Aquele dia tinha mais duas provas. Era final de ano. O ano terminaria, mas aquela maldita semana mal havia começado. Ainda era terça feira. Eu fizera matemática e desenho geometrico.Sem dificuldades.
Ainda uma maratona de provas pela frente: oito, em quatro dias. Duas por vez. Naquele dia era português e biologia. As matérias que mais detestava. A escola teve a capacidade de marcar as duas piores matérias no mesmo dia. E não adiantava tentar mudar. Imagina se uma reles mortal, um simples aluno, sem um argumento válido, conseguiria transferir uma prova de dia e horário? Mas como sou cara de pau, tentei. Conversei com a secretaria da diretoria. Mas como não tinha argumento válido, a mudança não se efetuou.
Eu estava querendo jogar um dos problemas para outro dia. Sabia que se fosse mau, o que era bem provável, ao menos a frustração seria uma só. Obter duas prováveis notas baixas no mesmo dia era totalmente desanimador para uma semana que estava começando. E começava bem quente. Pois a situação lá em casa ia esquentar.
A primeira coisa que meu pai perguntaria era:
- E ai, foi bem nas provas? Ele já sabia a resposta, pois era sempre igual. Media sete nas demais matérias e por volta de quatro e meio em português e biologia.E ele sempre dava sermão. Que eu precisava estudar mais, que na época dele não tinha moleza, aquele monte de jargões que os pais costumam usar quando eles se frustram com os filhos.
Fiz as provas. Português para mim era pior que grego. Uma língua complicada, chata, sem sentido, carregada de terminologias banais, textos longos e prolixos. A pior parte era interpretação de texto: analisar sujeito e predicado. Eu sabia que eu era um sujeito bacana, e cheio de outros predicados( as meninas é que sabem bem...). Mas os sujeitos e predicados das frases eu nunca acertava. Tinha sido uma catástrofe.
Em biologia até que não me saira tão mau. Eu achava que ia dar um cincão. Esse professor fazia aquelas provas de teste, com cinco alternativas, e todas começavam: “se a primeira parte da frase lhe parece correta, então.....”, e a ultima era sempre N.D.A(nenhuma das anteriores). Acertar os testes era como dar um chute.
Até que descobri na internet um “site” somente de simulados. De várias faculdades.Como gostava de me testar, lá fui eu. Era um desafio para mim. Pois eu estava no segundo ano colegial, e era também uma maneira de ir me preparando. Numa das vezes encontrei uma faculdade com testes parecidos com aqueles que meu professor de biologia usava.
Sempre achei que aquele tipo de prova devia ter uma “lógica burra” para ser desenvolvida. Quero dizer, nunca imaginei que alguém tivesse paciência e tempo para “criar” 100 questões daquele tipo para uma prova. Exigiria muito tempo e criatividade. E qual professor tinha tempo para fazer aquilo? Ganhando mal do jeito que ganhavam, eles trabalhavam em duas ou três escolas/dia.
Até que vejo no canto daquela prova, um comentário sobre um professor que prestava serviço para o “site”, e ele dizia:
“Este tipo de prova já está provada que é difícil e não mede o conhecimento real do aluno, pois o mesmo fica em duvida entre duas ou três respostas. As vezes por uma simples palavra, erra a resposta certa. Isso ocorre pois o aluno está numa situação de estresse, fica nervoso, não conclui a questão devido à pequena duvida e sabe que precisa terminar a prova. Assim, acaba “chutando” simplesmente para se livrar daquela questão e ir para a próxima. Isso não é vestibular.Alem disso, essas provas são mais que manjadas por certos alunos, que conhecem a mecânica destes testes, após terem realizado varias vezes o mesmo tipo de prova”. Vestibular tem que medir conhecimento. Na minha opinião , esse não mede”.
Alguma coisa ele queria dizer com :”as provas já são mais que manjadas...”.
Claro que o site não faria comentários mais específicos , até para não colocar a faculdade numa situação delicada. Mas eu tinha facilidade em raciocínio lógico, e queria saber porque as provas eram manjadas.
