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cronicas-->Tio Juca -- 16/08/2005 - 12:26 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tio Juca


Ele era irmão de minhas duas avós, ambas que, sucessivamente, foram esposas do cel. António Evangelista de Melo, de Juazeiro, meu avó.
Primeiro, de vovó Rosa, a quem não conheci, mãe de minha mãe e de outros sete filhos; depois, de vovó Antoninha, que teve apenas dois filhos!
Irmãs dele, ainda conheci Teté (tia Tereza) e tia Isaura, que passavam temporadas na casa de meu avó, em Juazeiro, ou na sua chácara, na Federação, aqui na Bahia.
Muito antes de conhecê-lo pessoalmente, eu já gostava desse tio, que morava na capital. Durante a minha infància ele era um verdadeiro mito, sua mocidade e seu casamento com tia Sizina descritos de modo romanceado por minhas tias solteironas nas tardes sonolentas das férias que passávamos na fazenda ou nas horas de trabalho em que todos colaborávamos para ornamentar o clube da família - a "Sociedade Filarmónica 28 de Setembro" - para os grandes bailes, que lhe davam a primazia sobre a "Apolo Juazeirense", sua rival.
Aliás, a fotografia de tio Juca de que mais me recordo, dessa época, mostrava-o fantasiado de arauto e porta bandeira de um bloco de carnaval...
Também me lembro, perfeitamente, de quando ele mandou para meu avó duas vacas holandesas, que produziam mais de 20 litros de leite cada uma, um fenómeno que assombrou o meio rural de Juazeiro.
As vacas ficaram numa rocinha que meu avó possuía no "Alagadiço", pertinho do campo de futebol do "Veneza", nos arredores da cidade, e para vê-las havia quase uma romaria.
Sob a influência das histórias que me contavam minhas tias, tio Juca era o parente de quem eu tinha um certo orgulho e aquele que mais desejava conhecer.
Quando afinal o vi pela primeira vez, sua figura não me causou maior impacto e não tinha semelhança com o tipo que eu idealizara.
Tio Juca era alto, magro, ósseo, circunspeto, introspectivo, sem a preocupação de agradar, de ser simpático.
Embora cortês, pareceu-me cerimonioso e reservado, o caráter clássico do homem sertanejo: concisão, simplicidade, firmeza, nenhum arroubo afetivo.
A vida toda, foi sempre assim!
No princípio, aos 14, 15 anos, não me sentia à vontade em sua presença.
Instruído por meu pai, que lhe tinha grande admiração, visitava-o de vez em quando, nas saídas dominicais do internato dos Maristas.
Tomava o bonde no Campo Grande e ia até o fim de linha da Federação. Sua chácara ficava em frente ao ponto.
Por lá almoçava, na companhia dos primos, recebendo alguma atenção de Rute, Dora e Benito, os filhos com minha faixa de idade.
Com o tempo, sobretudo depois que comecei a trabalhar, ele passou a reparar em mim, a interessar-se por minha vida.
Tio Juca fizera uma bela carreira na Casa Magalhães, consequência de sua seriedade, inteligência, perseverança e dedicação.
De caixeiro-viajante chegou a tesoureiro e, mais tarde, a diretor.
Sua ligação e lealdade à firma só se equivaliam à sua fé religiosa, ao respeito à mulher, tia Sizina, e ao seu arraigado sentimento de honestidade.
Quando comecei a progredir no emprego ele passou a estimular-me e a louvar meus esforços.
Amigo de meus patrões, notadamente de Miguel Calmon, Eugênio Teixeira Leal e Jayme Villas-Boas Filho, elogiava-me junto a eles.
Volta e meia escrevia-me, ora para recomendar-me um protegido, ora para felicitar-me por alguma ação de minha iniciativa que soubera.
Jamais esquecia de perguntar por Sónia, minha mulher, a quem vira poucas vezes, mas por quem sempre teve muito carinho.
Quando fui transferido para o Recife, onde morei por quase oito anos, tio Juca não me esqueceu. Natal, aniversários, êxitos circunstanciais no meu trabalho eram os motivos de seus cartões e cartas.
Esse meu tio - José Simões e Silva - que deixa vivos os 10 filhos que teve e que póde comemorar o nascimento de trinetos e seus 99 anos de vida foi um homem realmente extraordinário!
A sua notabilidade não estava no fato de ter sido importante, ou rico, ou poderoso, ou talentoso, ou erudito - sequer possuía instrução formal!
Tampouco foi um homem superior por ter sido concessivo, conveniente, "esperto", vivedor, político!
O que sempre o distinguiu foi a sua simplicidade, a modéstia, o decoro, sua probidade, sua retidão e a inesgotável capacidade de amar e de compreender.
Pois que esse homem, um conservador, um discípulo de sua fé católica foi sempre contemporàneo de todas as épocas e fases de sua longa vida, uma cabeça privilegiada aberta às novidades, ao progresso, à ciência.
Aprendi muita coisa com tio Juca, mas a lição que não desejo esquecer é a que marcava a essencialidade do seu caráter, fruto de sua bondade, sabedoria e tolerància: o respeito à opinião e à dignidade dos outros; a compreensão para com seus erros e o apoio incondicional nas horas de necessidade.
Foi assim que ele criou os filhos e os transformou em pessoas livres e em grandes figuras humanas.
09.10.88
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