CARTA DE TIA DULCE
Em CEU ETERNO, do PARAISO para SEMPRE
Exmo. Sr. Ministro da Educação e Desporto
Como não sabes, sou uma das aposentadas do MEC falecida no mês de junho do corrente ano. Precisamente, no dia 17, Deus, teve pena do meu sofrimento e mandou me buscar para junto dele no paraíso.
Durante toda a minha vida trabalhei como Professora e Inspetora de Ensino Médio. Quando me aposentei, continuei ensinando gratuitamente e ajudando a fundar Colégios para os carentes de educação escolar e religiosa. Afora isso, ensinei Português a meus sobrinhos, fundei um Grêmio Feminino em minha terra natal, e nos últimos dez anos de vida dediquei-me aos enfermos nos hospitais, confortando-lhes com a mensagem de Deus, carinho e alguma ajuda material.
Sentia-me mais perto de Deus quando convivia e ajudava aqueles que a sorte não lhes sorria com bens materiais e faltavam-lhes carinho e amor do próximo. Por essa razão doei a parte de meus bens que a Lei terrena permitia, para Escola Dom Bosco, Escola Paroquial do Jaboatão e Arquidiocese de Olinda e Recife.
Daqui do Céu, estou tomando conhecimento que um aluno nas Escolas Públicas, custa cerca de R$ 150,00 por mês. Nas escolas que fazia doação e trabalhava, o custo é de R$ 4,00 e não recebe ajuda de nenhum Órgão do Governo. Nelas, o salário das Professoras, a merenda e a manutenção são doadas por pessoas caridosas, inclusive algumas que ganham 2 mínimos por mês, além de trabalharem gratuitamente para as Escolas. Tenho uma amiga dedicada, com 87 anos, que mantém os arquivos da Escola Dom Bosco há setenta anos. Ela é tão organizada, que tem manualmente as fichas de todos os alunos com as respectivas notas desde 1942, organizadas por ordem alfabética, mês à mês, ano à ano.
Como não sabes, o dinheiro público para educação é sempre desviado para fins não muito recomendáveis. Existe gente que nunca ensinou e recebe polpudas aposentadorias. Existe gente que aposentou-se como Professor noturno e nunca lecionou a noite. Existem "Professores" que trabalham como assessores de Deputados, Vereadores, ou outros cargos públicos políticos, recebendo dos dois lados e não trabalhando em nenhum dos dois.
Ministro, sei que não sabes, mas tem aposentado que já morreu e o MEC continua pagando os salários mensalmente. Pensas que é invenção minha ? Que é mentira ? - Olhes, aqui no Céu ninguém mente, ninguém faz promessas nem juras, nem precisa de verbas, orçamentos ou empenhos, por isso, não há razão para inventar nada. - Vou te contar um caso como exemplo.
Como não sabes, eu faleci em 17 de junho e até agora o MEC continua pagando meus salários todo mês. Já sei, pensas que ninguém te avisou. - Errado. - Não sabes o trabalho que meu sobrinho está tendo para provar que eu morri, não quero, e nem preciso receber esse dinheiro. - Como não sabes, ele foi ao MEC de Recife entregar uma carta, juntamente com a minha certidão de óbito. Lá o avisaram que o documento teria que seguir para Brasília e não o receberam. No outro dia ele foi ao Banco do Brasil onde era creditado meus vencimentos. Esperou uma hora e quarenta minutos para ser atendido. Para evitar problemas no futuro, levou meu talão de cheques, o cartão ouro, todos devidamente rasgados, juntou a carta comunicando meu falecimento onde solicitava não receber mais créditos por serem indevidos. Sei que não sabes, mas depois dessa espera toda, muitas conferencias, o Gerente exigiu uma cópia da Certidão de Óbito. Meu sobrinho então sacou da pasta outra cópia e de pronto a entregou. - Pediu então que protocolasse a segunda via da carta. - Não há necessidade, já bloqueei a conta. - asseverou o Gerente. Eu preciso de uma prova que o banco recebeu. - retrucou meu sobrinho. Como ele não se decidiu, meu sobrinho disse: - então devolva tudo que eu lhe dei ! - Foi aí, finalmente, que o Gerente resolveu assinar a segunda via e apor o carimbo da agencia. - Vencida a primeira etapa, ele foi aos correios e mandou a carta registrada com AR para o Ministério aí em Brasília. Como eu tenho um irmão que é Professor aposentado da UFPE, meu sobrinho entregou outra cópia da carta para que ele a entregasse lá na Universidade, o que foi feito no mesmo dia. Mesmo assim, eu continuei viva.
Ministro, sei que não sabes, mas há muitos casos que as famílias dos falecidos, não dão importància, estão recebendo, ou deixando que alguém receba.
Ministro, sei que não sabes, mas é por essas e outras que não há verbas para educação nem para melhoria de condições dos viventes aí do meu Brasil.
Ministro, sei que não sabes, mas durante toda a minha vida sempre obedeci e fiz obedecer as leis, portanto hás de convir que mesmo estando na graça de Deus, meu nome, mesmo inocente, possa amanhã esta envolvido entre as falcatruas tão comuns na previdência pública.
Ministro, sei que não achas, mas embora já esteja na Graça de Deus, vivo pedindo ao Senhor, para que acabe com a corrupção e a miséria no meu país. Peço para que os políticos sejam honestos, e trabalhem a semana inteira como os outros mortais do Brasil.
Ministro, sei que não sabes, mas não achas que como Ministro da Educação, deverias pelo menos saber o que esta acontecendo em teu Ministério ?
Por fim, sei que não sabes, mas procures saber uma maneira que não creditem mais um centavo na minha conta no Banco do Brasil. Por Deus! Acredites! Eu morri!
Tia Dulce
Mauro de Oliveira
17/09/99
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