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cronicas-->Jairo Simões -- 14/08/2005 - 20:13 (Paulo Maciel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Jairo Simões



A lembrança mais antiga que tenho dele é de um menino feio, com óculos de vidro de fundo de garrafa e cara de cientista louco.
A imagem dessa época, nítida, mostra-me ele mexendo em fios e fazendo instalações para por em funcionamento um velho rádio na sala de visitas da casa de seus pais, no Barbalho. Ivan e eu olhando e ajudando.
Mas, Dindinha Beta, sua mãe, sempre me corrige para dizer que desde meninotes, em Mundo Novo, estávamos juntos fazendo traquinagens, como aquela de torcer o pescoço das galinhas para ver como morriam.
Infelizmente, não me lembro disso, teria uns 2 ou 3 anos de idade, apenas!
Só associo minha vida à de Jairo a partir dos 11 anos quando, interno nos Maristas, em Salvador, passei a frequentar a casa do Barbalho nas folgas de domingo.
E domingo era o dia da "Hora da Criança", um programa da Rádio Sociedade da Bahia que o professor Adroaldo Ribeiro Costa comandava, do velho casarão da rua Portugal.
Quando conseguia chegar cedo a sua casa, eu o acompanhava ao programa.
Pelo que me lembro, ele era a maior atração da "Hora da Criança", um talento precoce que cantava, tocava gaita e recitava poesias com o maior desembaraço.
Quando não íamos ao programa de rádio jogávamos uma
pelada, um baba como se dizia então, no único campinho em terreno inclinado que conheci, e que ficava perto de sua casa.
Com regularidade, frequentei a casa de Dindinha Beta e dr. Edgard Simões, pais de Jairo, até os 18 anos, quando comecei a trabalhar. Ele se formara em direito e
também iniciava sua carreira profissional.
Distanciamo-nos bastante então, pois a vida nos levou a caminhos e lugares distintos.
Entretanto, nunca estivemos efetivamente separados e a amizade com esse parente querido sempre foi um sentimento profundo, um bem preservado de maneira cuidadosa ao longo de toda a vida.
Jairinho, como o chamava, sempre me tratou como um primo mais jovem, com quem podia contar em qualquer situação e a quem dedicava atenção especial.
Salvo na infància, em nenhuma outra época de nossas vidas fomos companheiros ou colegas, seja na escola, no trabalho ou demais setores em que atuou.
Minhas recordações de Jairo, portanto, não estão ligadas a quaisquer de suas múltiplas e intensas atividades, como advogado, professor, jornalista, compositor, executivo ou político -mas à sua simples condição de homem, no ameno convívio de uma companhia sempre estimulante, um papo fabuloso.
Assim, por exemplo, vejo-o no Recife em minha casa, no início da década de 70, ao lado do também saudoso Carlos Lacerda, o pianista, meu colega de ginásio.
Estavam lá para apresentar u a composição, que achei linda, no "I FestivaI de Música Popular do Nordeste" (será que se chamava "Chapeuzinho Vermelho"?) e foram comer uma feijoada comigo, no domingo, após o encerramento do festival.
Jairo deliciava-se com a companhia de Carlos Lacerda, um talentoso músico, cheio de manias e tiques nervosos, que tinha o costume de passar trotes e criar
situações embaraçosas aos amigos.
O ministro do Tribunal do Trabalho e também compositor, Carlos Coqueijo Costa, era uma das principais vítimas dessa fixação do Lacerda. Jairo desfiava casos e mais casos do pianista, que sempre o espantavam.
Aliás, lembro-me de que, nesse dia, já na hora de levá-los ao aeroporto, pertinho de minha casa, Carlos Lacerda pediu-me para passar antes nos Correios, a fim de despachar cartões postais para amigos da Bahia e do Rio de Janeiro. Em geral, eram mensagens com notícias mentirosas - anúncios de prêmios, comendas e homenagens que levavam a assinatura de autoridades - que muitos já conheciam.
Sob o risco de perdermos o horário do avião, tive que prometer-lhe postar os cartões mais tarde para não chegarmos atrasados ao aeroporto.
Como é sabido, Jairo sofreu constrangimento e perseguição durante certa fase da Revolução de 1964, quando servia como professor na Universidade de Brasília.
Pois bem, de todo o episódio, que certamente lhe causou graves prejuízos morais e económicos, nunca me contou nada, salvo a situação que revelava seu lado histriónico e a pobreza intelectual do militar que foi buscá-lo em casa.
Ao revistar sua biblioteca, para apreender as obras de caráter subversivo , levou "O vermelho e o negro" de Stendhal. Esse "vermelho" diz tudo, comentou o oficial.
Em seus últimos anos de vida, conhecendo a doença que o acometia e sobretudo após sua volta dos Estados Unidos, onde esteve para tratamento, Jairo continuava o mesmo de sempre - bom conversador, animado, acompanhando os fatos importantes da província e do pais - na política, na economia, na música popular brasileira, e em todos os demais campos em que se centrava seu interesse intelectual.
A mim, me pareceu de grande estoicismo, lutando denodadamente contra a morte, mas aceitando sem amargura ou desespero as sendas do seu destino.
Jairo está fazendo muita falta à Bahia, que ficou mais pobre após seu desaparecimento, mas nós, seus amigos e parentes é quem mais sofremos com sua ausência, saudosos de sua presença luminosa, carentes de sua rica humanidade.
17.09.93
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