Usina de Letras
Usina de Letras
264 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62171 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50575)

Humor (20028)

Infantil (5423)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6182)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O ESCÂNDALO -- 28/09/2008 - 13:51 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O ESCÂNDALO


- Há um grande escândalo para acontecer?
- Quem te falou dele?
- Mamãe.
- O que ela te disse?
- Uma coisa estranha...
- Conta-me.
Nosso pai era o filho mais velho duma prole de quatro. Foi à Suíça estudar economia e música e retornou para São José da Laje. Havia agora um homem culto, intrigado com a exclusão social de um povo que, mesmo assim, parecia querer viver a seu jeito. Ele olhou aquele mesmo povo com os olhos da melodia de seu coração.
- Ele voltou e logo se casou com nossa mãe!
- Não! Demorou um pouco. Acho que um a dois anos. Talvez um pouco menos, talvez um pouco mais.
Quem engomava e passava as alvíssimas roupas dos fidalgos donos da Usina de vovô, sabe quem? Minha doce mãe. Enquanto movimentava os braços no laborão cotidiano, ele a admirava. Ela apenas escondia seu olhar reprimido dos olhos do outro olhar buscador do doutor João.
- Nossa mãe engomava? Era pobrezinha?
- Era, Duílio, nossa mãe era assim: simples como a natureza!
Não se passaram três meses e nosso pai alvoroçou-se para ter mamãe. Às escondidas se encontraram tantas vezes, driblando os perigos dos preconceitos da cor e de outros tantos. Nossa mãe era uma linda mulata que, além de canela na cor, trazia seu cheiro n’alma simples, humilde, esplendorosamente romântica.
- Mamãe sofria?
- Muito. O mundo inteiro estava contra ela. Proibiram-no de tê-la, na sombra de um lindo silêncio de amor. Eles se amavam. Tinham duas lindas vozes. Ele tocava violão como ninguém. Seresteiro, amigo das estrelas e da lua. Amante das noites.
Só vim a saber dessa história toda, próximo à data do meu casamento com Tereza. Mamãe reuniu os filhos e nos passou sua história tintim por tintim, mostrando-nos algumas cartas feitas por ele, no início de sua paixão, quando enfrentou toda a família para ficar ao lado dela. Uma história forte, bonita.
Quando a cheia do rio Mundaú acabou com a cidade baixa arrancando até o galo do alto da Igreja Matriz, ele já havia falecido. Morreu novo, na flor da idade. Nosso pai era um boêmio audacioso. Viveu entre as cordas de um violão e a melodia da vida.
- E os Hai Cai?
- Vasculhando um baú antigo, eu e nossa irmã Eufrásia achamos um punhado farto deles. Alguns noutras línguas.
- E o escândalo, qual é?
Mamãe hoje vive à mercê dos limites que sua doença oferta. A memória mora tão longe dela! É barco a vagar. Soubemos, e é aqui onde mora o escândalo, que, quando nosso pai apaixonou-se por nossa mãe, ela engravidou dele. Para não causar nenhum escândalo à época, jogaram a criança, nosso irmão, nos braços de pais adotivos, para os lados do Rio de Janeiro.
- Um quinto irmão?
- Exato.
- E o escândalo, hoje, qual é? Onde está?
- Um velhíssimo bilhete que nossa mãe havia escrito quando do brutal afastamento do nosso irmão desconhecido, mantido guardado entre páginas mofadas de um livro azul – um livro caixa, não sei de quem são as contas que guarda o silêncio.
- E o bilhete o que diz?
- Nele está escrito o nome dessa família adotiva, seu endereço no Rio de Janeiro e por quem a criança foi levada.
- Mas com tantos anos, esse endereço ainda é o mesmo?
- Não! Mas o escândalo não está nisso.
- E onde está?
- Hoje já sabemos quem é o nosso quinto irmão.
- Quem é?
- Nosso pior inimigo!
- Como?
- É ele, nada menos do que o doutor Arthur Libério.
- Não pode ser verdade...
Quando papai teve o pré-infarto, quase morto foi levado ao Rio de Janeiro. Ficou internado por longos trinta e seis dias. Quem o tratou foi esse monstro. Abdicou de cuidá-lo porque nós não podíamos pagar seus honorários. Papai ficou triste e apressou sua morte. Ele sempre dizia:
- Esse jovem médico parece com meu filho Dílson. Não canso de olhá-lo.
- Dílson, sou eu, caro leitor, agora desgovernado em lágrimas de lembranças. Meu irmão Arthur vive entre os delírios etílicos e o peso cruel das lembranças do passado. Faz exatos seis anos que ele soube da verdade e trinta e um que papai morreu. Depois disso, nunca mais se perdoou e vive nos deslimites profanos da vida humana.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui