Notas de um sedutor
Hoje nasci. Necessário é dizer como. Vim ao mundo através de uma experiência estética.
Dia chuvoso, cinza... Foi quando vi uma bela jovem, portando seus dezoito anos. Era muito bonita. Linda! Penteado moderno. Belos cabelos! Tinha um rosto adolescente difícil de se encontrar, tão bonito era! Corpo perfeito... Cobicei aquela jovem. Senti um imenso desejo, desejo antropofágico, somente pensava em devorá-la. Pude sentir, quase profeticamente, que era esse desejo que me moveria por toda existência.
Enquanto olhava percebi novamente meu vazio. Já havia apalpado muitas vezes meu vazio, como também já tinha visto muitas jovens bonitas como aquela. Mas desta vez foi diferente: eu nasci.
O nascimento da minha espécie – humana - é necessária.; mas minha existência particular é contingente. Nasci sem sentido, sem identidade e sem criador. A ninguém devo minha vida senão a mim. Nasci sem nome. Isso, porém, não me angustia. Nada, além de meu vazio, me angustia. Quanto ao meu nome, pensarei em um, em determinado momento. Quanto ao sentido de minha vida, como não existe um, inventarei eu próprio um que me baste e me satisfaça.
Importante é ressaltar que nenhum “laço” existe em mim. Nada me liga a nada. Não há um cordão umbilical. Assim como Adão, Eva e os deuses não fui gerado. Talvez nem tenha nascido.; tenha sim, surgido.
. . .
Caminhava sem rumo e sem sentido por uma loja de departamentos, estava lotada. Após alguns instantes deparei-me com uma feérica visão.
Tratava-se de um casal de namorados adolescentes se beijando em meio ao corredor. Estaquei. Observei com que sofreguidão o faziam.; acho que chamam a isso de amor.
Por longo tempo os observei. Eram de uma beleza extrema, chegavam a ferir meus olhos. Caminhei em direção ao jovem casal, separei-os, enlacei meus braços pela cintura da jovem - mais parecia uma deusa mitológica - tamanha era sua beleza.; toquei-lhe com meus lábios, queria sentir seu gosto e, também, o gosto de seu jovem amante. Beijamo-nos com violência, o desejo queimando nossas veias.
Ela rasgou sua blusa, mostrando-me seus fartos e juvenis seios. O jovem amante nos observava. Possuí-a com sofreguidão. Após vários minutos (talvez horas) explodimos, simultaneamente, num farto e mortal gozo.
O rapaz, que ainda nos fitava, enlaçou-me em desespero e beijou-me com maior intensidade que sua amante. Implorou, com seus lábios ainda aos meus: “Possua-me...”
. . .
À noite decidi assistir a um concerto. A orquestra era muito eficiente e o programa me agradou. Todavia, minha atenção fixou-se numa jovem violinista. Seus olhos estavam agrilhoados aos meus. Parecia-me que sua música era somente dirigida a mim.
Ao fim do concerto, enquanto a orquestra era ainda ovacionada, a jovem violinista (aparentava cerca de vinte e cinco anos) dirigiu-se à minha cadeira, o violino em punho, e exigiu:
“Vamos.”
Nos dirigimos a um motel de beira de estrada. Libertamo-nos de nossas roupas e deitamo-nos. Após o seu segundo orgasmo, tomou de seu violino (depois vim a saber que era uma viola) e começou a executar alguns acordes, enquanto agachava-se por sobre meu corpo, iniciando seu terceiro e quarto orgasmos.
Que bela música!
Tales di Ângelis
|
