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Contos-->As sobrinha da Madame Chéri -- 05/01/2009 - 19:35 (Umbelina Linhares Pimenta Frota Bastos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As sobrinhas da Madame Chéri

Morava na França madame Chéri, senhora da alta soçaite e de grandes posses. Sentindo saudade de seus familiares no Brasil, principalmente de suas sobrinhas. Dentre inúmeros sobrinhos seus, convidou duas para conhecer Paris. Essas, então, aceitando o convite, logo partiram. Eram elas jovens, elegantes, de uma beleza rara, olhos verdes, cabelos longos e cacheados, educação rígida e família de sangue nobre. Iam à Paris e, logicamente, a Roma, Florença, sob o fito de respirarem o ar daqueles ambientes plenos de arte, educação, literatura e sabedoria. Iam, também, com certeza, à Berlim, para se ambientarem com as grandes convenções socialista, onde se falavam todas as línguas e ninguém se espantava com coisa alguma. Eram um pouco provincianas, estiveram em várias cidades e capitais, a partir dos quinze anos, sob o tino de se aperfeiçoarem em música e outras línguas. Lá, viveram com extrema liberdade, conversando, em perfeito pé de igualdade com todos, sobre todos os assuntos. Fizeram amizade, facilmente, com rapazes que levavam violões, cantavam músicas, canções do dia e da época. Eram elas livres, soltas!, pra ser mais exata. Soltas, sim, eis a palavra mais certa. Em todo momento, saíam com os rapagões. Gozavam da liberdade de fazer o que bem entendessem e dizer o que bem sentissem. Sem dúvida, eram plenas de si. Entre elas, ocorriam conversas livres e troca de impressões. Os anos caminhavam em acompanhamento secundário.

Todas elas, do que me consta, iniciaram-se no amor aos quinze anos. Entre si, as conversas mapeavam-se ardorosas, tendo como sentido maior o amor. Para elas, o amor físico não passava de uma espécie de retorno, depois do ato. Ficava, sim, um langor de ódio ao amigo. Era como se estivesse sido violada a sua liberdade interior. Para elas, era essa a liberdade que mais importa. Era, sem qualquer receio de dizer, a significação de suas vidas. Os poetas, que as glorificavam naqueles dias, eram homens plenos e, como é do saber de muitos, as mulheres sempre se deram conta de que há algo maior na existência do que o simples amor físico. E aquelas duas jovens estavam convencidas disto. A liberdade pura de uma jovem valia mais do que qualquer amor sexual. Elas perceberam, ali, que podiam ceder somente na aparência, conservando-se, então, livres e donas de si lá no seu íntimo. No entanto, isto os poetas pareciam não levar na devida conta. Em verdade, as duas sobrinhas da madame tiveram experiência amorosa há muito tempo. Nenhuma das duas se enamoraram antes de algum rapaz, a não ser quando tiveram interesse em falar com algum deles. As conversas de namoro, que tinham com algum rapaz inteligente, de boa conduta, duravam horas a fio, dias após dia, meses e meses. Depois disso, dessas vivas e inteligentes discussões, a coisa sexual se tornava inevitável. Isso tinha, também, uma emoção própria, final de uma afirmação excitante.

Quando as duas voltaram de férias da França, isso em 1940, seus pais perceberam imediatamente que elas, Isabela e Constância, que já estavam amadas fisicamente. Isabela tinha na época dezessete anos, enquanto Constância, dezoito. Alguém, naqueles dias, havia dito: “O amor havia passado por lá”. Todavia, seus pais, pessoas inteligentes e preparadas, deixaram a vida seguir normalmente seu curso. A mãe das jovens, apesar de tudo, ansiava que as duas fossem, cada vez mais, inteligentes, estudiosas, livre e se realizassem plenamente. Em suma, era a velha força do tradicionalismo acontecendo. Cada uma delas deveria ter seu namorado, universidade, curtir músicas, cinema e literatura, ou seja, que tudo fosse normalmente vivido.

Com o passar dos dias, ambas já se sentiam cansadas. Sem que percebessem de pleno, sentiam que o amor físico já começara a derruir-se, a esfriar-se, em relação ao namoro. Interessante é a mudança que o amor físico opera no corpo dos homens e das mulheres. A mulher floresce, adquire uma experiência ansiosa ou triunfante, enquanto o homem se torna mais tranqüilo.

No começo, as duas quase se sucumbiam ao estranho poder de seus homens. Rapidamente, porém, reconquistaram-se, readquiriram, sobretudo, a liberdade, ficando aquele amor ou loucura apenas como sedução da carne. Já os seus amores queridos, gratos pela experiência que lhes haviam proporcionado, permaneceram como quem perde milhões de dólares ou ouro.

O namorado, ou amante da Constância, era um tanto inquieto e ignorante; o da Isabela pendia para o sarcástico. Eram eles, assim, ingratos e jamais insatisfeitos. Não souberam cativar as lindas jovens. Quando desprezados, enfureciam-se; quando acariciados, queixavam-se disso. Quando crianças, jamais se satisfaziam com a atenção que lhes era dedicada. Sempre se aborreciam.

Em 1950, as duas jovens, então a passeio, retornaram à França. Ali, Constância casou-se com um jovem senhor bem educado, da alta sociedade, de temperamento mais tímido; e esse jovem senhor estava numa cadeira de rodas. Em suma, era hemiplégico. O que se soube era que ele havia sofrido um grande acidente de automóvel. Por ser e estar assim, esse jovem senhor sentia-se pouco a vontade e, quase sempre, mostrava-se nervoso e um tanto temeroso entre pessoas normais, de mais alto grau de ação. Por isso, a firmeza e o temperamento firme de sua esposa Constância lhe fascinavam sobremaneira. Ficava fascinado em vê-la tão segura de si nesse outro ambiente. Para ele tudo parecia ridículo. Nunca, jamais, pensou que um dia dependeria tanto de uma mulher. Necessitava dela em todo os seus momentos.

Com o tempo caminhando, passou ele, o jovem senhor, a escrever contos, novelas curtas; e ela lhe auxiliava com muita paixão.

Constância deixou a vida fluir. Ah, Quantas noites passara ouvindo as palestras desse homem e outros mais! Nada lhe impressionava. Nada mais lhe agradava ouvir aquilo tudo, pensava honestamente.

Depois do desastre, que lhe ocorreu, Vicencio tornou-se extremamente tímido. Evitava ver as pessoas, salvo os parentes e familiares, porque lhe parecia humilhante receber as pessoas numa cadeira de rodas. Mesmo assim, sempre se postava elegante, mantendo-se altivo da cintura para cima, com a elegância de outrora. Era Vicencio um homem de ombros largos, voz tranqüila e olhar cheio de audácia. Às vezes, sua imagem oscilava entre a soberba e a humildade retraída. Sua ligação matrimonial era à moderna, separado e distante. Era ele sempre deprimido e, por isso mesmo, Constância se lhe apegara apaixonadamente. No entanto, Constância sentia imensamente o isolamento do esposo. Percebia que aquela distância, tão necessária a ele, era cruel para ela.. Porém, sabia que ele necessitava dela, para provar a si próprio. Afinal de contas, ele ainda existia.

Os contos e escritos de Vicencio não tinham muita significação. Mas, como hoje a vida é um cenário farto de artificialidades luminosas, seus contos refletiam, com certeza, grande verdade para os dias atuais, revelando, notoriamente, uma sensibilidade extrema, ao que tange e permeia os labirintos doentios.

Como boa esposa que era, Constância ajudava Vicencio em tudo que fosse possível. No começo era como vasta paixão que ela lhe auxiliava em seu afazer. Constância desejava intensamente entregar-se à Obra literária do marido. A sua vida era dirigir sua casa, conservando uma secretaria e criadas ao seu esposo. A casa era uma mansão cheia de tristeza, quase ausente de calor humano.

Certo dia, o pai de Constância lhe fez uma visita e disse-lhe: “Constância, os contos de Vicencio revelam habilidade, mas não há nada de grandioso em suas entrelinhas; logo passarão. Com isso, filha, espero que, depois de tudo, as circunstâncias não lhe obriguem à vida de semi-virgem”. Semi-virgem? Por quê? Indagou ela. Ao que ele, seu pai, lhe respondeu: “Se aceitas assim, nada posso fazer”.

Dias após, vendo-se a sós com Vicencio, disse-lhe: “Meu caro Vicencio, tenho receio de que Constância não se adapte mais à esta vida de semi-virgem”. “Semi-virgem?” indagou Vicencio, ficando a pensar, cabisbaixo e sombrio. Sentindo-se ofendido, pensou consigo, por que não conviria a Constância esse estado de vida? Por quê? Por que Constância não nascera para isso? Havia, em verdade, intimidade espiritual, mas nenhuma corporal. Ela tinha certeza que para Vicencio era indiferente se ela era semi-virgem, ou semi-mundana, desde que não soubesse de nada. Dois anos se passaram assim.

Fora da literatura nada mais existia. Sempre ela passeava pelos jardins, pomares, colhendo flores, frutos, em companhia do esposo. Era sempre assim: recebia convidados, críticos e escritores. Dava prazer e não causava mal nenhum. Constância era linda, com seus cabelos cacheados, seus olhos verdes e profundos. Era demasiado feminina. Por isso, talvez, os homens se mostrassem caídos diante dela. Constância não alimentava galanteios, não se sentia ligada a nenhum parente do marido.

O tempo fora passando, e nada diferente acontecia. Viviam os dois dos sonhos literários. Às vezes, o isolamento a enlouquecia, fazendo com que ela se sentisse mal. Portanto, ela se atirava na piscina, sob o fito de refrescar-se. Às vezes, como para evadir-se de qualquer coisa, corria no pomar, e se deitava de costas na grama, olhando as figuras que as nuvens desenhavam no céu. De vez em quando, sentia um grande vazio a invadir-lhe o ser. Como noutras vezes passadas, Vicencio começou a convidar críticos e escritores, sob a efígie de ser analisado e comentado. Para Constância, apesar de tudo, aquilo lhe dava prazer; e ela recebia a todos gentilmente, conservando-se serena e distante.

Alguns dias depois, receberam a visita de um jovem irlandês, que havia ganhado uma grande fortuna com representação de peças teatrais, começando a ser convidado pela sociedade elegante de Londres. Era ele um verdadeiro gentleman. Constância sabia muito bem como agiam os artistas em sua vida. Porém, admirou-o muito. O irlandês percebeu, rapidamente, o interesse de Constância, em relação à sua pessoa; e sentiu-se um homem feliz.

Constância, após alguns diálogos com o jovem artista, convidou-o a conhecer a sala no andar superior. Era, ali, uma sala grande cheia de quadros. Ele, então, ante aquilo, exclamou com um sorriso muito solto e agradável: Aqui! A paisagem aqui do alto da casa é muito linda! Alguns minutos depois, sentaram-se, conversando. Constância perguntou por toda a sua família; e ele, sempre sorrindo, falou de si, de sua família, com muita franqueza e sinceridade. “Mas, por que vive tão solitário”,perguntou Constância. Ele, olhando-a alguns instantes, respondeu: “Na Vida, em verdade, há pessoas que nascem para viver solitárias”. “Mas a senhora me parece solitária, ou é impressão minha?” Constância pensou, antes de responder. “Em parte sim, mas não como supõe”. A estranha atração, que sentiu por aquele homem naquele momento, quase a fez perder o equilíbrio. Naquele exato instante, ele a encarou com os olhos brilhantes e cheios de emoção. Durante todo aquele momento, o senhor Michel mostrou-se delicado, mas atento a todos os rumores de fora que vinham de fora daquela sala. Porém, com o passar daqueles minutos, ainda que um tanto preocupado, o senhor Michel voltou à tranqüilidade normal. “Acaso, seu esposo não nos estaria...” intentou explicitar Michel. “Talvez”, respondeu Constância. “De mim, imagino, Vicencio jamais suspeitaria de coisa alguma”. “Caso assim o fosse, eu estaria prejudicando a mim mesma”.

Passados mais alguns minutos, Michel se retirou,despedindo-se. Beijou, então, as mãos de Constância. Logo depois, retornou à cidade sua. Atrás de seu rosto pálido, desiludido, sua alma soluçava de gratidão para com aquela que até então lhe dera alguma coisa, mesmo sabendo que ela jamais se uniria a ele.

À noite, Michel retornou à mansão de Constância. Ali, então, a sós, ele procurou falar-lhe, assim que as lâmpadas da sala se acenderam. “Assim que for possível, posso ir ao seu quarto”, perguntou Michel. “Irei ao seu”, sussurrou Constância.

Ansioso, sempre apertando suas mãos, uma contra a outra, Michel esperou-a por longo tempo. Mas, Constância foi.

O encontro foi rápido. Ele estava nervoso e muito tímido. Parecia uma criança. Todavia, tudo fora decepcionante para Constância. Ela ficara desapontada e perdida.

Após o encontro, Michel permaneceu na mansão apenas mais um dia. As atitudes de Michel, seus modos de falar e agir, conservaram-se os mesmos perante Vicencio e Constância. Se é que ela, Constância, estava certa, a máscara de Michel continuava.

Depois que ele se fora, escreveu uma carta a Constância naquele mesmo tom choroso e melancólico, sempre sem graça e nexo algum. Constância jamais o compreendeu. Afinal, como amar sem esperança?

E assim passaram os meses, e ela, com bom humor, fazendo de tudo para ajudar no trabalho seu esposo, cuja literatura nunca pareceu tão boa. Jamais ele, Vicencio, desconfiou de coisa alguma. Constância passara todos aqueles dias de bom humor. Nenhum homem parecia exercer qualquer atração sobre a sua pessoa

Certo dia, ao saírem passeando sobre as colinas, Vicencio disse a Constância: “Vá passear, ver outros horizontes. Você anda muito nervoso”. “Creio que tem razão, meu esposo”, disse Constância. Mas eis que, diante de seus olhos, surgiram um cachorro perdigueiro, que acabava de sair de uma pequena estrada, e um homem com uma arma em punho. O homem veio aproximou-se cauteloso e rápido. Reconhecendo-os, parou a certa distância, saudando-os com amabilidade. Era o caseiro,, que olhava todas as terras daquela mansão Vicencio o chamou pelo nome: “Gil!” O home voltou-se rápido, atendendo o chamado. “Gil, quer fazer o favor de virar este carro?”. Nesse instante, ele, o caseiro, não olhou para Constância. Só preocupou-se com o carro. Volvendo o cenho para sua esposa, Constância, Vicencio explicou: “Este é o novo caseiro, Gil. Já conhece a lady Constância?”, perguntou. Ao que o caseiro respondeu: “Não, meu senhor”. Com um gesto suave e nobre, Gil tirou o chapéu de sua cabeça e cumprimentou-a com um sorriso leve nos lábios. E Constância pôde, então, perceber, os cabelos louros dele esvoaçando suavemente ao súbito tocar da brisa, que ora corria por ali. Nesse exato momento, ele encarou-a nos olhos, com firmeza, como quem mede e avalia. Constância retribuiu o cumprimento. “Está aqui há muito tempo?”, indagou Constância. “Há um ano, senhora”. “Gosta do lugar?””Sim, me criei por aqui... obrigado, madame”. Depois de alguns segundos, o caseiro deu partida no carro, indagando de maneira tímida e retraída: “Só, senhor Vicencio?” “Não, Gil, acho melhor você nos acompanhar até a nossa casa, pode ser que aja novamente algum problema no carro pelo caminho”.

Assim que chegaram ao fim do bosque, Constância adiantou-se para abrir a porteira. Os dois olhares se cruzaram. Gil com o olhar avaliador. Ao passar a porteira, Vicencio parou o veículo. Constância, apressou-se, ao intento de fechar a porteira. Eis que Vicencio, em raios de segundos, atinou: por que Constância buscou fechar a porteira?, Isso é serviço de caseiro. Vicencio pôs-se a refletir sobre aquela ação de Constância.

Chegando, foram ter à porta dos fundos, onde não havia degraus a subir e Vicencio passou do assento do carro para a sua cadeira de rodas. Vicencio tinha os braços ágeis e fortes, mas suas pernas eram como mortas, inábeis. Nessa hora, Constância teve que erguê-lo em seus braços, sob o tino de colocá-lo na cadeira de rodas. À espera que o dispensassem, Gil observava a certa distância, sem perder de vista coisa alguma. Ao ver Constância erguer o corpo do marido para, em seguida, colocá-lo na cadeira de rodas, Gil sentiu certo pesar. Achou, então, conveniente, ajudar; e foi o que fez. “Obrigada, Gil”, disse Constância. Após essa cena, o caseiro se despediu, tomando rumo a estrada logo à frente.

Passaram-se vários dias. O tempo naquele dia estava chuvoso. Assim que a chuva deixou de cair, e houve, por sinal, o estio sobre aqueles bosques, Constância saiu para tomar a fresca do vento, das árvores, das flores, nos bosque, caminhando, sem destino, despreocupada. De repente, ouviu vozes. Alguém parecia falar sozinho numa clareira. Um homem, que ali passava, voltando-se à sua frente, cumprimentou-a com a cabeça e rapidamente se foi. Dirigiu-se enfim à sua casa. Ah, casa! Eis aqui um nome doce e reconfortante. Oh, aquela triste mansão! Lar, doce lar! Lembrou-se finalmente de seus pais, irmãos. Ah, o amor familiar! Amor é, certamente, algo que não engana a ninguém.

Constância, depois daqueles dias no bosque, alimentava a idéia de passar uns dias em Londres. Após a aventura com Michel, às vezes Constância chorava com tristeza. Entre lágrimas, dizia a si mesma: idiota!

Constância não dispensava seus passeios. Saía todos os dias, indo, de preferência ao bosque, onde se sentia verdadeiramente feliz. Ali, quase não encontrava ninguém.

Um dia, seu esposo, pretendendo enviar um recado ao Gil, ante a falta de um outro serviçal comum, pediu que ela, Constância, fizesse esse favor, uma vez que era assunto de muita urgência.

Tudo estava parado, ali, assim que ela chegou ao lugar. Até o barulho dos pássaros. Nenhum movimento, além de um leve roçar de brisa sobre as copas das árvores frondosas. Olhando à distância, avistou a cabana do caseiro. A cabana era sombria. Ao momento, parecia desabitada. Uma solidão e um silêncio enormes pairavam por ali. A porta de entrada estava cerrada. Com a mão fechada, Constância bateu levemente na porta, sob a intenção de não incomodar quem lá dentro estiva. Ante a sua batida, nada. Constância bateu novamente. Por várias vezes, bateu. Quase desistiu. Voltou a bater, pois tinha que dar o recado de Vicencio. Cansada, sentou-se, então, num tronco, ali à porta da cabana; e permaneceu quieta. De repente, viu o caseiro abrir a porta. Ao vê-la ali sentada sobre o tronco, o caseiro se assustou. Lady Constância! Quer entrar? Seu tom de voz era franco e sincero. Ela entrou. Com fala baixa e bastante feminina, sensual, inclusive, ela disse: “Vim apenas trazer-lhe um recado de Vicencio”. “Não quer sentar-se, lady?” “Não, obrigada, senhor Gil”. Deu-lhe, ali mesmo, o recado. “Muito bem, minha senhora, cuidarei disso sem demora”. Constância corria os olhos em volta do lugar, a salinha modesta. “Vive aqui?”, perguntou-lhe. “Sim, minha senhora, completamente só”. Ela, então, ergueu os olhos para ele, dizendo: “Espero que não tenha vindo atrapalhar”. “Que isso, madame não veio, não”. Dizendo assim, abaixou a cabeça e retirou-se dali.

Constância caminhou até as árvores altas do bosque. Saiu dali um tanto pensativa. Aquele homem não sabia por que a preocupava, deixando-lhe confusa e perturbada.

Ao chegar em casa, disse ao marido: “O senhor Gil, Vicencio, me parece ser um homem muito gentil.” Acha você que ele é assim, Constância?”, respondeu Vicencio. “Eu mesmo nunca notei nada nele a respeito disso”, tornou a dizer Vicencio. Em verdade, Vicencio nunca fora carinhoso, ou mesmo gentil. Era apenas educado em sua frieza.

Com o transcorrer dos dias, um sentimento de ódio e raiva brotava em Constância. Afinal, para que tudo isso? Irei a Londres a passeio, terei liberdade, amigos. Contudo, estou deixando passar minha juventude. Com urgência, ansiosa e determinada, Constância apelou à sua prima Isabela. Não me sinto bem há muito tempo, prima!

Isabela viajou a pedido de sua prima Constância. Esta deveria chegar no amanhecer do dia seguinte. Ausente de sono, Constância jogou cartas a noite toda com sua amiga Henriqueta.

Isabela chegou na hora esperada, o mesmo ar sério e voluntarioso de sempre. Era de uma tenacidade diabólica. O seu marido convencera-se disso. Sentindo-se dona de si, há muito Isabela requerera o divórcio. Estava agora solta, livre. Dona de seu nariz.

Sentadas, agora, na pequena sala da mansão, Constância e Isabela estavam prontas para a viagem. As malas ao lado.

Tão ansiosas, partiram ao anoitece. Constância disse à Isabela: “Quero passar a noite aqui, não bem aqui, mas, sim, aqui perto”; e era de uma inquietação enorme o tom de sua voz. Isabela encarou-a fixamente como os olhos, e perguntou: “Aqui perto, onde?” “Você sabe que amo alguém, não sabe?”, disse Constância. “Parece que sei qualquer coisa”, retrucou Isabela. “Pois ele mora aqui perto, e tenho que passar com ele esta noite. Preciso! Prometi! Você entendeu?” Isabela postou-se silenciosa, apenas inclinou a cabeça. Depois de alguns segundos, perguntou: “Quer contar-me quem é?” “O caseiro”, respondeu Constância, corando-se feito uma menina apanhada de surpresa. “O Gil?”, disse, assustada, Isabela, erguendo o nariz com repulsa, jeito herdado de sua mãe.”Eu sei. Mas ele é na realidade um amor.Conhece o que é ternura”, disse Constância, como querendo justificar.