Fiz o teste do siimulado de matemática e acertei quase 100%. Peguei o gabarito, e com a prova e gabarito na mão, comecei a estudar as respostas certas e comparar com os tipos de alternativas que cada teste tinha.
Geralmente, o teste tinha cinco alternativas, que eram as seguintes:
a- A resposta está certa.
b- A resposta está incorreta porque a primeira fase da resposta esta incorreta.
c- A resposta está incorreta pois a segunda parte da frase está incorreta.
d- A resposta é inválida
e- N.D.A
Depois que peguei o gabarito, vi que esse tipo de teste SEMPRE precisava ter uma resposta composta por uma condicional, para que uma frase tivesse duas partes independentes.
Por exemplo: ”Caso a planta estivesse mergulhada na água por mais de cinco dias, sua raiz provavelmente não estaria comprometida como aconteceu com o desenho que vimos acima”.
Para responder corretamente, o leitor precisava saber apenas se a planta morreria em menos de cinco dias, ou não. E como ele poderia ter a certeza? Chutando. Então, já que não há uma resposta absoluta, há uma resposta APROXIMADA.
Só que muitos testes não apresentavam resposta aproximada. Em todos estes casos, a lógica burra entrava em ação , pois a unica opção é NDA. Por exemplo:
- Um tanque de areia está quase cheio. Falta 10% para completar seu volume total, que é de 30.000 l/m3 . Se colocarmos água ao invés de areia, quantos litros de água serão necessários?
a. Se a areia puder ser peneirada numa velocidade de 1litro/segundo, o taque estará cheio em menos de 60 horas.
b. Se a areia não puder ser peneirada por ser muito grossa, o tanque não poderá ser enchido.
c. Se colocarmos água no tanque na mesma velocidade que a areia é peneirada, ele se encherá no mesmo tempo.
d. Os 10% que faltam para o tanque não poderão ser completados com água, pois água e areia não se misturam.
e. N.D.A.
Este teste tinha uma resposta exata: 3000 litros. E nenhuma alternativa servia. Logo, a correta era N.D.A
Foi analisando questões deste tipo, que conclui como este vestibular era mal feito. E meu professor de biologia estruturava as provas da mesma maneira.. Só que como nos precisávamos fazer a prova rápido, pois eram 100 testes em quarenta minutos, e como essas questões aparentemente são difíceis, todos iam mal.
Em casa, como eu estava mais tranqüilo e não tinha aquela pressão do tempo, pude analisar questão a questão daquele simulado, e perceber os rombos( não eram falhas) que ele apresentava. Não era à toa o comentário negativo que o site fazia. Ele até havia sido delicado demais. Qual é a faculdade? Nem lembro.
Aquela ultima prova daquele meu professor de biologia, de tão mal feita, apresentou 40% dos testes com respostas tipo N.D.A.
Minha nota na prova chegou aos 5,5. Chute puro, e mesmo assim tirei uma nota acima da que estava acostumado.
Aquele professor ficou somente mais aquele ano na escola, tão grande foi o descontentamento dos alunos.
Mas no ano seguinte, com o professor novo, também continuei indo mal em biologia. Claro que o problema não era somente o professor. Eu detestava a matéria, como falei.
Por um tempo, me senti “superior” por ter desvendado aquele mistério. E fiquei com a ilusão que todas as faculdades tinham “jogadinhas” para fazer seus vestibulares. Perdi muito tempo tentando encontrar a lógica das respostas de outros vestibulares. Ao invés de estudar, tentei montar modelos que não serviram para nada.
E o que prestei no vestibular? Matemática.
Que faculdade curso? Uma aí.É boa, mas tem outras melhores. Não passei na melhor, aquela do governo, que não paga nada, pois minhas notas de biologia e português foram abaixo da media. Estou procurando outros sites de simulados de vestibulares. Quem sabe descubra o segredo dos vestibulares das faculdades públicas e talvez consiga entrar. Não tem jeito. Deveria criar vergonha na cara e assumir que não gosto de estudar.
Quem sabe a matemática me ensine que não há como sair pela tangente.
