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Contos-->Os últimos metros contigo (parte I) -- 03/04/2001 - 14:53 (K Schwartz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Todos os anos, o site L´oeilsauvage (o olho selvagem) em www.chez.com/oeilsauvage faz um
concurso de contos. Entre os vencedores de 2000, estava o texto que se segue, de autoria de Fréderic Audras.


Os últimos metros contigo (parte I)

Frédéric Audras


Logo antes?

Você quer dizer antes da chegada?

Eu me aproximava dele e olhava-o fixamente.

Sim, isto, eu gostaria de saber o que se passou antes da linha de chegada.Você tem umas perguntas estranhas, disse ele com seu sotaque sulista pronunciado. Ele enterrou-se na poltrona. São coisas... imagens muito pessoais. Eu me lembro mas, é difícil de falar sobre isso, as imagens se embaralham um pouco.

Sua mulher se levantou para fazer as crianças dormirem. Ele sorriu para ela. Ela me olhou, enquanto subia a escada, compreendendo que eu deveria ficar mais tempo que ela havia previsto. Eu penguntei-lhe se podia fumar.

O pôr-do-dol difundia uma luz alaranjada na sala, produzindo cores quentes e doces no sofá e nos móveis em madeira. O gravador estava ligado. Ele tamborilava o pé na mesa. Sua aparência era tensa. Seus olhos estavam bem abertos, quase
arregalados. Eu me dei conta que ele revivia a corrida. Ele sentia seu corpo saltar no espaço, seus passos aflorando árduamente na superfície da pista e sua cabeça congelada, o olhar hipnotizado pela linha.

Posso começar? Perguntou.

Eu concordei com um piscar de olho.

Eu me lembro do calor. Fazia muito calor naquele estádio. E mais, eles nos haviam trazido ao estádio de ônibus e tínhamos ficado perto de duas horas presos em engarrafamentos. Você não pode imaginar; quando saímos, nós quase não sentíamos os nossos membros. Tudo estava pesado. Minha mochila parecia me rasgar o ombro. Era uma outra época, você sabe, as coisas não eram tão organizadas quanto hoje.

Ele inclinou-se para pegar seu copo.

Em todo caso, quando eu começei a me preparar na área de treino, eu realmente não me sentia bem. Eu me estafava muito rápido e estava com dor-de-cabeça. Eu fazia os alongamentos junto com os outros corredores. Eram Mark Woodford, James Colley e ... John Cougar. O único nortista da equipe. Eu não gostava dele nem um pouco. O mesmo parecia completamente à vontade, como se estivesse certo de ganhar, levanto ao seu campo de batalha aquela vitória.

Por que? Perguntei-eu.

Ele sorria. Era o favorito entre todos os apostadores. Aquilo era como seu dia de glória e ele gostava de apreciar cada instante.

Ele era o único branco da equipe, disse-eu com uma voz neutra. Sim, ele respondeu, nós éramos quatro na final e ele era o único branco. Todos os olhares estávam sobre ele. O treinador lhe falava às escondidas, dando-lhe conselhos. Nós outros, nós não existíamos. Essas são coisas as quais não falamos facilmente, mas... havia uma fronteira invisível entre nós e eles... o país estava sendo sacudido naquele momento, não tínhamos os mesmos direitos. A gente não se respeitava. Então, todos os três, nós éramos como um só sem pronunciar uma palavra. Queríamos ganhar.

Meu estômago estava contraído. Eu o escutava mas todo o meu corpo parecia tensionar-se. Ele continuou.

Eu me lembro que uma hora e meia antes da corrida, Mark e James tinham saído da pista para descansar nos vestiários.

Você estava sozinho? Perguntei.

Sim, eu não estava satisfeito com as minhas passadas. Eu queria trabalhar meus apoios para a partida. John Cougar aproximou-se. Perguntou como eu estava. Eu lhe disse que me sentia muito bem, que queria ganhar. Ele devia ver o ódio nos meus olhos pois me respondeu que esperava que todos tivessem a sua chance naquela corrida. Neste momento, eu me sentei para esticar minhas pernas. Eu acredito ter lhe dito que estava certo que ele não pensava assim, que ele era o favorito, o preferido de treinador. Todo munto esperava a sua vitória. Eu não suportava que ele estivesse perto de mim, com aquele ar estúpido. Ele me disse que não compreendia. Por que fala comigo? Eu lhe disse, Você quer que nos tornemos amigos antes da
corrida? Somos uma equipe, não devemos falar assim, ele me disse. Mas eu não me considero da sua equipe. Minha vontade era forte, respondi maldosamente. Não é por que temos o mesmo número de cores e que agitamos a mesma bandeira que estamos na mesma equipe! Era o que tinha a dizer sobre isso.

Você estava muito nervoso?

Evidentemente. A atitude daquele tipo me esgarçou. Eu não compreendia por que ele queria me ver. Ele não respondeu. Um cara normal teria me feito conversar. Mas ele, nada. Ele aguardava que eu despejasse meu ódio na cara.


Eu cerrei os punhos e tentava esconder minha emoções.

Você não foi embora?

Não. Uma vez que havia lhe dito todas essas coisas, que lhe havia repetido diversas vezes. Ele não se mexeu. Eu me lembro que, pelo primeira vez eu senti uma brisa de ar fresco percorrer minhas costas e minha nuca. Ele olhava além dele. Você sabe, ele me disse, eu deveria saltar de alegria. Esse dia, eu aguardo desde que era criança. Eu sempre corri rápido. Na escola, no
colégio e depois na universidade, eu tinha sempre uma dezena de metros de vantagem sobre os outros. Eu nasci assim. É um dom. Eu nunca pedi nada p´ra ninguém. Isto está em mim. Eu não faço esforço realmente, não é muito justo.

Ele repousou seu copo e se serviu um martíni.

O cara não ria mais. Ele falava sem emoção. Neste instante eu pensei que ele não se importava comigo e preparei-me para sair.

Então, ele me fez uma pergunta. E você, por que corre tão rápido? Naquele momento eu queria me encontrar com meus amigos no vestiário. Eu não queria falar com ele e muito menos responder àquela pergunta. O que ela fazia arder em mim tornava-se incandescente. Eu sempre quis ser o melhor, disse-eu. E depois, quando vi o céu se refletir em seus olhos, eu não sei o que me tomou... eu esqueci de levantar minha muralhas. Eu não tinha mais medo das palavra que saíam de minha boca. Eu lhe disse que corria pelos meus, pelo meu quarteirão miserável, pelos meus ancestrais escravos, pela minha irmã, minha mulher e meus futuros filhos...

Ele se levantou.

O treinador nos observava e caminhou em nossa direção. Voce sabe o que podíamos fazer? disse-ele. Eu lhe respondi que eu não sabia. Eu adoraria correr contigo. Dentro de uma hora, veremos, eu lhe disse. Não, não, você não compreendeu. Eu adoraria correr contigo agora.

(CONTINUA)
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