Verdade que Isabela não gostava do esposo de Constância. Para Isabela, ele parecia uma geladeira imprudente, estragara a vida de Constância. A seu gosto, há muito tempo Constância devia tê-lo deixado. Mas, com Gil? Seria muita baixeza a si e à sua família. Com certa suavidade no falar, Isabela disse à Constância que ela, certamente, iria se arrepender. “Nunca!”, explodiu Constância. “Ele é uma exceção, e eu realmente o amo. Oh, ele perfeito!” Ante essas expressões de Constância, Isabela disse: “Você vai se cansar dele. Com certeza, ficará com vergonha do que você está fazendo. Se eu fosse você, desistiria desse encontro. “Não posso” Tenho que passar a noite com ele”. Isabela, diplomaticamente, cedeu. Logo saíram para jantar em algum restaurante de classe. Em seguida, Isabela levaria Constância ao encontro com o caseiro. Entregue ao caseiro, noutro dia voltaria para apanhá-la, pensou Isabela.

Isabela era mulher indiscutivelmente inteligente e, certamente, poderia fazer carreira na política. Pegou o carro e, já viajando, pensou na prima. Isabela duvidava que esse romance, entre Constância e Gil, acabasse bem.

Constância, ali, tomou o braço de Gil. Pediu-lhe um beijo, e esse lhe disse não. “Espere um pouco!, disse. Deixe-me acalmar”. Ela sorriu, sentindo-se feliz com ele, longe de todos. Acendeu uma vela sobre a mesa e foi para o quarto. Tiveram uma noite maravilhosa, cheia de paixão. Constância estava um pouco amedrontada, mas ao mesmo tempo feliz. Uma sensualidade aguda e ardente como fogo transformava sua alma em brasa. A paixão lhe devorava por dentro com suas chamas cintilantes. Ah, quanto aprendeu nessa noite, pensou consigo. Pensou, nessa hora, em Isabela: ah, se lhe contasse, amiga! O que morreu, na verdade, foi a vergonha, que não passava de medo, o velho medo físico. Constância sentiu-se mais mulher. Notou que a vergonha essencialmente não existia. Aquilo era tudo temor, um temor frágil, bestial. Oh! A vida! Como era bela! Era assim que realmente era. Ali no quarto, olhou para o seu amante, que àquela hora já dormia; e aninhou-se ao lado dele para tê-lo menos longe de si.

No dia seguinte, despertaram, levantaram-se e preparam o café. Constância abriu a janela. O sol brilhava intensamente nas alturas. Olhou sonhadoramente aquele pedaço de paisagem, ali, à sua frente. O ar da manhã estava rico de gorjeios. Para ela era aquele um dia novo. Que bom nosso café, nós dois, aqui, juntinhos. Olha, disse Gil, está na hora de sua prima Isabela chegar. Logo, depois, ouviram o rumor de um carro chegando. Constância, agora, correndo e Gil atrás. Ela estava indo, Isabela a esperava no veículo. Despedindo-se, ela beijou Gil. E agora, fico ou vou?, pensou consigo. Constância, ante a dúvida, encarou-o ligeiramente. Ele, então, lhe disse: vá! Desolada, Constância se retirou dali, entrando, em seguida, na estrada. Isabela lhe esperava no carro, um pouco afastado, à sombra dos pinheiros enormes. Isabela mostrava-se contrariada. De súbito, pergunto-lhe::”e ele?” Ao que Constância, num tom de tristeza, respondeu: “Ficou”. O rosto de Constância estava lavado de lágrimas. Lentamente, entrou no carro. Isabela deu-lhe os óculos, um boné. “Ponha isso”, disse.

Constância ajeitou-se no banco dianteiro do carro, escondida pelos óculos, o boné e um blazer de viagem. Impossível ser reconhecida. Isabela movimentou o veículo, tocou pra frente, seguiu pela estrada. De olhos para trás Constância buscava uma derradeira imagem de seu amado. Mas Gil se fizera invisível. Lágrimas correram-lhe pelos.

“Graças a Deus, você ficará separada desse homem por algum tempo”, disse Isabela ao fazer uma curva perigosa na estrada.

Constância veria Paris novamente, sua tia e primos e demais amigos. Para ela Paris era uma cidade triste, uma cidade mecânica, de eterna caça ao dinheiro. As mulheres parisienses eram tão ativas, às vezes encantadoras, às vezes frias. Entre elas, nada de ternura; eram tensas.

Constância estava triste, mas a continuação da viagem deu-lhe prazer. Dias depois, foram a Veneza. Isabela gostava de dirigir o carro e ocupar-se de tudo. Constância somente queria ficar na sombra, ficar tranqüila, longe dos barulhos mais contundentes. Como uma pessoa desencantada, ela se perguntava: por que nada mais me interessa? Nem as paisagens me interessam mais. E as pessoas? Sempre as mesmas. Aliás, as coisas, também, sempre as mesmas. Turistas, ricos, pobres, ruas, montanhas, paisagens costumeiras, tudo, tudo a mesma coisa, de sempre! Ah, não devia estar ali, mas, sim, em sua casa, ao lado de seu esposo, ainda que ele esteja em sua cadeira de rodas.

Isabela e Constância fizeram amizades, em seus dias, muitas amizades. Tiveram convites para passeios, vários, inúmeros, convites. Isabela gostava de dançar coladinho e deixar que seu parceiro dominasse seus movimentos, de lá para cá, de cá para lá. Já Constância se divertia menos, não gostava de dançar, não queria ser acompanhada por ninguém. Seu pensamento distante contemplava o colírio rosado.

