- Ei? Que título absurdo é esse que você colocou aí em cima?
- É só pra chamar atenção.
- Você não tem vergonha? Quer dizer... Você não pode fazer isso...
- Por que não? Todo mundo faz.
- Faz o quê?
- Ué... Usa títulos apelativos para chamar a atenção do público.
- Como é que é?
- Só estou usando o mesmo método. Uns dizem: Jesus Cristo andou sobre o mar. Outros, Jesus Cristo ressuscitou Lázaro - seja ele quem for! Jesus cristo multiplicou pães e peixes, transformou água em vinho. Jesus Cristo voltou da morte...
- Mas tudo isso está na Bíblia.
- O meu título também.
- ...
- Não dizem que Judas traiu Jesus com um beijo?
Um menino muito pobre. Muito pobre mesmo, tão pobre que a palavra era pobre para descrevê-lo. Não tendo o que fazer senão esperar os dias passarem - sem deles perceber o seu passar - nada fazia, senão esperar. Esperava procurando o que comer, e desta única ação cresceu e da mesma atividade, ou falta dela, morreu. Ninguém nunca ouvira falar deste menino, nem mesmo Deus, ocupado com o cair das folhas das árvores.
- Onde estava Deus durante o genocídio em Auschwitz?
- Lavando as mãos.
O jovem interpelava o amigo, tentando convencê-lo de que seu deus era o único Deus. O amigo pouco caso fazia da exclusividade do deus do jovem. O jovem dizia que se o amigo não se dobrasse ao seu Deus, iria para o inferno. O amigo sorriu. O Deus dele jamais condenaria um ser humano só por não acreditar em deus.
- Você não tem religião?
- Prefiro meu time de futebol.
- Não pode ser? Todo mundo tem... Você deve ser católico, todo mundo é!
- Um deus que crucifica o próprio filho? Prefiro entrar para a polícia civil.
- Budista?
- Um gordo sentado, falando em meditação, bem-aventurança e nirvana? Vai ralar a bunda e deixar de ser preguiçoso.
- Ok. Xintoísmo?
- Não acredito em nada que comece com X.
- Protestante?
- É o negócio de alguns serem escolhidos antes do nascimento? Prefiro que volte a ditadura.
- Qual é? Não acredito que você não acredite em nada. Deve ter uma queda espiritualista. Alan Kardec...
- Vai tempo para alguém me convencer quem um espírito em sã consciência opte por encarnar feio, pobre e burro.
- Hinduismo?
- Se um piscar de Brahma leva 300 milhões de anos, quanto tempo leva para ele fazer algo de fato?
- Zoroastrismo?
- Zaratustra? Muito maniqueísta.
- Sei lá então, Judaísmo...
- Escuta, Judaísmo, Islamismo, Sikhismo, Hamanismo, Palestinos, Muçulmanismo, Xiitas, Sunitas, Maometanismo... Pra mim, tudo farinha do mesmo saco. Todos heterónomos de Lúcifer.
- Então você é um Demonista? Acredita num ser maligno que corrompe os homens e os leva a praticar o mau?
- Não acho que os homens precisem desse tipo de ajuda. Já basta deus!
- Você é existencialista!
- Materialista, hedonista, niilista, marxista, determinista... O que você quiser que eu seja.
- Taoísta?
- Prefiro Confúcio.
- Confucianista, então?
- Não... Gosto mesmo é de Lao Tse.
- Você está brincando comigo... Você não acredita que Deus existe, pronto.
- Quem disse que eu não acredito.
- Acredita?
- Meu amigo, se Deus existe o problema é dele.
O rapaz insistia em gritar que era tudo culpa de Deus. Tudo culpa de Deus, dizia incessantemente. Os poucos que prestavam atenção balançavam a cabeça discordando das palavras do profeta moderno. Quanto mais o ignoravam, mais alto falava. TUDO CULPA DE DEUS. E assim seguiu, as pessoas passaram, os carros passaram, o vento passou, o dia passou e a noite também não se furtou de passar. Novo dia se fez, sem gritos, sem rapaz e sem Deus a ser culpado. Ninguém nunca soube de qual culpa era acusado o Deus daquele rapaz.
- Onde estava Deus no massacre em Ruanda?
- Tirando cidadania brasileira.
A mulher era atéia. Por convicção de que se fosse acreditar em algo que não pudesse dimensionar, preferia acreditar no amor. Dia desses uma amiga lhe disse que Deus era amor. A mulher deixou de amar no mesmo instante.
Os três filhos mortos num tolo acidente de carro. Os pais despedaçados em suas emoções tentavam enterrar os pedaços dos filhos em caixões lacrados. Num canto, uma tia suplicava por Deus que nada fizera para impedir tal tragédia. Repreendida pela irmã, calou-se e chorou. Deus também chorou. Nada podia fazer sendo fruto da imaginação dos homens.
- Onde estava Deus quando os Árabes dizimavam a população negra do Sudão?
- Morto.
"Se o Senhor pode tudo, pode também deixar de existir?"
Laerte
