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Contos-->A confissão -- 28/09/2008 - 14:00 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A confissão



- Hoje eu vim, não sei de quem tirei coragem. Não podia adiar por mais nenhum instante esta confissão.
- Repita-me vagarosamente o que acabou de contar-me.
- É-me tão cansativo, padre...
- Não posso ajudá-la na escolha das palavras, mas serei paciente na ausculta. Comece. Faça-me ouvir.
- Depois de mim há três velhas. Não quer atendê-las primeiro?
- Não! A vez é sua. Confissão não predetermina o tempo.
Não contive o choro. Vi-o quase desesperador. Cada palavra refeita e dita, um espinho que me furava o coração. O corpo ardia escondendo a mácula do desvirginamento. Possuía trinta anos, destes, vinte e dois de religiosidade, quase clausura. Quis esquivar-me de falar e ouvi do Monsenhor Vandrini:
- Filha, ajude-me a ajudá-la. Comece sua confissão.
Meu rosto ainda se escondia entre as mãos, face a tanta dor emergida àquele instante. Notara que meu confessor não aprovava a demora. Mas era eu quem sabia mais de minha dor. Um tormento me abafava. Minha coragem era bem pouca para me apressar no que me pedia o padre. Relutei até onde pude. Fugi espiritualmente do espaço físico onde estava. Desejei inexistir, não ter queixas, nada me ter acontecido. Foi em vão. Acabei confessando tudo o que não devia ter feito.
- Minha filha, come é, vai ou não vai confessar-se?
- Vou!
- Então o que está a esperar? O tempo está fugindo de você. Há mais gente a querer o mesmo que você ainda não se decidiu fazer.
- Monsenhor..., eu fui desvirginada dentro da casa que pensava ser inviolável.
- No convento?
- Sim!
- Seu nome, como é?
- Louize.
- Você..., você... é uma lourinha, magrinha..., que canta no coral da capela?
- Sou. Por que me perguntou isso?
- Por nada. Quis saber. Apenas isso.
- Mas o senhor não me viu..., é estranho!
- Continue, Louise; o tempo é seu.
Dali em diante eu vi pelas brechas do confessionário a súbita mudança apresentada na face do Monsenhor. Vi-o indignado, talvez frente a tão horripilante confissão. Minha fala havia provocado seus sentimentos. Continuei. Não percebi mais a insistência de antes. Falava com ou sem pressa, sem que ele me estimulasse a continuar fazendo a seu modo.
- Você sempre dorme logo após o jantar?
- Não, aquele dia foi diferente. Nem jantei e fui logo para a cama. Irmã Izabel ainda foi até o quarto perguntar o porquê de eu não ter ido ao refeitório. Eu lhe disse que estava feliz e sem fome. Ouvi dela que, se era essa a verdade, ficaria feliz comigo. Comungava do mesmo sentimento meu. Continuasse o jejum noturno.
- O que você viu acontecer?
- O vulto falou que eu não me amedrontasse. Senti uma mão massageando meus cabelos. Estas mesmas andaram até meus seios, apertaram-nos e foi quando eu senti um frio intenso. Pedi a Deus que me livrasse de todos os males.
- Não desconfiou das mãos? De quem poderiam ser?
- Como? No convento só havia mulheres. Todas limpíssimas desses atos estranhos. O único homem que nos visitava era o senhor. Os dois vigilantes não tinham acesso ao nosso dormitório. Desconfiar de quê? Pensar que era quem?
O Monsenhor levantou-se da cadeira do confessionário e escondeu seu rosto entre as mãos. Nada entendi. Resolvi rezar enquanto ele se sentava. Mas já demoravam muito minhas orações e ele não se decidia pela continuidade do que fazia. Dirigi-lhe a voz:
- Monsenhor, eu estou aqui. Esqueceu-se de minha confissão?
Ele atendeu. Notei que chorava. Passei então a envergonhar-me ainda mais. Pensei que minha confissão estava o incomodando muito. Cheguei a pedir-lhe desculpas.
- Eu sinto muito, padre. Mas é ao senhor que devo dizer essas coisas. Sinto muito mesmo.
- Não me peça desculpa nenhuma. Sua confissão me atinge.

- Não o entendi.
- Nunca atravessei a porta do seu dormitório. Aconteceu-me apenas essa vez. Estou preso ao pecado. Logo eu, o consultor espiritual de sua casa. Que mal lhe fiz!
- Padre, o senhor...
- Eu mesmo, em carne e osso.
- Por quê?
As mãos do pecador me chegaram macias, plumosas, e o meu corpo aceitou calmamente o pecado. Lembro-me de que minha respiração parou, eu me transportei à casa dos desejos e senti que meu corpo sorria. Não visitou-me qualquer dor. Ele me acariciou, disse palavras belíssimas. Seu corpo era leve sobre o meu. Eu o ajudei. Procurei confessar-me para galgar o perdão divino. Estava decidida a não contar o acontecido a mais ninguém.
- Louise, um vento me empurrou até seu corpo. Perdoe-me. Até aquele momento eu estava intocado como você. Duas marcas ficaram. O demônio me tentou e conseguiu sucesso. O que quer que eu faça? Procuro sua superiora?
- E foi o senhor?
- Ainda tem dúvidas?
- Monsenhor Vandrini?
- Eu!
- Não! Eu vim aqui apenas para lhe confessar meu pecado, e não para ouvir essas palavras. Não podem ser verdadeiras.
- Eu desvirginei você. Sou o seu pecado. Fiz o ilícito.
Os anos se passaram e dei tudo ao esquecimento. Ele me imitou. Freqüentei menos suas missas. Passei a ir aos domingos ao seminário das Salesianas logo ao lado do meu. Quis evitá-lo porque a minha religiosidade se soergueu e eu voltara a ser feliz.
Em mil novecentos e oitenta e sete, encontrei-o em um congresso da Congregação do Divino Amor. Cumprimentei-o, saudando-o:
- Viva a fé que há dentro do senhor.
- Você, para mim, é santíssima. Vergo o meu corpo agora, não para pecar, mas para admirá-la quase no caminho da veneração.
- Não sou digna disso.
- É, Louise, a Maria que Jesus deixou para me provar e dar a retidão dos meus passos. Fizeram- me bispo. Você me ajudou a crescer espiritualmente.
- Bispo Vandrini, sua bênção.
- Deus a abençoe, Louise.
Ele deu-me as costas e foi celebrar com os demais bispos no grande evento religioso do qual participávamos. Nunca mais o vi. Apenas acompanhei de longe sua caminhada espiritual. Diga-se, uma bela caminhada.
Hoje trabalho com jovens vítimas de estupro. Possuo um grupo grande delas. São quase trinta mulheres. Quando eu morrer e assim abrirem os meus pertences, saberão da minha história, para que o santo bispo tenha lembrado o seu grande valor de homem resignado. Até hoje, nós não conhecemos o calor de corpo algum. As lembranças são áulicas e nossa fé, uma imensa montanha de ferro. Levantamos de onde nunca houvera queda, mas sim, um deslize de dois corpos frágeis do mundo e fortes de Deus.
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