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Discursos-->FIM ! -- 04/01/2003 - 13:34 (António Torre da Guia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Há gajos que só querem ser ídolos!"
"Não se vende prosa a granel..."


A actual situação de Luiz Pacheco, face à lucidez que apresenta, comove, revolta, decepciona e assusta. Todavia, também enleva e inspira-nos a urgente procura de soluções colectivas que satisfaçam uma velhice feliz e sobretudo digna.

Na história da literatura portuguesa, Luiz Pacheco será um dos mais controversos escritores. Trata-se de um autor e editor maldizente e cronista feroz, aquele que subscreveu alguns dos textos incisivamente malditos em português. Tem hoje 77 anos e vive "rodeado de fantasmas" num exíguo quarto da Liga dos Amigos dos Hospitais, no Jardim do Príncipe Real, em Lisboa.

Alguns dias após a reedição da brochura "Os doutores, a salvação e o Menino Jesus", foi agradável e estimulante passar uma tarde em convívio com um homem que não receia a morte depois de uma vida passada a "dar porrada em muita gente". Em discurso directo, aqui se expõe a interessante transcrição possível das suas impressões no decurso de animada conversação.


Como se sente neste lar? Feliz...:

Isto aqui é outro mundo... É só patarecos. Um gajo não cria alegria. Já estou nesta merda dos lares há quase dez anos. Já nem vou lá fora. Tenho aqui a minha companhia: a rádio! Há pouco estava ali a ver uma merda qualquer na televisão mas nem sei o que era aquilo. Pelo menos, aqui, há assistência dia e noite. Há uns anos atrás, fiquei um bocado chateado com estas casas, mas agora já consigo ver que não há outra solução. Já não há casas para velhos: é tudo T1 e T2, para casais e filhos que não querem ter velhos em casa. E há velhos que não podem ficar sozinhos. Aqui há um sistema de protecção e vigilância. Mas isto não dá para relações... Naquela sala ali ao lado (a de TV), só há fantasmas. Há gajos que nem sequer saiem dos quartos. Eu também não vou lá. Para quê?

Bem... Porventura poderia arranjar uma namorada...

Nem penses! Com a minha idade?

E qual é o problema... Vá, diga lá: há quanto tempo é que não...

O quê?

Enfim... Há quanto tempo não tem relações com uma mulher?

Isso é como uma bicicleta, não é? Mas espera aí... A função sexual?! Há gajos que a levam longe. Há um cabrão de um amigo meu, que tem mais dois anos que eu, que se gaba de foder todos os dias. Porra! Ele era um grande fodilhão, de facto, lá isso era. Mas será que isso agora é importante? Não faço ideia. As pessoas têm o seu tempo. Não estou muito preocupado com isso. Já tive os meus dezoito anos. Que idade tens?

Sessenta e três...

Oh... Estás quase a chegar ao meu estado mas a tua efervescência é um pouco melhor do que a dum gajo com a minha idade. Tens de aproveitar as últimas chances...

Se bem se traduz da sua biografia, o Luiz era muito efervescente...

Oh pá, o que calhou, calhou! Tive oito filhos. Ou melhor: tiveram elas. Mas os meus filhos não costumam aparecer aqui. Não podem. Têm outra vida. Mulheres, filhos, trabalho. Os filhos são como os pássaros: ganham asas e voam sozinhos. Mas essa biografia é um bocado aldrabona. Nunca mais vi a rapariga que a escreveu. Ela é um bocado passada da mona. A primeira vez que a vi foi na televisão, no programa da Paula Moura Pinheiro, aquela que tinha a franjinha. Havia um programa dedicado à luxúria. Apareceu lá uma rapariga muito desinibida e vivaça a dizer: "Cá comigo é assim". Eu fixei-a. Uns tempos depois apareceu lá em Setúbal. Ela era muito trabalhadora. Para fazer essa cronologia foi aos arquivos da PIDE. Só que depois começou a querer mandar em mim, armada em minha mandona e eu mandei-a à merda. Não tenho feitio para aturar mulheres a mandarem-me. Essa gaja era demais.

Mudando de assunto: tem escrito ultimamente? Alguma vez usou computador?

Nem vê-los. Já nem à máquina escrevo. Consigo ver as teclas mas não vejo as letras no papel. Mas não é só isso. Um tipo já está fora do seu tempo. Um gajo tem uma fase de mocidade e curiosidade, e aí quer conhecer o mundo. Depois tem a fase da maturidade, que é a fase criativa por excelência. Só que mais tarde vai-se vendo mal, ouvindo mal, pá... Enfim, o que é que esperas quando chegares aqui aonde eu estou?

Assim como deu "porrada" a muita gente, a escrever, também levou "porrada"?

Dei porrada a muita gente e dei porrada com gosto. Um gajo tem um fundo malévolo, maldizente, e enquanto estiver para ali a mandar vir, anda todo satisfeito... De repente um gajo pegava num livro e via que aquilo era uma merda, mas os gajos julgavam sempre que eram génios ou supra-sumos. Então não dava vontade de dar porrada? É um acto de justiça. Há uma série de gajos que nunca mais se esquecerão de mim. Conheces o Agualusa? Ele publicou um livro, "Nação Crioula", e o Sepúlveda fez um grande elogio ao gajo. Eu li aquilo, aproveitei e dei porrada nos dois. Esses gajos devem ter-me mesmo pó.

Você também chegou a ter uma série de problemas com as autoridades...

Tive problemas com a PIDE por causa do "LIbertino" e também por causa da antologia erótica da Natália Correia. Duma vez até éramos oito réus; eu, o Ary dos Santos, a Natália, o Ribeiro de Mello, Francisco Esteves, Melo e Castro e outro gajo que já morreu. Com o "Marquês de Sade" e a "Filosofia de Alcova", apanhei uma grande porrada por ter ofendido o juiz...

Em sua opinião, avaliando a obra toda, qual é o seu grande texto?

Não é "A Comunidade". Talvez "O Teodolito"!

Perfil:
De literário a libertino, de marginal a alcoólico, não há consenso na adjectivação que o designe. Há cinco décadas que Luiz Pacheco deixa um rasto de controvérsia e atentados aos bons costumes. Pelo meio, ficam edições, prisões, desatinos e alguns dos textos mais geniais do século como "O Teodolito" ou "O Libertino Passeia em Braga". Um escritor onde os termos "gajo", "merda" e outros que tais saiem sem dar por isso, mas no fundo prenúncio do desprezo que um quase octagenário sente pela vida que o cerca. É o fim!


Torre da Guia
DR-SPA-1.4153

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