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Cronicas-->Flores & Cartões -- 25/09/2005 - 14:16 (Gisela Scheinpflug) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando recebemos flores, por mais lindas que elas sejam, tudo o que queremos é abrir logo o cartão e ler aquilo que, curiosamente, queremos saber a respeito do que os outros pensam em relação à nós mesmos. Na maioria das vezes, as palavras escritas no cartão que acompanha as flores, massageiam o nosso ego.

Uma semana depois de recebidas porém, as flores já mudaram de categoria, migraram do luxo ao lixo. Mas o cartão se perpetua, o guardamos com grande carinho.

Volta e meia remexemos em nossa caixinha de lembranças. A maioria de nós possui uma. É onde guardamos os recuerdos de momentos doces e agradáveis. Lá estará aquele cartão, e ao revermos e relermos, voltarão aqueles mesmos sentimentos. Suspiros são ouvidos, em conjunto com aquela música de fundo dos filmes melosos, chega aos nossos ouvidos no mesmo instante, tipo propaganda de bombom Sonho de Valsa.

Embora um presente recebido seja, na maioria das vezes, mais perpétuo que um buquê de flores, ainda assim o cartão que o acompanha tem um significado realmente especial. Isto porque, quando recebemos um cartão, temos certeza que a pessoa que nos ofereceu o regalo dedicou algum momento de sua própria vida para refletir a respeito do quanto nós significamos para a vida dela. Demonstra que a pessoa tem por nós sentimentos profundos de afeição, dedicação e amor. E ainda nem abrimos o cartão, para ler o que ela escreveu pra gente.

Tempos atrás fiz um curso de Elaboração de Propostas Comerciais, e estávamos conversando, em aula, sobre o modelo e a qualidade das propostas que entregávamos aos nossos clientes. Então um dos participantes, vendedor de imóveis direcionados para a classe alta da população, contou um velho truque que utilizava, ao elaborar propostas para clientes da terceira idade. Comentou que, conforme o perfil do cliente, geralmente para as boas velhinhas, ele incluía junto à proposta uma carta escrita de seu próprio punho, comentando sobre algum desconto especial ou facilidades. O impacto desta ação era bastante significativo para o fechamento do negócio. Nesta Era em que vivemos onde tudo é automatizado, e em alguns momentos a tecnologia chega a assustar, receber uma carta escrita à mão fazia a cliente sentir-se valorizada, e era impossível desta forma não valorizar o vendedor que lhe dedicara tamanha gentileza.

A maior parte das pessoas do meu convívio receberam de casa alguma orientação quanto à importància destes pequenos gestos singelos de atenção ao próximo. No meu caso, adquiri estes aprendizados às custas de duras penas. A origem da minha família não foi exatamente a alta burguesia germànica.

Meus avós eram agricultores recém mudados para a zona urbana da grande e próspera cidade de Roca Sales, no Rio Grande do Sul. Costumávamos dizer que aquela era uma cidade "de primeira", porque era tão pequena que não seria nem sequer notada se passássemos por ela com o carro engatado em segunda marcha. Eram pessoas simples, trabalhadoras, e bastante rústicas. Como todos os alemães de origem, tinham um senso prático bastante elevado, e para eles um presente a ser dado ou recebido era, ora bolas, um presente. E precisava ser útil, senão, também não teria serventia nenhuma, obviamente. Cartão? E qual é a serventia de um pedaço de papel escrito? Ora bolas, sejamos práticos.

Lembro exatamente o momento do meu primeiro aprendizado sobre a importància de um cartão. Foi no casamento de um casal de amigos japoneses, o Yukiti e a Yumi. Eles combinaram com todos os seus amigos que gostariam de receber dinheiro ao invés de presentes, pois seus planos eram mudar imediatamente para o Japão depois de casados. No dia do casamento, cheguei na recepção, e lá havia uma mesa, onde estavam sendo recebidos e catalogados todos os presentes. Abri minha carteira, preenchi um cheque na mesinha da recepção mesmo, e apresentei-o como meu presente de casamento. Percebi imediatamente o mal estar da mesa, frente aquele, digamos, simples e prático presente germànico. Nenhum cartão. Nenhum envelope. Apenas um cheque. Com saldo no banco.

Ao olhar ao redor, para os demais presentes e convidados que chegavam com cartões envoltos em envelopes floridos e elaborados no melhor bom gosto japonês, entendi imediatamente a origem daquele mal estar. Passei a festa inteira, e também algumas semanas depois, pensando a respeito daquela situação.

Pensei no quanto o convívio com a diversidade cultural, na nossa sociedade cada vez mas globalizada, interfere na qualidade dos nossos relacionamentos. Porque se a minha família nunca tivesse saído de Roca Sales, eu teria convivido a vida inteira com pessoas que não dariam a mínima atenção ao fato de existir um cartão acompanhando um presente.

Lembrei-me que, quando adolescente, sempre recebia um cheque ou dinheiro, de presente de meu avó. Ele nunca me escreveu um cartão. Também fui a muitos casamentos no interior do estado, onde era costume presentear os noivos com cheques e dinheiro. Sempre sem cartão.

Chegando aos dias atuais, fiquei imaginando o quanto seria emocionante, passados todos esses anos, se eu abrisse a minha caixinha de recuerdos e encontrasse por lá um cartão amarelado, esmaecido e desbotado, com letras antigas e desenhadas, que seria escrito por meu avó e que eu teria guardado ao longo de todos esses anos, e que estaria acompanhando todas as próximas gerações da família.
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