Ali em Veneza, ao voltar para o hotel, ainda meio hipnotizada pela luz da tarde espraiando-se sobre a cidade, encontrou sobre a pequena mesa da saleta cartas dignas de impressão. Mas ela nada de interessante achava, em relação a tudo aquilo. As cartas, sobre a mesa, eram para elas, nesse exato momento, algo que não significava muito. Com certeza, ela estava hipnotizada pela luz, pelo ambiente, ali presente, pelo espaço vazio, enfim, pelo nada; além disso, fatalmente, estava grávida. A sonolência em relação à luz, os enjôos, os passeios morosos, eram, sem dúvida, plenitude adormecedora.

Depois de longo tempo, naquele dia, Constância estava, enfim, imersa no semi-sono do bem-estar. Uma carta de seu esposo veio lhe tirar da sonolência. A carta dizia: nós temos tido aqui nossos pequenos acontecimentos locais. Parece que a esposa de nosso amigo de infância, o caseiro, apareceu lá pelo chalé e não foi bem acolhida. Parece-me, ainda, que ele a expulsou e fechou a porta de sua cabana à chave e trinca. Porém, dizem que ele voltou de uma pequena viagem e, ao chegar à sua caba, lá encontrou a sua esposa. Dizem que ela quebrou os vidros da janela e, com isso, penetrou na cabana, lá permanecendo. Dizem que ela está lá. Falam, também, que ele, o caseiro, foi para a casa de sua mãe, enquanto que sua esposa, irredutivelmente, permanece na cabana. Disse ela que ali é sua casa. Não pretende sair dali nunca. Em verdade, Constância, eu nunca soube que ele tivesse esposa. Também, não tenho o costume de ficar observando a vida dos noutros.

Os dias continuaram, e Constância sentia muita falta do sol daquela sua velha morada. Onde estava chovia bastante. Do Gil jamais viera alguma carta. Afinal de contas, era ele o pai da criança que Constância estava esperando. Tudo acontecera naquela noite na cabana, onde se amaram ardentemente. Constância guardava aquele segredo, sem dizer nada a ninguém, de maneira calada, segura. Nem mesma a sua melhor amiga, Isabela, dissera sobre sua gravidez.

Naquela manhã cinzenta de abril, Constância recebeu cartas de Isabela, contando todos os detalhes, dizendo que Gil estava vivendo com sua mãe. Sabe-se, dizia na carta, que a esposa do caseiro, ao adentrar a cabana, encontrou perfume caro e tocos de cigarro sobre a cômoda no quarto. Sabe-se, ainda, que a esposa deixou a cabana. Foi-se embora.

Após ler várias vezes a carta. Constância sentiu um golpe enorme em sua vida. Tinha certeza que sobre ela iria espirar um pouco daquela sujeira. Estava com muito medo e temia que alguém soubesse de seu encontro com Gil. Que humilhação!, pensou. O perfume encontrado era dela, mas os tocos de cigarros, lá deixados, com certeza eram de Isabela. Isabela fumara, ali, no dia em que deixara Constância com Gil. Ou não?

Dias depois, Constância recebeu outra carta de seu esposo Vicencio, dizendo que andava preocupado com o caseiro, que, inclusive, o considerava como um irmão, uma vez que vira ele crescer ali, juntamente consigo. De certa forma, estimava muito o caseiro Gil. A carta dizia, também, que os comentários de sua esposa, na cidade, em toda a vizinhança, eram horríveis. Estive com Gil, Constância, dizia na carta, ele mostrou-se um tanto fugidio, desconfiado. Como seu amigo, falei sobre a violação da cabana, bem como, também, o fato de ele ter se afastado, ido embora. Aludi, ainda, acerca do que ela vinha espalhando coisa imundas sobre a pessoa dele na cidade, junto, inclusive, aos vizinhos de nossa propriedade. Disse-lhe mais: não estaria você negligenciando? Eis então, que, numa maneira brusca, ele me retrucou: “Se todos cuidassem de seu próprio nariz, não teriam tempo para ouvir o que se contam do nariz dos outros”. Do que sei, Constância, a mulher dele sumiu, não está por perto. Agora, caso você queira, se for de seu agrado, fique mais um pouco aí querida. Embora eu esteja morrendo de saudade de você, penso sempre no seu bem. Beijos, do sempre seu Vicencio.

Constância continuou sua estada em Veneza, como se nada de estranho houvesse. Passeava, ia às compras, deixava, enfim, que o tempo fluísse. Só queria uma coisa dos homens, que a deixassem em paz.

Encontrando, certo dia, pelas ruas de Veneza, sua tia, disse-lhe: “Não voltarei mais à minha terra!” “Mas, como?”, perguntou sua tia. “Não lhe estou entendendo”. Constância limitou-se apenas abaixar a cabeça. A voz saiu suave, baixinha, “vou ter um filho”. Era a primeira vez que ela dizia isso a alguém. Naquele instante, parecia que sua vida se dividia em duas. “Mas, não é filho de seu esposo, naturalmente? Ou é/” “Não”, disse Constância. “De outro homem?”, perguntou sua tia. “Sim”. “Eu o conheço?”, indagou sua tia, cujo nome era Madalena. “Não tia, a senhora nunca o viu, não o conhece”. “E os seus projetos?” “É justamente o que não sei, tia Madalena” Dizendo isso, seus belos olhos, grandes como os de seu pai, refletiram-se mais fortes, dentro de sua expressão profunda, esverdeada. Denotando uma situação de enorme preocupação, espanto. Sim, Constância estava insegura, preocupada. Ela, justamente ela, uma mulher de consciência social pura. “Há meio de arranjar as coisas com seu esposo?”, perguntou tia Madalena. “Acho que ele aceitaria a criança”, respondeu Constância. ”Disse-me ele, certa vez, que pouco se importaria, caso eu tivesse um filho. Desde que eu agisse discretamente, seria a única solução razoável num caso, assim como o dele. Sendo assim, imagino que tudo poderá dar certo”. “Como?, indagou tia Madalena, mirando firme nos olhos de Constância. Tia Madalena mirou firme aqueles olhos verdes, de criança assustada, olhos reveladores, às vezes cismados, enfim, penetrantes. Olhos aqueles, daquela bela mulher, que, certamente, poderia dar a eles, a toda a sua família, um herdeiro. Foi, então, que ela, Constância, disse: “mas, creia, tia, não estou interessada em nada acerca disso”. “Pois bem, está apaixonada pelo outro, não é? Mas, digo-lhe, o mundo não pára. Ouço o que eu penso, o mundo é mais ou menos fixo, e nós temos que nos adaptarmos a ele, na aparência, pessoalmente, podemos fazer o que nos convém. Você pode amar um homem este ano, e outro no ano que vem. O que sei é que seu esposo lhe ama, proceda como quiser. Mas, para quê?, pensou tia Madalena. Espero que esse seja um homem de verdade, uma vez que não há homem de verdade em nossa classe. Constância era sua sobrinha predileta, puxava um pouco de seu pai, além disso não simpatizava com o marido dela. Após essa conversa com tia Madalena, Constância dirigiu-se ao hotel. Lá chegando, encontrou uma carta de Gil, que dizia o seguinte: Não posso chegar até aí, mas espero-lhe, amanhã cedo, às oitos horas em ponto, na rua dos Rochedos.

Muito ansiosa, Constância chegou ao encontro às oito horas em ponto. Assim que ele chegou, Constância abraçou-o fortemente. Olhando-o bem, notou que ele estava bastante magro. Diferente. Havia nele uma distinção natural, embora lhe faltasse algo mais. Ali juntos, Constância pôde observar que ele, se bem vestido e preparado intelectualmente, seria, certamente, apresentável em qualquer meio social. “Oh, como você está linda e muito bem!, disse ele. Constância, ali, extasiada, observava-o com muita atenção. Ele emagrecera muito . Súbito, o esforço de manter as aparências manteve à Constância um ímpeto forte de desejo. Algo físico emanava dele para ela. Um sentimento íntimo acendeu seu ser, feliz e farto de prazer. Sentiu ela uma felicidade enorme invadindo seu coração. Seu instinto de mulher à procura de vasta alegria e prazer tomou conta de si. Inexplicavelmente, aquele homem era tudo pra ela.

Entre uma palavra e outra. Constância dizia baixinho: “Não me sinto bem, com toda essa gente à nossa volta. Sentiu minha falta? Gostei de sua atitude, Gil, ao afastar-se daquele escândalo. Você inteligente e equilibrado. Venha, vamos para o meu apartamento, ainda que seja mais um escândalo”. Constância, dizendo isso, viu-se invadida por vasta ternura. Seus olhos, como duas estrelas luzentes, brilharam muito, deixando transparecer uma sombra iluminada de amor. Constância novamente se deixou levar por aquele calor de desejos. Deixando então aquele lugar, foram ele s caminhando levemente pelas ruas de Veneza até chegarem ao hotel, onde ficava o apartamento dela. O apartamento de Constância era pequeno, mas belo e aconchegante. Ali, naquele exato momento, Gil disse abertamente à Constância: “Pois bem, por que você me quer, Constância? Sei que me ama, como eu também gosto de você. Ficarei com você, sei que ama, sim. Quero amor e ternura, sua atenção. Ela, meu amor, é minha companheira. Tudo isso é uma questão de dinheiro, ou coisa que me faça a diferença.

Noutro dia, Constância confidenciou à Isabela sua conversa com Gil, causando, então irritações à prima. Aquilo tudo, com certeza, deixaria o pai de Constância muito irritado, pensou Isabela, que não suportava a idéia de ver sua filha ligada a um caseiro. Que humilhação!

No dia seguinte, Constância escreveu uma carta a seu esposo, dizendo o seguinte: “Vicencio, não tenho como guardar mais isso comigo, é preciso que eu lhe diga: amo outro homem.espero que você concorde com o divórcio. Perdoe-me. Vá, siga a sua vida, certamente você encontrará alguém melhor do que eu.
Vicencio não se espantou com a carta enviada por Constância. Sabia que o final de seu casamento com Constância, um dia, seria assim. Porém, no outro dia, Vicêncio amanheceu com o olhar vazio. Os criados, então preocupados, perguntaram, queriam saber o que estava se passando, por que aquele estado de pessoa cabisbaixa, desiludida. Vicencio, diante das perguntas, começou a chorar, dizendo minha mulher não volta mais!, não volta mais! Ali chorando, Vicencio parecia uma criança. Foi, então, que uma enfermeira passou a cuidar dele diariamente; e fora sob forte emoção, que, de quando em quando, ele solicitava a enfermeira, soluçando, baixinho, por favor, me beija, me beija.

Ainda derruído em si, Vicencio resolveu responder à carta de Constância. Não devo, jamais, dizer o estado em que fiquei, ao ler sua carta.

Em sua carta enviada à Constância, Vicencio dizia: Peço-lhe, por gentileza, que venha aqui. Não creio em nada, aqui ninguém suspeita de nada. Está tudo normal. Não tenha medo, você me prometeu que voltaria. Com sua presença, eu a libero.

Ao receber a carta enviada por Vicencio, Constância mostrou-a ao seu amado. “Ele começou a se vingar”, disse Gil. Ela estava com medo, medo de aproximar-se de Vicencio. Contudo, ante esse impasse, ela escreveu outra carta a Vicencio na esperança de não ter que encontrar-se com ele; e a resposta fora esta: se não vier, ficarei à sua espera eternamente, ainda que na vã certeza de que nunca mais volte. Constância teve muito receio, ele não daria o divórcio. Com certeza, ele exigiria que a criança fosse sua. Foram vários dias de incerteza para Constância.

