficasse impecável no dia seguinte. Coloquei uma roupa leve e belisquei um pedaço de queijo branco que repousava já há alguns dias na geladeira velha – herança da minha querida mãe, que ainda morava em Friburgo. Saí apressado para o Barra, a fim de comprar umas coisas básicas para o encontro. Ainda bem que já tinha comprado sapatos novos recentemente e restava apenas adquirir um conjunto harmonioso de calças e camisa para o casual day. Enquanto passava apressadamente pelas suntuosas lojas do shopping lembrava das dicas de uma famosa consultora de moda executiva. O ideal seria uma calça clara de tecido leve, com pregas esportivas. A camisa poderia ser xadrez em tom azul ou então uma estilo pólo, mas bem acabada. Era a hora também de comprar um perfume mais suave, mas que não fosse totalmente popular. Neste quesito, pedi o auxílio da balconista da perfumaria. Era uma moça simpática, de cabelos muito lisos e presos em forma de rabo-de-cavalo. Usava uma saia comprida com um corte em V, bem abaixo dos joelhos. Recomendou-me uma novidade parisiense que custava os olhos da cara. É claro que nem liguei para o preço, afinal aquele seria o almoço mais importante da minha vida. Coloquei no cartão de crédito. Depois de algumas horas e muitas lojas visitadas, voltei com duas calças e cinco camisas, todas adquiridas no pré-datado, em três vezes. Antes de ir embora, pensei em lhe dar um presente. Mas o quê? Não fazia idéia. O duro de se escolher um presente para uma mulher nessas condições é que, em primeiro lugar, quando não conhece-mos seu gosto, corremos o sério risco de desagradar. Em segundo, é praticamente impossível presentear uma garota com bom gosto sem revelar totalmente suas terceiras intenções. Decidi por um livro. Drucker certamente a agradaria. Comprei o mais recente – e também mais caro. Chegaria com aquele papo de que o livro é tão bom para pessoas inteligentes como ela, que não pude resistir em presenteá-la. Teria de encurtar a conversa quando fosse entregá-lo, pois corria o risco de ela perguntar algo sobre a obra e eu não ter como responder, já que só tinha lido o prefácio do exemplar que escolhi para lhe dar no almoço. Apressei-me em abandonar o shopping porque ainda não tinha respondido o email. Embora tivesse combinado com meu chefe que não trabalharia na Sexta-feira – saldo de férias não usufruídas – tinha de estar bem cedo na empresa, para não correr o risco de me atolar de trabalho no decorrer da manhã e perder a hora do almoço. Chegando ao Ap. fui direto para a escrivaninha de madeira escura responder a mensagem da minha amada. O que eu queria digitar, na verdade, era mais do que um simples “OK, vamos ao Jandaia às 12:30”. Meu coração pedia para que eu falasse sobre os meus mais profundos sentimentos, sobre a espinha gélida toda vez que eu a via, sobre as noites mal dormidas, atrapalhadas pelo anseio de tê-la em meus braços, sobre a tristeza de imaginá-la nos braços do Chicão, sobre a lembrança fotográfica de cada um dos seus gestos e palavras, desde que a conheci... Mas obviamente que esse tipo de declaração não cabia naquele momento, pelo menos até que eu pudesse ver o brilho dos seus olhos refletindo um sentimento recíproco e verdadeiro como o meu. Limitei-me a sugerir o Jandaia – restaurante pouco freqüentado, mas muito aconchegante, que ficava a dez minutos do nosso prédio. Pedi apenas para que ela confirmasse o horário, pois sabia que era dependente das ações e vontades de seu chefe, o Álvaro.
Quando enfim chegou o momento de eu recolher a papelada da mesa e sair correndo para o estacionamento, o telefone tocou. Pensei em não atender, pois poderia ser um cliente chato às voltas com um problema para ser solucionado naquele dia, naquela hora, naquele minuto. Mas por outro lado podia ser a própria Sabrina, comunicando algum atraso. Deixei-o tocar três vezes, até atender.
- Sim!
- Ô, Vander. Está indo almoçar? – era o Bruno, meu companheiro inseparável.
- Não posso, Bruno. Tenho que resolver umas coisinhas. Deixa pra Segunda.
Fugi o mais rápido que pude. Ao chegar no estacionamento não vi o carro azul de Sabrina. De certo já tinha se dirigido ao Jandaia. Quando a vi pela manhã quase não me contive em ir ao seu encontro. Acenou rapidamente e prosseguiu a longos passos em direção à sua pequena sala. Trajava uma calça jeans bem justa no corpo escultural e uma blusa de seda muito elegante, ao ponto de a Priscila, minha companheira de departamento tecer um elogio, coisa rara entre as mulheres. Antes de ligar o carro foi que me dei conta do que estava vivendo naquele instante. Na verdade estava prestes a me encontrar com a mulher da minha vida e nem sabia ao certo o que conversaria com ela. Senti medo. Medo de ficar do outro lado da mesa intacto, mudo e gélido. Não passou pela minha cabeça recuar, mas já não tinha tanta pressa de perceber o tempo passar. Ao contrário, queria mais era que ele demorasse o suficiente para eu me transformar num outro homem. Seguro, tranqüilo, senhor de cada ato que pudesse ter. Enquanto as rodas do carro se moviam lentamente rumo à saída do estacionamento fui recuperando aos poucos a vontade de chegar. Esperara por tanto tempo aquela oportunidade mas não conseguia deixar de transparecer o receio de ser mal sucedido. Cheguei ao Jandaia a 1 hora. Esperava encontrá-la lá, na mesa 4, que reservei logo quando cheguei ao trabalho. Não estava. Um temor incontrolável de ela não aparecer me dominou completamente. Aquele telefonema do Bruno me fez chegar dez minutos mais tarde. Foi então que eu pensei que dez minutos não era assim um atraso que justificasse aquele abandono. Era possível que Sabrina, mesmo antes de ir para o Restaurante, tivesse resolvido passar por alguma loja ou quem sabe dado um pulo ao banco. Sentei-me e pedi uma água sem gás. Tinha de controlar o ímpeto de acender um cigarro e dividir com ele a minha angústia. Os minutos que se passavam pareciam ser eternos. De vez em quando eu via a porta do grande salão escuro se abrir abruptamente e imaginava que ela chegaria triunfante envolvida em sua calça jeans. Nada. Esperei até as duas e meia. Nem sinal da Sabrina. Paguei a conta das 3 garrafas de águas e do couver. Ao sair do restaurante fui surpreendido por gritos ensurdecedores vindos em minha direção:
- Feliz Aniversário! Parabéns!!! Namorou muito, babaca!
Sandro, Bruno, Isaías, Priscila, meu chefe... Esperavam-me lá desde que entrei no restaurante. Devem ter filmado toda minha apreensão e desespero enquanto esperava por Sabrina, que até hoje mal sabe que eu existo.

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