Constância, depois de muito pensar, resolveu ir com sua prima Isabela ao encontro de Vicencio. Comunicou, através de um pequeno bilhete, ao seu marido. Ela iria. Sua prima não será bem-vinda, disse em outro pequeno bilhete, Vicencio, mas não lhe fecharei a porta.

Assim que as duas chegaram à casa de Vicencio, ele não estava. Apenas na mansão os criados e a enfermeira. Ali, então, pensativa, Constância observou tudo. Aquela mansão não lhe fazia bem, sentiu-se mal. Foi doloroso subir ao seu quarto. Cada minuto, ali, era um tormento.

O senhor Vicencio surgiu, poucos instantes depois, para o jantar. Um jantar de luxo fora servido. “Que sabem os criados?”, perguntou Constância ao Vicencio. “Das suas intenções? Nada”, disse ele. “E a enfermeira?”, perguntou novamente Constância. Eis que ele, Vicencio, mudou de cor. “Oh, não tem importância!”, disse baixinho.

A situação manteve-se tensa até depois do café. Isabela retirou-se, silenciosa, fora conversar com alguns criados à distância. “Penso que você não está arrependida do que fez”, murmurou Vicencio. “Não pude evitar, respondeu Constância. “Se você não podia, afinal, quem poderia?” “Ninguém, suponho”, tornou a dizer Vicencio. Ele a encarou, com raiva, perguntando: “Qual foi a causa que a levou a trair-me dessa maneira?” “O amor, nada mais que o amor”, disse Constância. “Não sei como é a personalidade desse homem, nem quero saber. Sinto que não o ama verdadeiramente, mas você é teimosa”. O que você tem a fazer Vicencio é dar-me o divórcio e não investigar os meus sentimentos”, retrucou Constância. “E por que haveria eu de dar-lhe o divórcio?” “Porque não suporto mais viver aqui” e, ainda, imagino que você não me quer mais ”. “Perdão, você é minha esposa, e não é isso, mais do que tudo, desejo que você permaneça aqui, juntamente comigo, que é de fato seu verdadeiro lugar”, disse Vicencio. Mas eis que ela, Constância, se abre ainda mais em suas palavras, dizendo: “Não vou destruir toda a minha vida por apenas um capricho seu! Nada posso fazer, Vicencio. É necessário que eu saia, pois vou ter um filho. É por causa deste filho que quero deixar tudo”

Cosntância afirma: “Sim! Se lhe agrada ter um filho , sob este teto, onde está o inconveniente?” “A criança será bem-vinda, contando que tudo seja respeitado. Em verdade, duvido que este outro homem tenha mais apego a você, como eu”. Houve, ali, um silêncio alongado. Calaram-se, olhando entre si. “É preciso que eu saia e viva com o homem que eu amo, será que você não entende?”, explicitou Constância. “Estou sabendo que esse homem, pelo qual está apaixonada, é o amigo Forbes. Não creio que você prefira ele e não a mim”.

Constância, sentindo que ele, Vicencio, tinha razão, resolveu, de repente, contar-lhe toda a verdade: “Vivencio, não é o Forbes o homem que eu amo. Coloquei-o no meio de tudo isso, simplesmente por atenção e respeito a você”. “Por respeito e atenção a mim?”, perguntou Vicencio. “Sim. O homem que eu realmente amo... sei que você vai me odiar... é o caseiro Gil!

Vicencio ficou tremendamente surpreso, amarelou-se. “ É verdade o que acaba de dizer-me?” “Sim”, claro que sim, respondeu Constância. “Quando começou isso?”, indagou Vicencio. “Quando você partiu”, disse ela. Vicencio permaneceu calado. “Então, foi você que esteve lá na cabana?” “Sim”, confirmou ela. “meu Deus!”, exclamou ele. “Por isso tudo, acho melhor que façamos o divórcio”, solicitou Constância. “Nada disso! Prefiro que esta criança seja tida como minha. Farei o possível que seja legalmente sua. Documentarei tudo. Tenho pessoas, juízes, gente muito importante, que pode me ajudar. De uma maneira ou de outra, legalizarei tudo, ainda que por meio fúteis. Esta criança será somente minha e, jamais, sua e do Gil. Não permitirei o divórcio. Será inútil você tentar”.

Constância se retirou da sala e foi contar toda a sua conversa com Vicencio a Isabela. Ao aproximar-se de Isabela, disse: “Acho que devemos ir embora e esperar o encaminhamento das coisas”. Horas após, ela e Isabela voltaram ao seu apartamento, ali mesmo em Paris, já que a cidade de Veneza ficara já no passado.

Constância não conseguiu dormiu naquele dia, depois da conversa com Vicencio. Estava atribulada, remoída em sua consciência e paz.

Gil encontrara outro emprego no campo. Escreveu, dias depois, à Constância, contando todas as novidades: Tenho que dizer a você que a amo intensamente, até o fim do mundo. E você aí esperando um filho meu! Com certezas, só tenho você e essa vida aí para nascer. Sinto falta de você. Tenho medo desta distância, que nos separa. Quero abraçá-la em meus braços. Estamos separados, por enquanto. Não importa. Não vamos nos atormentar com isso. Estamos juntos por uma grande parte de nós mesmos. Temos que ficar firmes e fortes para o próximo encontro. Temos que ficar cheios de amor e esperançosos. Beijos. Gil.

Ciente de toda essa história, madame Chéri sorriu consigo mesma e, em silêncio, olhando para os céus parisienses, disse: “Adeus, minhas queridas sobrinhas, adeus!”

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